
Por Victória Dias, Secretária Política da UJC Ceará e militante do PCB
O projeto de exploração de urânio e fosfato em Santa Quitéria, no interior do Ceará, também chamado “Dragão de Itataia”, é hoje uma das expressões mais cruéis da contradição entre a retórica da soberania nacional e a prática concreta da subordinação aos interesses da burguesia.
A iniciativa, impulsionada pela INB (Indústrias Nucleares do Brasil) em parceria com a iniciativa privada (Galvani Fertilizantes), promete colocar o Brasil na dianteira da produção de urânio — matéria-prima estratégica para o desenvolvimento da energia nuclear setor-chave para a autonomia energética e tecnológica de qualquer nação.
Idealizado no início dos anos 2000, a partir da associação entre a estatal INB e a Galvani Fertilizantes, o projeto passou por diversos momentos de suspensão e retomada. Em 2010, foi considerado inviável do ponto de vista ambiental e técnico pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente. Anos depois, em 2019, voltou à pauta durante o governo Bolsonaro como parte da agenda de privatização e flexibilização das licenças ambientais, e encontrou amparo nas gestões petistas do Governo do Estado do Ceará.
A narrativa do projeto de soberania nacional por meio da exploração de urânio não é nova — nasceu durante a ditadura militar, num contexto de autoritarismo e “desenvolvimento”a qualquer custo. Seu renascimento revela a continuidade dessa lógica colonial, onde o progresso se constrói sobre a destruição dos territórios e das comunidades, ignorando lições históricas e apostando na morte como preço do lucro.
Entretanto, é importante deixar claro que a defesa da soberania energética, frequentemente evocada para justificar projetos de extração mineral, é um argumento legítimo. Um país que não domina as cadeias produtivas estratégicas permanece dependente dos centros imperialistas.
Contudo, no Brasil do capital financeiro e das alianças espúrias entre Estado e empresas, a chamada “soberania” muitas vezes se traduz na reprodução interna dos mesmos mecanismos de expropriação, exploração e destruição ambiental que sustentam o imperialismo no plano internacional.
O caso de Itataia é emblemático. De um lado, o projeto aparece como uma oportunidade de fortalecer o programa nuclear brasileiro, diversificando a matriz energética e reduzindo a dependência externa. De outro, a quem realmente servirá essa riqueza mineral? Aos camponeses, quilombolas, indígenas e trabalhadores da região, que enfrentam uma vida marcada pela seca e pela ausência de políticas públicas? Ou às grandes corporações da mineração e do agronegócio, que verão seus lucros inflados enquanto deixam para trás uma terra contaminada, rios mortos e comunidades adoecidas?
O Projeto Santa Quitéria se desenha como um verdadeiro crime ambiental anunciado. O semiárido nordestino, já afetado pela escassez hídrica, corre o risco de ter suas fontes de água poluídas por rejeitos radioativos. Isso se dá porque, a mineração de urânio é extremamente perigosa, uma vez que gera resíduos que permanecem ativos por milhares de anos. Casos recentes da exploração de minérios — como em Mariana, Brumadinho e Caetité — demonstram o que os grandes empreendimentos retornam para o povo: contaminação e morte.
Além disso, o projeto também se ancora em uma contradição brutal: para funcionar, ele exige um volume de água absolutamente incompatível com a realidade climática do semiárido cearense. Estimativas apontam que o empreendimento demandará milhões de litros de água diariamente para processar os minérios — um recurso que simplesmente não existe em abundância numa região semiárida.
E, para além do uso absurdo e descabido de água potável, estudos técnicos alertam para o risco de contaminação em três bacias hidrográficas que drenam o município, o que tem potencial de comprometer — ou até mesmo impossibilitar — o abastecimento das diversas comunidades do entorno. Os impactos não são apenas ambientais — são profundamente humanos. A exposição prolongada a materiais radioativos eleva significativamente a incidência de câncer, doenças respiratórias e alterações genéticas nas populações próximas.
Enquanto comunidades inteiras convivem com o acesso limitado à água para beber, plantar e viver, o Estado se dispõe a garantir um uso industrial desenfreado desse bem comum para alimentar um projeto que atende aos interesses da mineração e da cadeia do agronegócio. Trata-se de um verdadeiro saque hídrico, legitimado por discursos tecnocráticos e políticas públicas que colocam o lucro acima da vida.
A contradição se aprofunda: o governo que promete “reindustrializar” o Brasil e fortalecer a soberania nacional é o mesmo que abre caminho para a privatização dos lucros e a socialização dos riscos. A burguesia brasileira, sempre dependente e associada ao capital internacional, vê no projeto uma oportunidade de rentabilizar não apenas o fosfato para fertilizantes, mas também a cadeia nuclear, numa lógica de espoliação do território e das vidas que ali existem.
Apesar da pressão dos poderosos, cresce a resistência no sertão. Comunidades quilombolas, camponesas, indígenas, juventudes e movimentos populares já se levantam contra o projeto, exigindo consulta prévia, informação e o direito de decidir sobre seus territórios. Essa luta é parte de uma batalha nacional e internacional contra a mineração predatória e o racismo ambiental. Não aceitamos que nossas águas sejam envenenadas, que nossos corpos sejam contaminados, que nossas vozes sejam caladas!
A luta contra o Dragão de Itataia é, portanto, uma luta em vários planos. É a luta em defesa do meio ambiente e da vida digna para as populações do sertão cearense. É a luta contra a apropriação privada de bens comuns sob a falsa bandeira da soberania. É a luta por outro modelo de desenvolvimento — que não transforme a riqueza mineral em miséria ambiental, que não troque a vida por lucro, que subordine o uso dos recursos naturais às necessidades e interesses da classe trabalhadora.
Todo apoio à luta contra a exploração predatória!
Pela vida e contra o saque!
Itataia é nossa, o urânio é do povo, e a terra é para quem nela vive e trabalha!
Pelo Poder Popular e pelo socialismo!