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Carta aberta da UJC de desligamento do DCE da UFRGS

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Aos estudantes e trabalhadores da UFRGS:

O Núcleo UFRGS da União da Juventude Comunista (UJC), organização juvenil do Partido Comunista Brasileiro (PCB), vem a público anunciar o seu desligamento da gestão Lutar e Mudar as Coisas, do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A partir da publicação desta carta aberta, a UJC não responde mais pela atual gestão do DCE e por qualquer ação ou posicionamento emitido pela atual direção desta entidade. Aqui, fazemos um balanço crítico da gestão, mas também um balanço autocrítico da UJC e as perspectivas que vislumbramos para o movimento estudantil.

1. O contexto de conformação da chapa “Lutar e Mudar as Coisas”

A chapa “Lutar e Mudar as Coisas” foi eleita em 2019 como uma resposta às duas gestões anteriores, quando o DCE foi dirigido pela União da Juventude Socialista (UJS), tendências da Juventude do Partido dos Trabalhadores (JPT), e posteriormente também pelo Levante Popular da Juventude (LPJ). Desde 2017, entramos em uma situação inédita nas últimas décadas na UFRGS, em que a disputa do DCE passou a se dar exclusivamente entre chapas de esquerda. Sem dúvidas, isso foi reflexo da força que o movimento estudantil “de esquerda” adquiriu nos últimos anos, com mobilizações que contaram com amplo apoio das e dos estudantes, como as ocupações de faculdades contra a Lei do Teto de Gastos em 2016, a imensa mobilização antifascista contra a eleição de Bolsonaro em 2018 e as marchas em defesa da educação pública e contra as políticas privatistas do governo genocida em 2019. Outro elemento central para a hegemonia das esquerdas foi o aumento da presença das e dos estudantes cotistas na UFRGS, que em 2020 representaram 41,14% dos estudantes da Universidade, consumando uma derrota histórica importante, ainda que não final, para o projeto elitista e racista da direita brasileira para a universidade pública.

Certamente, a unidade de ação de militantes de diferentes organizações identificadas com a esquerda, assim como a unidade com a imensa maioria de pessoas politicamente independentes, foi fundamental para impor uma correlação de forças mais positiva no movimento estudantil da UFRGS. A direita estudantil, que em nossa universidade sempre teve relações abertas com o neonazismo, foi derrotada ​no último período, deixou de ter expressão aparente no ME — ainda que nada impeça, com a força e recursos que a direita tem, que ela volte a aparecer. Mas a luta aberta contra o reacionarismo sempre foi a forma mais efetiva de derrotar as políticas supremacistas. Se o movimento estudantil da UFRGS tivesse sido tolerante com as forças que defendem a desigualdade social, como muito se prega que deve ser feito nas tais “frentes amplas” nacionais, certamente essa direita universitária de simpatias neonazistas poderia estar hoje marchando desavergonhadamente pela UFRGS, ao invés de ter que ficar se escondendo por trás de pequenos atos racistas, em geral anônimos e covardes, e ter que recorrer a figuras medíocres e sem base alguma, como os reitores-interventores Carlos Bulhões e Patrícia Pranke, para ter alguma relevância frente à nossa comunidade.

A gestão “Lutar e Mudar as Coisas” (atual gestão do DCE) veio como resultado de um processo de crítica ao breve ciclo de gestões anterior, em que se pregava uma subordinação do movimento estudantil à Reitoria social-liberal do ex-reitor Rui Oppermann, e sua postura anti-sindical frente aos técnico-administrativos, sua política de expulsão sistemática de estudantes cotistas (única nas universidades federais brasileiras), sua oposição permanente à  paridade e sua cumplicidade com o projeto histórico de subserviência do ensino superior aos interesses dos grandes empresários – em que pesem os gestos simbólicos e superficiais de sua Reitoria “em defesa da democracia“. Foram nestas gestões que o DCE, dirigido pelo PT e UJS, se contentou em apoiar acriticamente a política das matrículas precárias, que possibilita estudantes cotistas passarem anos aguardando a análise dos seus documentos, para eventualmente serem expulsos arbitrariamente, por problemas técnicos da própria universidade – por sua vez, gerados pela intensa precarização do ensino público superior brasileiro.

Nestas gestões anteriores, não se encampou como bandeira a entrada efetiva dos cotistas, a construção de uma política contra as fraudes que não penalize os estudantes verdadeiramente merecedores das cotas, que fosse aliada com uma luta social mais ampla, pela contratação de mais técnico-administrativos para analisar os documentos dos estudantes, e pela revogação do Teto de Gastos — instrumento que garante os cortes orçamentários que estrangulam a educação e os serviços públicos — contra o qual as e os estudantes lutam desde 2016.

O arco de alianças dessas gestões, para se eleger, fez gestos à direita (especialmente por influência da UJS) e à esquerda (em parte, por influência do Levante), inicialmente se destacando pela mobilização ativa na UFRGS contra o golpe de Estado de 2016. As gestões 2017 e 2018 do DCE – hoje defendidas pelo movimento Eu Defendo a UFRGS, meio de comunicação digital dirigido pela UJS, correntes do PT e seus aliados em nossa universidade – progressivamente se desgastaram frente aos estudantes, sendo derrotadas em 2019 por uma chapa que se propunha a superar à esquerda suas políticas, a qual dirige hoje o DCE UFRGS e da qual nos desligamos nesta carta. Acreditamos que foi positivo o encerramento deste breve ciclo, e defendemos que as e os estudantes da UFRGS não devem retroceder para a política social-liberal do PT e PCdoB, que freia a luta dos estudantes e trabalhadores, e subordina o destino da educação pública a pactos de conciliação com aqueles que buscam retirar dela o seu caráter popular e libertador.

Nossa chapa em 2019 foi formada pela aliança entre UJC, as juventudes ligadas ao PSOL – Juntos, Alicerce e Afronte – e o Correnteza, ligado à Unidade Popular pelo Socialismo (organizações, por sua vez, ligadas à União da Juventude Rebelião e ao Partido Comunista Revolucionário). A mobilização e a auto-organização do movimento estudantil, aliado ao movimento sindical, sempre foi um princípio defendido em contraposição à lógica hegemônica nas últimas duas gestões do DCE e aos métodos de direção da UJS e aliados na União Nacional dos Estudantes (UNE). As bandeiras defendidas por nossa chapa eram demandas gerais do ME, como o fim das matrículas precárias, a conquista da paridade nas eleições universitárias, a luta contra as medidas privatistas e fascistizantes do governo Bolsonaro e de seus aliados, além de constar no programa eleitoral a perspectiva de construir projetos de extensão que coloquem a produção da universidade à serviço da classe trabalhadora – pauta muito importante para nós da UJC, sendo uma das grandes táticas defendidas em nosso projeto de Universidade Popular. As propostas e críticas, somadas à indignação com a gestão anterior, reverberaram entre as e os estudantes, visto o resultado eleitoral, em que a chapa recebeu 57,56% dos votos válidos nessa eleição.

Porém, completando-se três anos de gestão extraordinária da chapa Lutar e Mudar as Coisas, temos o dever de reconhecer, com toda a honestidade – característica do movimento comunista –, que o projeto defendido pela atual gestão não está à altura das necessidades das e dos estudantes e trabalhadores da UFRGS.

2. A construção da gestão e os problemas de sua dinâmica interna

Não acreditamos que tudo que foi feito por esta gestão foi em vão. De fato, foi feito o mínimo que se espera de uma gestão comprometida com a construção de uma educação que ajude a formar uma sociedade centrada no bem-estar coletivo, sem exploração e opressão. Foram convocados atos contra as medidas privatizantes e antipopulares dos governos da burguesia; foram realizadas campanhas de solidariedade para as comunidades que sofreram mais com a fome e o desemprego durante a pandemia; travaram-se embates importantes dentro do Conselho Universitário (CONSUN) e do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), junto aos pós-graduandos, docentes e técnicos de esquerda e sindicalizados ligados à Associação de Pós-Graduandos (APG), Sindicato dos(as) técnicos-administrativos da UFRGS, UFCSPA e IFRS (ASSUFRGS) e a seção sindical da Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES) na UFRGS; e se organizaram mutirões para ajudar os cotistas com a documentação necessária para enfrentar o burocrático e injusto processo de avaliação para a entrada efetiva na UFRGS.

É nossa opinião, porém, que estas ações estavam e estão aquém do potencial que a gestão e o conjunto do movimento estudantil e universitário têm neste momento. A pandemia de COVID-19 certamente dificultou os trabalhos da gestão, mas não pode ser utilizada como fator central para explicar os problemas estruturais do DCE. No mais, uma gestão melhor que as gestões anteriores, dirigidas pelos vacilantes social-liberais PT e PCdoB, é nada mais que obrigação para as organizações que se colocam como “oposição de esquerda” a estes partidos. Porém, esta comparação, de forma alguma, pode servir de medida para avaliar a gestão atual, com risco de cair na lógica do “menos pior”, e abrir mão do horizonte estratégico e de objetivos.

Concretamente, a gestão vacilou em momentos centrais para a luta da comunidade universitária. Já no primeiro ano, falhou em organizar os piquetes nas entradas dos campi da UFRGS, cumprindo um papel nulo durante a greve nacional que estava sendo construída contra a austeridade, privatização e ataque às liberdades democráticas na educação brasileira. Nossa articulação com os movimentos populares de fora da UFRGS, que deveria ser central, foi muito pouca, não sendo de fato construída nenhuma iniciativa que fosse muito além do assistencialismo e de ações conjuntas pontuais. Os projetos de extensão, que faziam parte do programa na campanha eleitoral, também não foram construídos. Quando tentamos paralisar o calendário acadêmico durante a pandemia, como parte de uma greve geral contra o genocídio, fazendo a UFRGS manter apenas projetos de extensão e pesquisa, a gestão não conseguiu pensar em nada muito além de um Ensino Remoto menos pior – e sequer agitou no sentido de alguma alternativa.

Dentre os piores momentos, cabe destacar que nos meses seguintes à intervenção bolsonarista na UFRGS, foi negada repetidas vezes dentro da gestão a necessidade da luta pela destituição de Carlos Bulhões e Patrícia Pranke pelo CONSUN. O coletivo Juntos chegou ao ponto de se manifestar de forma contrária à inclusão de trechos críticos à Reitoria interventora em uma nota pública do DCE, ainda no início da gestão interventora. Até mesmo uma unidade pela destituição dos dois interventores – ao contrário da linha oportunista de parte do movimento universitário, que queria impor uma “solução Mourão”, destituindo Bulhões mas poupando Pranke –, foi difícil de ser acordada dentro da gestão. Cabe destacar que ainda antes de Bulhões desobedecer o CONSUN e se negar a recuar em sua Contrarreforma Administrativa, a UJC já havia proposto e aprovado uma moção no Conselho de Entidades de Base, que reúne todas as entidades estudantis da UFRGS, defendendo a derrubada de Bulhões, mostrando que a maioria do movimento estudantil clamava por mais, não menos, radicalidade. Por outro lado, saudamos a disposição do Movimento Correnteza que, em conjunto conosco, defendeu que a gestão não podia deixar de criticar e agitar pela derrubada da intervenção, mesmo nos momentos de negociação com os interventores.

Em resumo, a atual gestão do DCE não contribui significativamente para a comunidade universitária entender, tampouco se organizar para poder mudar radicalmente a sociedade desigual e caótica em que vivemos. Diversas propostas criativas que fizemos, que fugiam do comodismo que só enfraquece a auto-organização estudantil e trabalhadora, foram negadas internamente. Até coisas básicas, como o grupo digital que reúne o DCE com Centros e Diretórios Acadêmicos — que se demonstrou central para articular o movimento estudantil da UFRGS durante a pandemia —, foi, na época da sua criação por decisão do CEB, definido como “basista” internamente na gestão. Chegaram a insinuar que estávamos propondo esse novo meio de comunicação direto entre as bases e o DCE por termos “dificuldade de entender” o que é “ser direção”.

Na verdade, muitos dos métodos de direção que criticamos no campo hegemônico na União Nacional dos Estudantes (UNE), dirigido pela UJS, não são tão distantes dos que são praticados dentro do DCE da UFRGS. Espaços de construção com as bases servem muito mais para chancelar as posições tomadas pelas direções partidárias, com muito pouco tempo e espaço para a construção de sínteses coletivas, que deem organização real às lutas cotidianas das e dos estudantes e trabalhadores. As sessões do Conselho de Entidades de Base (CEB), por exemplo, são convocadas de forma irregular, contrariando o estatuto e, inclusive, encaminhamentos do próprio Conselho, que em 2020 havia deliberado pela convocação de reuniões online quinzenais – como uma condição para estender a gestão até o retorno presencial. A autonomia do CEB (e consequentemente dos Centros e Diretórios Acadêmicos) é constantemente minada por metodologias de debate que não favorecem a resolução positiva das polêmicas, frequentemente se negando o direito à  votação de encaminhamentos, método de deliberação descartado em nome da construção de “consensos” rebaixados, que favorecem muito mais os atuais dirigentes da entidade do que o conjunto do movimento.

Mesmo exemplos mais positivos, como a construção de pareceres de vista no CEPE e no CONSUN a partir de contribuições das bases, ainda foram extremamente “protocolares”, não partindo de um debate mais aprofundado que engajasse as e os estudantes. Nossa proposta de construção de um fórum permanente de discussão e articulação das e dos representantes discentes, até então, encontrou pouca receptividade dentro da gestão. Esse fórum seria essencial para que os e as representantes discentes pudessem prestar contas às bases e se manter a elas constantemente ligados.

O espaço para militantes independentes, sem filiação partidária, participarem dentro das gestões do DCE é historicamente nulo, o que aliena a esmagadora maioria do corpo discente da UFRGS. É um fato que se repete em eleição após eleição: uma massa de estudantes independentes apoiam a campanha, e quando a gestão é eleita, se veem com pouca ou nenhuma voz para decidir os rumos da entidade que ajudaram a conquistar. Contribui com esse quadro o fato da gestão não se dividir verdadeiramente em diferentes pastas, cujos diretores (alguns dos quais poderiam ser independentes) teriam, cada um, direito a voto nos debates internos. Na prática, o método de deliberação da gestão “Lutar e Mudar as Coisas” consiste em grandes reuniões entre as organizações que dirigem a entidade. No final das contas, as organizações ditas “anticapitalistas” contribuem para a reprodução da lógica da democracia burguesa. Para a UJC, a participação de representantes independentes das bases na direção executiva do DCE é fundamental e deve se tornar regra.

Mais grave ainda é que nem mesmo dentro da gestão a construção coletiva é uma realidade. O Coletivo Juntos domina os três pilares da entidade: o jurídico, o financeiro e a comunicação. Ninguém tem acesso a estes meios, senão os militantes do Juntos. Estes se negam a compartilhar o acesso aos meios de comunicação oficiais do DCE com os demais membros da gestão, mesmo após terem sido realizadas reclamações de todas as outras organizações, reuniões bilaterais entre as direções estaduais e conversas entre as direções nacionais das juventudes e dos partidos. Os atuais meios de comunicação do DCE, aliás, são muito recentes, pois as forças que compunham as gestões 2017 e 2018 do DCE, lideradas pela UJS, se negaram a compartilhar o acesso às antigas páginas da entidade com a nossa chapa vitoriosa em 2019. E isso, por sua vez, foi uma retaliação ao fato do Juntos deletar as páginas do DCE nas redes sociais após eles terem perdido as eleições de 2017. Ambos Juntos e UJS parecem se confundir acerca do papel transitório que ocupam enquanto dirigentes provisórios da entidade, julgando-se “donos” do DCE quando são eleitos. Sentem-se no direito de transformar seu poder limitado, cedido pelos estudantes, em poder absoluto. Estas são práticas lamentáveis, que atacam a autonomia do movimento estudantil e impedem a massificação das entidades. 

Soma-se a isso a constatação de que um projeto verdadeiramente revolucionário de universidade está completamente ausente dos debates propostos tanto internamente quanto externamente pela gestão. Esse, para nós, é um ponto central, pois desde meados dos anos 2010 começamos um processo radical de discussão e formulação teórica e prática acerca dos caminhos para a construção de uma educação superior socialista em nosso país, projeto historicamente nomeado na América Latina como “Universidade Popular”. Nos bastidores das reuniões que decidem o programa das chapas, porém, se troca a formulação política, a tática e a estratégia, pelo marketing eleitoral. Fazem um “cardápio de pautas”, o caminho para conquistar cada uma delas sendo menos importante do que os ganhos que estas podem gerar nas eleições. ​Reprovamos esse tipo de prática e não visualizamos como um método adequado à  direção do movimento estudantil. Durante a gestão, são convocados calendários de atos e atividades que são feitas, em geral, sem planejamento de médio e longo prazo, apenas pelo desejo de “fazer alguma coisa“. Segue-se assim o velho ditado centrista: “o movimento é tudo, o horizonte é nada”. Para projetar militantes e assim conquistar cargos no parlamento burguês, certamente essa lógica movimentista é interessante. Mas para construir um novo sistema de educação que sirva à classe trabalhadora, a realidade mostra que o movimentismo não serve.

No geral, a gestão atua sob uma lógica reativa, acrítica e, por consequência, desmobilizante e desorganizadora. Isso significa que as ações da gestão dependem de um ataque desferido, em geral, pelo governo ou pela reitoria. Sem um projeto concreto de universidade, sem objetivos coerentes próprios a serem buscados, sem um caminho próprio a ser trilhado, a gestão do DCE (e, por tabela, o movimento estudantil) fica refém do seu inimigo, dependendo dele para agir.

A dinâmica de atuação é sempre a mesma: ao surgir um ataque a algum direito dos estudantes, chama-se uma reunião, cujo método de debate não permite o aprofundamento crítico das ideias e florescimento de novas, e, geralmente, convoca-se um ato. Pelo descrédito deste tipo de dinâmica, a tendência é de poucas pessoas se somarem à reunião e ao ato. No ato, tiram-se algumas fotos, publica-se nas redes sociais sobrevalorizando a mobilização, para demonstrar que o DCE fez algo sobre a pauta. No fim, na maioria esmagadora das vezes, a reivindicação não é alcançada e a mobilização acaba no primeiro ou no segundo ato. Há mais de ano temos denunciado esta lógica, demonstrando o quão nociva é para o movimento estudantil. Ou seja, não recorremos ao rompimento com a gestão imediatamente. Buscamos, por diversos meios, permanecer na gestão, colocar críticas em suas reuniões, também fazer críticas públicas e, ao final, buscando fazer pressão de fora para dentro da gestão, levamos propostas que foram debatidas em reuniões abertas com DAs. Na segunda reunião aberta entre DAs, militantes do Juntos participaram representando o DCE, onde firmaram compromissos públicos com determinadas propostas. Porém, na reunião de gestão seguinte, desprezaram o espaço e não honraram com seus compromissos. Para a UJC, este evento, além de diversos outros, foi a gota d’água que dissolveu qualquer ilusão de ter alguma mudança efetiva nesta gestão.

Dentro da gestão, nossas críticas são menosprezadas e, quando colocamos a necessidade de promover debates para repensar a dinâmica do movimento estudantil, a resposta é sempre a mesma: “o estudante não está interessado nisso. Vocês estão deslocados da realidade. O estudante quer saber do meio-passe que acabou”. Há diversas dimensões problemáticas desse argumento. As principais são as seguintes: 1) trata-se o estudante como um ser incapaz de refletir criticamente sobre seu próprio movimento. Como se o debate da “grande política” devesse ficar restrito aos dirigentes das organizações partidárias, únicos capazes de fazê-lo; 2) no final das contas, nem a gestão, nem o movimento estudantil em seu conjunto, realizam os debates. O resultado é reincidir continuamente nos erros; 3) é verdade que o fim do meio-passe, por exemplo, é uma necessidade imediata que afeta a todos. Porém, para lutar pela reconquista deste direito, é preciso se organizar e agir de forma efetiva. Para isso, não basta recorrer aos mesmos métodos de sempre. É preciso refletir sobre os erros e acertos do ME, sobre os métodos de organização, de formulação política, etc., para que a luta travada não seja em vão. Em síntese, agir e refletir são processos que devem acontecer conjuntamente. A maior prova disso é que, para lutar pelo meio-passe, se convocou mais um ato sem um planejamento mais sólido de como proceder para levar esta luta até o fim. Pouquíssima gente compareceu. Alguns dirigentes do Coletivo Juntos insinuaram que a culpa é dos militantes da UJC, que não compartilharam o card do ato. Entendemos que a autocrítica constante é um princípio da cultura comunista internacional, e não podemos cobrar um coletivo social-democrata, reformista, de seguir os mesmos princípios. Mas a falta de honestidade consigo mesmo beira a fantasia. Quem não enxerga os próprios erros, jamais será capaz de conduzir o movimento para uma vitória.

3. Nossos erros e a reconstrução do movimento estudantil na UFRGS

Nós, do Núcleo UFRGS da UJC, reconhecemos que erramos e estivemos ausentes em atividades importantes do DCE. Nossa ausência se deu por motivos políticos e organizativos. Primeiro, desde quando começamos a elaborar nossas críticas aos métodos de direção das forças hegemônicas do ME, nossa relação com a gestão vem se deteriorando. A dificuldade de desenvolver os debates dentro da gestão nos fizeram recuar e investir em outras iniciativas. Hoje, avaliamos criticamente nossa postura, visto que nossas críticas não podem afetar a unidade de ação nas pautas importantes. Segundo, durante o ano de 2021, em especial, a UJC no Rio Grande do Sul enfrentou diversos problemas internos, que prejudicaram sua atuação “para fora”. Reconhecer publicamente os nossos equívocos não nos enfraquece, senão o contrário: nos fortalece para avançarmos e conseguirmos aplicar uma política mais consequente para a juventude e a classe trabalhadora. Temos trabalhado intensamente para reverter esse quadro durante 2022 e, até agora, tivemos êxito.

A tarefa que mais sentimos por não ter construído com mais afinco foram os mutirões de ajuda aos cotistas, tarefa fundamental que a gestão faz desde seu início. Saudamos a responsabilidade com que o Coletivo Juntos e o Movimento Correnteza garantiram essa tarefa. Reconhecemos que até o fim da matrícula precária, da exigência irracional de documentação para comprovação de renda, os mutirões serão essenciais e os comunistas da UJC não mais deixarão de contribuir, como fizemos modestamente esse ano. É de se notar, no entanto, que foi empenhado pouco ou nenhum esforço para além da institucionalidade da UFRGS, após a gestão assumir o DCE. Anteriormente, havia um movimento forte e extra-institucional pelo fim da matrícula precária e em oposição à antiga gestão da entidade.

Antes de prosseguir, é preciso fazer uma ponderação. É claro que apenas o reconhecimento escrito dos erros é insuficiente. Nossa ausência, evidentemente, tem um impacto material e concreto na condução da entidade e do movimento estudantil, e a publicação da autocrítica, por si só, não conserta os erros. A tradição marxista-leninista nos ensina que a autocrítica se realiza na prática, na mudança concreta das ações, na superação objetiva dos problemas a partir de uma análise crítica e científica sobre eles. Estamos empenhando e comprometidos, como já dito, a aprofundar ainda mais nossa análise sobre os nossos erros, os problemas do movimento estudantil e a elaborar, em conjunto com as bases do movimento, formas de como superá-los positivamente.

Desde que a UJC começou a publicar mais frequentemente sua opinião crítica sobre o movimento estudantil da UFRGS e o papel do DCE, por vezes tentaram nos constranger, dizendo que isso enfraquece o “nosso campo” e fortaleceria a possibilidade da UJS retornar ao DCE. Esse tipo de afirmação não é nova. As gestões e chapas lideradas pelo Juntos sempre usaram o medo do retrocesso como justificativa para manter sua hegemonia. Quando a direita disputava as eleições do DCE, essa tática era mais vitoriosa. Quando as disputas do DCE passaram a ser somente decididas entre organizações de esquerda, porém, essa lógica perdeu força entre os estudantes. Em 2017, ano em que nos abstivemos do processo eleitoral, a chapa das forças ligadas ao PSOL ficou em terceiro lugar, depois de completar dois anos de gestão, perdendo em primeiro para aliança da UJS e em segundo para aliança UJR, Levante e Juventude Comunista Avançando, com a chapa “Todas as Vozes”. Os votos aumentaram quando a UJC voltou a se aliar com as forças do PSOL em 2018, e se tornaram majoritários apenas depois da entrada da UJR em nosso arco de alianças em 2019. Não é autoproclamação dizer que trouxemos outras bases, outras bandeiras e perspectivas para essa coligação, bases que dialogam mais com nossa estratégia e tática do que com a retórica já desgastada do voto útil no “menos pior”.

Apesar de nos aliarmos frequentemente, desde 2010 nós da UJC fazemos críticas públicas ao ciclo de gestões iniciado em 2004, quando o coletivo Juntos, da corrente Movimento Esquerda Socialista (MES) do PSOL, conquistou pela primeira vez o Diretório Central (após a derrota da gestão Mãos à Obra, dirigida pela JPT, também subserviente à Reitoria). Sempre apontamos que estas gestões representaram apenas uma superação parcial da política conciliadora para o movimento estudantil. Nossa dificuldade de construção com a cultura política hoje hegemônica no DCE pode ser resumida citando o fato de que da última década pra cá, nos aliamos cinco vezes com as chapas lideradas pelo Juntos (2010, 2012, 2015, 2018 e 2019), construímos chapas alternativas duas vezes (2011 e 2014) e nos retiramos das gestões que ajudamos a eleger duas vezes (2013 e 2017). Agora, a partir da publicação desta carta, somam-se três desligamentos do Diretório Central.

Uma análise mais aprofundada da história recente do movimento estudantil da UFRGS (e do próprio ME à nível nacional) demonstra, portanto, que a unidade deste arco de alianças atual é menos sólida do que muitos podem pensar.

Sabemos que muitas pessoas se preocupam, legitimamente, com a “ruptura do campo de esquerda” a partir dessa nossa decisão. Não acreditamos que seja esse o caso: mantemos a mesma disposição de sempre para toda luta unitária dos estudantes, da classe trabalhadora e do povo pobre. Acreditamos que a unidade da esquerda anticapitalista faz-se cotidianamente, na luta. Contudo, assim como não podemos permitir que nossas divergências impeçam a luta unida, também não podemos lançar para baixo do tapete nossas divergências, se desejamos construir um movimento estudantil e popular verdadeiramente massivo e democrático. Acreditamos que, na verdade, as ações que mais contribuem para a “ruptura do campo de esquerda” são aquelas que priorizam as alianças com a direita em detrimento da independência de classe dos trabalhadora – tática de conciliação de classes que hoje são representadas não apenas pela chapa presidencial Lula-Alckmin mas, também, em pela federação partidária estabelecida entre o PSOL e a REDE, partido financiado pelo banco Itaú, que apoiou o golpe de 2016, a Operação Lava-Jato e que tem parlamentares que já votaram a favor da reforma da previdência, a qual retirou direitos dos trabalhadores.

Portanto, romper com a gestão do DCE não se trata de “enfraquecer o campo de esquerda de oposição ao PT e o PCdoB”, mas sim, de retomar a a construção de um campo na UFRGS que não reproduza as práticas conciliatórias e vacilantes tão comuns no ME e que aponte para um programa de superação do atual modelo de universidade, não apenas reagindo a momentos particulares de ataque. O Alicerce, enquanto participante da ala esquerda do PSOL, e a UJR, que luta como nós pela construção do Poder Popular e do comunismo, não deveriam selar seu destino às políticas de uma organização que, além de ter uma postura hegemonista, tem uma série de problemáticas teóricas e práticas que dificultam a construção de uma política radical e consequente para a classe trabalhadora.

A UJC tem interesse em construir as lutas a partir da perspectiva revolucionária. E para construir esse campo, é necessário fazer a crítica e demarcar as diferenças em relação às políticas não revolucionárias e ao projeto burguês de universidade. O PCB, que agora completa 100 anos, já passou por diversos momentos na sua história, transitando entre políticas mais ligadas à classe trabalhadora e políticas mais subordinadas aos interesses da pequena burguesia, fases mais à esquerda e fases mais à direita. A autocrítica, para os revolucionários, é fundamental. Por isso, convidamos as e os camaradas que seguem na gestão a refletirem sobre os nossos apontamentos. A construção da luta revolucionária no meio universitário não é algo que se dará apenas através de um bom acordo entre as organizações ditas anticapitalistas. Ela depende, também, da aliança entre as camadas populares dos estudantes e trabalhadores, em uma unidade que vai muito além das direções das organizações de esquerda.

4. Próximos passos

A UJC não é uma organização sectária. Ao contrário disso, buscamos nacionalmente fortalecer a unidade de esquerda, embasada em um programa revolucionário. Temos princípios dos quais não abriremos mão.

Um desses princípios é a unidade de ação da classe trabalhadora nas mobilizações por melhores condições de vida. Por isso, é necessário dizer que a publicação desta carta não significa um rompimento absoluto com as organizações aqui criticadas. Seguiremos nos somando nas agendas acordadas entre a atual gestão do DCE e o CEB da UFRGS. Continuaremos dialogando com representantes e direções dos demais movimentos, não só com os que estão na gestão. Sempre que for possível, marcharemos juntos por pautas que impeçam a piora na vida da população trabalhadora. As organizações presentes na entidade foram essenciais para organizar as grandes manifestações de 2021 contra o governo genocida de Bolsonaro, enquanto as direções do PT e PCdoB vacilavam, algumas incentivando e outras condenando os grandes atos de maio. No entanto, dirigir o movimento vai além de convocar manifestações.

Compreendemos que em disputas com a extrema-direita, que busca conquistar as entidades para torná-las trincheiras na guerra contra estudantes e trabalhadores militantes, ou mesmo em espaços com um nível de mobilização muito baixo, pode se pensar em alianças mais flexíveis com as forças progressistas, quando não há ainda uma consciência de classe significativa entre as bases. Alianças táticas, é claro, nunca podem significar uma fusão entre forças com interesses e estratégias distintas, sob pena de fortalecer ilusões e minar a independência política e organizativa da classe trabalhadora. Mas o ponto central desta carta é que a UJC acredita que o movimento estudantil da UFRGS se encontra com as condições necessárias para se construir uma nova etapa, que vá além do “menos pior”, e que, portanto, cabe a nós, enquanto comunistas, a tarefa de lutar por uma política mais avançada para uma das principais entidades estudantis do país.

Sabemos que nossas críticas aos métodos de direção hegemônicos no DCE também são compartilhados por algumas das forças que estão na gestão. Fazemos o apelo para estas organizações romperem com a política burocrática, imediatista e vacilante, e se somarem conosco na construção dessa nova etapa do movimento estudantil e universitário da UFRGS. Não queremos uma simples negação do ciclo iniciado em 2004, que tem o mérito de ter fortalecido uma cultura mais crítica à política de conciliação de classes em nossa universidade. Queremos construir uma política que fortaleça a auto-organização dos estudantes e trabalhadores da UFRGS, que conquiste o reajuste das bolsas e dos salários, que altere radicalmente os currículos e o funcionamento de todas as instâncias universitárias. Queremos que a luta dos povos originários e do povo negro seja contemplado em sua radicalidade, pautas e formas de organização dentro do movimento estudantil e da universidade. Queremos que a unidade dos diferentes segmentos que compõem a comunidade acadêmica não sejam ocasionais, mas permanentes e dinâmicas. Queremos reorientar a produção acadêmica para que ela se paute pela garantia da renda, da saúde, da moradia, do acesso à alimentação de qualidade, à cultura e ao conhecimento, para que os saberes produzidos pela universidade auxiliem o povo trabalhador brasileiro na sua luta pelo poder, pelo socialismo.

Estamos dispostos a construir esse projeto com outras forças. Acreditamos que as e os estudantes muito teriam a ganhar em mais atividades e debates abertos entre os militantes que atuam no movimento estudantil da UFRGS, ainda antes do processo de formação de chapas começar a acontecer. Porém, se as outras organizações escolherem o caminho oposto ao que traçamos nesta carta, não hesitaremos em construir nosso próprio caminho independente, junto aos estudantes que nos apoiam.

Temos impulsionado a construção de uma Frente Unificada entre estudantes, professoras(es), técnicos-administrativos, terceirizadas(os) e movimentos populares da UFRGS, inicialmente surgida a partir das reuniões abertas pela volta do ensino presencial seguro em nossa Universidade. Já foram realizadas três reuniões abertas, nas quais participaram, majoritariamente, diretórios acadêmicos, cujos integrantes têm demonstrado disposição para debater os problemas do movimento estudantil e para elaborar ideias para superá-los. Nestas reuniões, em conjunto com militantes independentes de organizações partidárias, buscamos formular novos métodos de organização dos debates, a fim de garantir que todos se sintam confortáveis em contribuir e, também, que se possa aprofundar ao máximo as ideias, buscando sínteses coletivas. Nas reuniões, a autocrítica e autoavaliação do movimento estão se tornando práticas constantes. A ideia é que tenhamos, em breve, uma Frente Unificada permanente, no sentido da reorganização do Movimento Universitário. Convidamos todos a se somarem nesta construção, no aprofundamento deste debate, que ainda está em aberto e só poderá prosperar quando construído por diversas mãos, corações e mentes.

A UJC irá realizar em breve um Seminário Programático da UFRGS, que irá estabelecer as bandeiras e métodos organizativos para o próximo período e, mais especificamente, também construirá a contribuição das e dos comunistas para um programa político a ser implementado pela próxima gestão do Diretório Central dos Estudantes. Reafirmamos nossa posição em defesa de um Congresso Estudantil da UFRGS, conforme encaminhado na Assembleia Geral de outubro de 2020, que altere o formato organizativo do DCE e fortaleça o movimento estudantil. Lutamos por um Congresso Universitário da UFRGS, que unifique estudantes da graduação e da pós, técnico-administrativos, docentes e terceirizados em um órgão comum em nossa Universidade, que fortaleça a solidariedade entre os segmentos e que construa e aplique um projeto de Universidade Popular. Também lutamos por uma Estatuinte Universitária, que realize transformações estruturais na UFRGS, contra o modelo burguês de universidade hoje hegemônico. Sabemos que não são tarefas que se constroem do dia para noite, mas, definir o caminho e o lugar aonde se quer chegar é fundamental para não ficar à reboque dos acontecimentos.

Reafirmamos, enfim, nosso entendimento de que o movimento estudantil e sindical da educação deve cumprir um papel ativo, junto a outros setores, na luta pela derrubada do governo Bolsonaro. Devemos lutar contra qualquer tentativa de golpe da extrema-direita, da mesma forma que fizemos quando fomos em frente ao Comando Militar Sul em 2020, para escrachar os fascistas em Porto Alegre que defendiam uma nova ditadura empresarial-militar. Precisamos nos mobilizar para impedir um novo pacto de esquecimento, lutando pela prisão de Bolsonaro e seus aliados genocidas, pela reestatização das empresas privatizadas por Temer, Bolsonaro e Eduardo Leite, pela revogação da Contrarreforma Trabalhista, da Contrarreforma do Ensino Médio e da lei do Teto de Gastos que estrangula a educação e os serviços públicos.

Se for possível, seguiremos participando do Conselho Universitário da UFRGS, também compondo a Comissão de Integração Universidade-Sociedade do CONSUN. Não participamos mais do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão por conta da saída dos camaradas eleitos em 2019, hoje formados. Temos grande orgulho da luta que travamos nesses espaços, lutando contra a expulsão dos estudantes trabalhadores, denunciando as políticas reacionárias dentro e fora da universidade, e tendo cumprido um papel de agitação fundamental pela destituição dos interventores Bulhões e Pranke.

Queremos construir um novo ciclo para o movimento estudantil e universitário da UFRGS. Parafraseando Guevara, queremos que a UFRGS se pinte de negro, não só entre os estudantes, mas também, entre os docentes, que se pinte de indígena, de quilombola, de operário e de camponês. “Que se pinte de povo, porque a universidade não é patrimônio de ninguém, ela pertence ao povo”.

ROMPER COM A VACILAÇÃO E O HEGEMONISMO PARA CONSTRUIR UM NOVO ME!

REORGANIZAR O MOVIMENTO ESTUDANTIL SOB UMA NOVA CONCEPÇÃO!

LUTAR, CRIAR, UNIVERSIDADE POPULAR!

PELO PODER POPULAR, NO SENTIDO DO SOCIALISMO!

“É REVOLUCIONÁRIA E ANTI-IMPERIALISTA

E VIVA À UNIÃO DA JUVENTUDE COMUNISTA!”