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Crise e Pandemia: o que a Juventude tem a ver com isso?
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Crise e Pandemia: o que a Juventude tem a ver com isso?

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Por Geovane Rocha

Texto originalmente publicado em O Momento: Diário do Povo.

A mídia burguesa vem se esforçando para convencer a juventude e os trabalhadores de que, até pouco tempo, vivíamos em um mundo harmonioso de pleno emprego e crescimento econômico. Um mundo no qual a Emenda Constitucional 95 e a Reforma da Previdência foram cruciais para equilibrar os gastos públicos, em nome da santíssima responsabilidade fiscal, e garantir a retomada dos empregos. No entanto, o país de Alice sofreu um tremendo baque com a chegada da COVID-19, que nos jogou em uma recessão profunda e todos estão tendo que fazer “seus devidos sacrifícios”.

O que essa narrativa fantasiosa procura esconder é que, desde 2008, o capitalismo enfrenta sua terceira grande crise sistêmica. E, diferente das suas crises anteriores, não tem conseguido alcançar novos patamares qualitativos e quantitativos de acumulação. O receituário que vem sendo apresentado pelo capital para romper com a crise, as famigeradas medidas de austeridade, na verdade não só aprofundam, como intensificam a crise. Nesse processo, podemos observar que há um grande consenso entre os setores das classes dominantes: os trabalhadores e a juventude serão aqueles que pagarão essa conta. Não é preciso fazer um exercício muito longo de rememoração para perceber como o Estado opera a favor dos interesses das clas-ses dominantes para garantir a manutenção de suas taxas de lucro e espoliar os trabalhadores. Foram trilhões injetados na economia para salvar bancos e grandes empresas, vendas de empresas estatais estratégicas a preço de banana, um conjunto de contrarreformas para intensificar a exploração do trabalho e um fortalecimento dos aparelhos de repressão para reprimir a juventude e os trabalhadores.

O que fica claro para nós diante de todo esse quadro é que o vírus não foi o causador da crise, mas mesmo possuindo um caráter exógeno, ao se inserir em nossa sociedade, forçou o capital a despir-se por completo. O que se vê é uma intensificação de sua crise e dos ataques direcionados aos despossuídos. Fica evidente que o capitalismo prioriza sempre seus lucros em detrimento da vida dos trabalhadores, e que a única coisa que ele oferece é mais exploração e miséria. Mas, afinal, onde está a juventude em todo esse contexto?

Poucos meses após o início da pandemia, o Mistério da Educação (MEC), tendo à sua frente o Dom Quixote olavista Abraham Weintraub, lançou uma Portaria que autoriza a utilização de recursos digitais em Instituições de Ensino Superior. Para além dessa Portaria, o MEC não apresentou nenhuma outra medida para auxiliar os estudantes, e isso não acontece por acaso. Com o avanço da lógica mercantilizante do capital em todas as esferas da vida social, a educação pública foi intensamente desmontada no país, testemunhamos um avanço e fortalecimento da educação privada em detrimento dela.

Além de congelar as verbas por meio da EC 95 e dos constantes cortes, o future-se veio como projeto que visava acabar de uma vez por todas com a educação pública em nosso país. Entretanto, por conta de pressão do movimento estudantil e das demais categorias do ambiente universitário, o projeto foi barrado. Com esse histórico de sucateamento, fica claro que a implementação do ensino a distância nas universidades públicas deixaria muitos estudantes para trás e aprofundaria problemas ligados à desvalorização da carreira docente.

Como acreditar, diante desse cenário de constante desmonte, que as universidades conseguiriam garantir a todos os estudantes acesso aos recursos digitais para assistirem às aulas remotas? Ou, que os professores, categoria desvalorizada pelo Estado, tivessem condições dignas de trabalho? A Portaria ainda desconsidera o fato de que a pandemia mudou completamente a dinâmica dos lares, gerando sobrecarga nos estudantes, em especial nas estudantes que também são mães.

Houve aqueles que, talvez por ingenuidade, passaram a defender a implementação do ensino remoto com a justificativa de que muitos estudantes precisavam se formar para adentrar no mercado de trabalho e ajudar suas famílias. No entanto, parecem esquecer que o desemprego vem atingindo números cada dia mais preocupantes, e os jovens são os mais afetados com a falta de trabalho formal. Há até municípios que ostentam o título de capital do desemprego, como é o caso de Salvador.

Se tornou comum encontrar jovens com formação em postos informais de trabalho ou em subempregos (quadro agravado pela pandemia). Para sobreviver, muitos estão se sujeitando a formas de trabalho conhecidas como uberizadas, sem direito trabalhista e nenhum tipo de proteção. E foi por conta da falta de direitos e proteção que muitos desses jovens, em sua maioria negros, foram às ruas em protesto esse ano, solicitando não só EPI’s, mas regulamentação da categoria e um conjunto de direitos trabalhistas fundamentais para garantir uma jornada digna. Quando não está lutando por educação pública de qualidade, por emprego e condições dignas de trabalho, a juventude tem que lutar pelo direito de viver. Não podemos esquecer que, nessa pandemia, a letalidade policial aumentou drasticamente, e jovens como Wesley Souza, residente do bairro da Santa Mônica, são covardemente assassinados pela Polícia Militar na periferia de Salvador ou em bairros periféricos pelo Brasil.

Somos de uma geração que cresceu bombardeada pela ideologia neoliberal e um conjunto de teorias que glorificam o entendimento particular da realidade social. Uma geração que foi moldada para acreditar que o capitalismo, “apesar de tudo, é bom”. Crescemos sem construir ou testemunhar grandes lutas das massas e dos trabalhadores, sofreremos as drásticas consequências da derrota da estratégia conciliatória.

Diante disso, não nos cabe mais palavras de ordem que clamam por demandas abstratas. Precisamos nos organizar em nossos grêmios, CA’s, DA’s, DCE’s, associação de moradores, sindicatos, e construir a luta cotidiana em defe-sa de uma educação pública de qualidade, por emprego, moradia, soberania alimentar, direito à terra e por nossa emancipação. Com os acúmulos da experiência do ciclo anterior, construiremos, como força auxiliar do proletariado, as condições que nos levarão a uma forma de organização da vida onde a exploração do homem pelo homem será mera lembrança.

Venceremos!

Geovane Rocha é estudante de Filosofia na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, militante do PCB e membro da Coordenação Nacional da UJC.