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Vocês já ouviram falar sobre a Revolução Haitiana?
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Vocês já ouviram falar sobre a Revolução Haitiana?

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Por Messias Martins, estudante de História na UFPE, membro do Diretório Acadêmico de História Francisco Julião (DAHISFJ) e militante da UJC-Brasil

Em 18 de novembro completou 215 anos que os revolucionários haitianos venceram as tropas de Napoleão. Eles conseguiram não só acabar com a escravidão na ilha (chamada de São Domingos na época) como também proclamaram a independência da metrópole francesa! Por falta de informação a respeito muitos não sabem o que significado desta data. Se trata da primeira vez na História que um grupo de escravos proclamavam uma república independente e sem escravidão!

Nenhum processo revolucionário, porém, nasce do dia para noite. Foram mais de 300 anos de sangue, suor e lágrimas até a primeira noite de uma insurreição realmente organizada. Na ocasião haviam mais de 500 mil escravizados (sendo que 2/3 tinham nascido na África) para 60 mil brancos.

Após saírem de uma cerimônia religiosa onde foram batizados aqueles escravizados e escravizadas partiram para o famigerado fogo nos racistas. E foi isso mesmo que aconteceu. Na primeira noite queimaram mais de mil fazendas com um senhor de escravos no meio de cada fogueira enquanto dançavam e cantavam em volta.

É necessária a compreensão de que não é preciso educação nem coragem para nutrir um sonho de liberdade. Na noite da consagração entoavam com toda força de seus pulmões:

Ê! Ê! Bomba! Heu! Heu! Canga, bafio té! Canga, mouné de lé! Canga, do ki la! Canga, li!

“Juramos destruir os brancos e tudo que possuem; que morramos se falharmos nessa promessa.”

Aquela noite foi o início de uma guerra civil, colonial e racial de proporções até então inimagináveis que durou cerca de anos (1791-1804). Durante esse período aqueles negros e negras enfrentaram e venceram os exércitos franceses (duas vezes!), espanhóis, holandeses e colocaram para correr a poderosa marinha inglesa!

O grande líder da revolução foi um cara chamado Toussaint L’Ouverture que tinha sido escravo até os 45 anos quando conseguiu comprar sua alforria. Mesmo tendo integrado a Revolução depois do seu início ainda assim Toussaint foi grande nome da revolução. Contudo, quantas vezes ouvimos falar de Toussaint ou da Revolução Haitiana na escola? A mesma escola que hoje sofre diversos ataques de grupos ligados a Escola Sem Partido, que embora a acusem de uma suposta doutrinação tem, na verdade, escondido a História de luta do povo negro. Isso tem um motivo: medo. Mas medo de quem?

O medo da Revolução Haitiana era tão grande que no restante da América criaram a palavra haitinização. Era tanto senhor de escravos com o popular “cu na mão” só de pensar na possibilidade dos escravizados daqui saberem o que os escravizados de lá fizeram com seus senhores. E ELES SOUBERAM!

Em 1845, para citar apenas um dos diversos exemplos na América, era preso em Recife o ex escravizado Agostinho Pereira do Nascimento, carinhosamente chamado pelos seus de Divino Mestre e Lutero Negro. A acusação: ensinar negros a ler e escrever, crime previsto na nosso primeiro código penal, fazendo alusão à constituição de 1824, onde deixava claro quem eram os cidadãos com direitos. Com ele foi encontrado o ABC do Haiti, livro que contava em verso de A a Z a vitória dos revolucionários haitianos. Na ocasião de sua prisão Agostinho tinha mais de trezentos seguidores e estava organizando uma insurreição para acabar com a escravidão em Recife! Não há mais registros dele e de sua companheira após a prisão.

Uma pena essa parte da História ser convincentemente deixada de lado na escola. Mas quem tiver interesse em aprender recomendo (e muito) o livro Jacobinos Negros, escrito por C. L. R. James. No prefácio do livro o autor conta que sua motivação em escrever a obra veio para que todos e todas conheçam a história da revolução que não só acabou com a escravidão e proclamou a independência como também inspirou diversos movimentos abolicionistas em toda América.

Diante do cenário que o ano de 2019 se apresenta com a eleição de Bolsonaro, que já sinalizou que sua prioridade será dar continuidade a agenda de Temer, como a reforma da previdência, além de mobilizar toda Câmara e Senado para aprovação da Escola Sem Partido e ampliação da Lei Antiterrorismo, que tem como foco criminalizar movimentos sociais e todos e todas que lutam por uma sociedade mais justa, que a vida e luta dos revolucionários haitianos nos sirvam de inspiração.

Haitinizar-se é preciso.