Gabriel Lazzari
Ex-Secretário Político Nacional da UJC
Membro do Comitê Central do PCB
“Devemos evitar a obsessão de alguns camaradas de que tudo estará estragado, tudo irá acabar se eles deixarem a posição que estão. Ninguém é indispensável nesta luta; todos somos necessários, mas ninguém é indispensável.”
Amílcar Cabral
Advirto ao leitor: esse texto, diferente da maioria dos que escrevo, será recheado de impressões e reflexões individuais. É claro que nenhuma impressão e reflexão são absolutamente individuais; elas estão sempre permeadas da coletividade em que nos inserimos, da relação que temos com a nossa classe na sociedade, das nossas experiências particulares e por aí vai. No mais das vezes, tento deixar de lado os aspectos subjetivos da minha pessoa – acho que tendem a nos iludir – e certamente quem já teve a oportunidade de ler qualquer texto escrito por mim viu a tentativa de apresentar um olhar objetivo sobre a realidade, uma análise concreta. Nesse texto, abertamente trarei algumas experiências individuais e também alguns sentimentos meus. É, afinal, uma tentativa de abstrair alguns aprendizados a partir de algumas particularidades do que aprendi no ciclo que se encerra na minha vida.
As coincidências da vida costumeiramente pregam peças (às vezes divertidas, às vezes maldosas) em nós.
Desde o IX Congresso da União da Juventude Comunista, em novembro, estava posta uma transição das minhas tarefas como militante. Depois de 8 anos de total dedicação à vida política e aos trabalhos da organização política em que milito – o Partido Comunista Brasileiro –, dedicação feita especialmente no trabalho da União da Juventude Comunista, a juventude do PCB, uma nova Coordenação Nacional foi eleita para continuar e fazer avançar a inserção comunista na juventude brasileira e mundial. Por ter estado já há quase quatro anos como membro da Coordenação Nacional anterior, sendo 3 deles com a tarefa de Secretário Político, a deliberação seria de uma transição organizada e pensada para uma continuidade dos trabalhos, agora capitaneados por um novo time de camaradas amplamente mais capazes do que nós, que os antecedemos, e encabeçados por uma nova Secretária Política, a camarada Maria Carolina – da qual já demos notícia pública ao conjunto da juventude e com quem meu trabalho de “transição” esteve sendo feito até o momento.
A “peça” começa da seguinte forma: nas últimas semanas, já participando do movimento sindical em minha categoria (sou bancário, filiado ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região), começo a refletir sobre a antecipação da transição, que havia sido deliberada originalmente para durar seis meses. Foi no meio dessas reflexões que um camarada me enviou (sem saber de nada do que se passava em minha cabeça) o texto do líder revolucionário guineense Amílcar Cabral do qual tirei o trecho que serve de epígrafe acima (e que reproduzo ao fim desse texto em sua integridade; é um texto curtíssimo): “Os insubstituíveis”. Ora, em momentos de grande necessidade de substituição de camaradas e forças, de nova oxigenação dos trabalhos, é que pude voltar ao camarada Cabral. Alguns textos dele foram importantíssimos em um momento da minha militância, apresentados por um camarada do nosso Coletivo Negro Minervino de Oliveira, no processo de construirmos um Curso Estadual de Formação de Quadros do PCB em São Paulo.
O texto se pôs a fermentar na minha cabeça. Somos, afinal, como militantes, extremamente substituíveis na medida em que nosso trabalho é realizado de forma eficiente e coletiva. Somos substituíveis na medida em que o esforço de construção de uma organização marxista-leninista, que não se converte em seita de iluminados, atinge mais trabalhadores, mais setores da nossa classe, que forma mais e mais militantes para a luta revolucionária; na medida em que esses “mais e mais militantes” começam, eles também, a nos conduzir, a nos ensinar, especialmente a nos corrigir – o sinal de que uma organização cuja principal tarefa é a disputa das consciências, das condições subjetivas, está tendo sucesso é exatamente o fato de que ela começa muito rapidamente a capacitar cada um de seus militantes para levarem a cabo a teoria revolucionária para o conjunto dos movimentos da classe trabalhadora. Claro, o fato de qualquer ideia ressoar em algum setor da sociedade e, assim, essa ideia se espraiar não é sinal de sua correção, de seu teor de verdade. Especialmente se consideramos a sociedade de classes, em que as ideias dominantes serão sempre as ideias da classe dominante, a difusão das ideias é sinal também da competência dos comunicadores. A manutenção dessa difusão, dessa formação renovada de quadros, de um trabalho ideológico, mesmo em períodos de refluxo dos movimentos da classe trabalhadora e de poucas vitórias, isso sim é sinal de correção e de seu teor de verdade.
Foi nesse esforço, de compreender em que medida o trabalho de um ou outro militante pode e deve ser substituído, que me pus a formular esse texto. Os aprendizados que temos com algumas tarefas de, digamos, destaque é riquíssimo e permeado de contradições. Acho que não exagero quando eu digo que, na minha experiência, aprendi muito com meus acertos e muito mais ainda com meus erros. Falemos desses últimos, portanto.
Quando alguém inicia sua militância (e, na verdade, quando inicia em qualquer outro espaço novo de sua vida cotidiana), existe uma tendência ao seguidismo, a “fazer as coisas como sempre se fez”, a aderir acriticamente a métodos e ideias. Isso é ainda mais verdade dentro do contexto da militância comunista. Afinal, dado o grau ainda modesto de inserção na classe trabalhadora e de participação generalizada dos comunistas no cenário político brasileiro (ainda mais modesto em 2015 do que nos dias de hoje), existe um afastamento geral da população dos debates e da história do movimento comunista, o que modifica o caráter das aproximações e contatos com essa nova militância. É comum que o “mundo novo” do engajamento político apareça como cheio de regras novas, métodos novos, ideias novas, e não como um aprofundamento em regras, métodos e ideias já conhecidos, ainda que “de longe”.
Durante uns bons anos da minha militância, cultivei esse acriticismo como norma. Afinal, eu deveria saber menos do que os que me antecederam – e mais do que os que me sucederam. Em diversos momentos, essa postura me colocou numa posição de intransigência para com meus camaradas, de rigor excessivo e falta de paciência com os novos militantes, de métodos de trabalho que não se conectavam a dois princípios fundamentais do marxismo-leninismo: o primeiro, o problema da consciência de classe; o segundo, o respeito às divergências nos marcos do centralismo democrático.
Precisamos lembrar o tempo todo da proposição leninista sobre o trabalho de uma organização comunista. A classe trabalhadora não é capaz de espontaneamente desenvolver uma consciência de classe revolucionária, que transforme as condições subjetivas da classe não somente em “disposição de luta”, mas em “ação de luta revolucionária”, ou seja: que por maiores que sejam os combates frontais contra os sintomas do capitalismo, contra as expressões particulares do sistema, a tarefa dos comunistas é a de fazer também essa luta avançar para a luta de derrubada do poder de Estado burguês e construir uma nova sociedade a partir de seus escombros. Mesmo com as melhores das intenções, abandonar esta última perspectiva em prol daquela primeira é um cheque em branco para o oportunismo, o reformismo, o revisionismo.
Mesmo sabendo de cor esse “be-a-bá” do comunismo, muitas vezes agi como se não só essas ideias fossem “óbvias”, mas tratando com impaciência e arrogância – muitas vezes, com burocratismo! – as incompreensões de camaradas. A disputa de consciência deve ser sempre um trabalho árduo e firme, mas gentil e compreensivo. Explicar pacientemente cada ponto, esmiuçar tranquilamente cada posição, investigar calmamente cada visão sobre a nossa luta é também uma necessidade dessa disputa, uma vez que ela não se destina apenas ao trabalho no conjunto generalizado da classe mas também dentro da própria vanguarda.
Essa lição, creio, aprendi a duras penas: a de sempre perguntar primeiro, sempre considerar meu interlocutor (dentro e fora da organização) como um sujeito político em desenvolvimento, capaz de trazer suas próprias contribuições ao desenvolvimento teórico e prático da luta revolucionária.
Aqui, há dois males a se evitar.
O primeiro mal é o da indiferença – é considerar todo tipo de contribuição como válida e tratá-las todas sem a devida atenção ao significado político específico delas. O dirigente que não escuta atentamente o conjunto da sua organização e não sabe colher dela uma síntese dos debates – por não se atentar às diferenças que há entre as diversas opiniões, entre as diversas vivências, entre as diversas experiências dos diversos camaradas espalhados não só pelo Brasil, mas pelo mundo –, esse dirigente não vai conseguir representar essa mesma totalidade cuja responsabilidade de dirigir é, por ser coletiva, também dele.
Como exemplo pessoal, cito o próprio IX Congresso Nacional da UJC. Fiquei, nas semanas anteriores, absolutamente preocupado com a chegada de todas as delegações ao nosso Congresso. Afinal, como etapa final de um processo intenso e extenso de debates e formulações, de divergências e convergências, de novidades e continuidades, um processo como esse deveria contar com a maior representatividade possível dos militantes da UJC espalhados de norte a sul do país. Em diversas conversas que fiz durante esse espaço (principalmente por causa da minha função de membro da nossa Comissão Eleitoral), uma das mais desafiadoras foi a conversa com os militantes da região Norte. Como deveria ser óbvio a qualquer militante do movimento social brasileiro, as expressões da luta de classes na região Norte do país são, em boa medida, muito diversas daquelas que colhemos na região Sudeste. Questões agrárias, populações indígenas, níveis de infraestrutura e concentração de capitais são só alguns dos pontos que demonstram o abismo entre as regiões de um país “de proporções continentais como o nosso” (como reza o chavão).
Ao conversar com os camaradas, para que tivéssemos a presença mais destacada de militantes da UJC da região Norte em nossa nova (atual) Coordenação Nacional, percebi o grau de indiferença com que eu estava tratando a questão. Em vez de considerar as necessidades de desenvolvimento das lutas na própria região a partir de uma visão de totalidade, minha pouca formulação sobre o assunto – verdadeira ignorância – me levou a propor uma visão particularista dessas mesmas lutas e da militância dos meus camaradas. E, no entanto, rapidamente os camaradas da região Norte agiram para me corrigir. Construíram junto a outros camaradas uma moção (que em breve estará pública como os demais resultados de nosso Congresso) ao próprio Congresso, ao que foi aprovada por absoluta unanimidade e aclamação. A moção, dentre outras coisas, destaca: “As demandas da região norte não significam um tipo de regionalismo, mas sim parte da construção da verdadeira nacionalização da União da Juventude Comunista.”. Não consigo me lembrar de uma crítica tão severa a alguma postura minha que tenha tido um impacto tão positivo para o conjunto do movimento revolucionário juvenil no Brasil quanto essa.
O segundo mal a se evitar é o da arrogância – é desconsiderar de forma definitiva e constante cada nova contribuição, cada nova ideia, cada novo interlocutor político e tratá-los como errados; é considerar-se como “sábio supremo”, “líder máximo”, “generalíssimo” das ideias políticas, em detrimento de novos militantes que trazem não apenas dúvidas, mas muitas vezes respostas para problemas que temos.
Como exemplo pessoal, novamente, me lembro muito claramente de um CONEB da UNE, de Salvador, em que a Coordenação Nacional da UJC havia determinado uma certa tática: como era início do governo Bolsonaro, buscaríamos uma única tese de conjuntura, unificada entre todos os setores, e no programa de Educação e de Movimento Estudantil, em que são óbvias e inconciliáveis as divergências com o assim chamado “campo majoritário da UNE”, que não possui um programa de educação claramente anticapitalista e, ainda por cima, se utilizam de métodos burocráticos e apassivadores na gestão da entidade.
Um camarada, chamado Leonardo, me interpelou – não faria também sentido nós, mesmo naquela situação, apresentarmos uma posição própria sobre a conjuntura? Afinal, em que pesassem as convergências, ainda tínhamos métodos diferenciados de luta contra o fascismo (em relação ao reformismo). A surpresa de um questionamento tão súbito e tão claro, mas que ia contra o que havia sido deliberado, despertou em mim não a vontade de ouvir, compreender e, futuramente (afinal, ali não era um espaço nosso interno de deliberação, mas um espaço de unidade total de ação nossa), rediscutir – mas a vontade de contrapor os argumentos do camarada, um a um, como se a verdade emanasse da decisão da direção da qual eu fazia parte e não do movimento real colocado por aquele espaço de disputa. Espero que o camarada Leonardo – mas não só ele – leia esse texto e apreenda dele o profundo senso autocrítico que hoje eu expresso por essa nossa interação. Ainda fundamental colocar que ele, mesmo com essa divergência, se portou absolutamente de acordo com a tática da UJC naquele momento e ajudou nos trabalhos da organização naquele espaço de plenária – o camarada, afinal, tem profundas e valorosas reflexões no que diz respeito à agitação e à propaganda na nossa organização.
Anedotas como essas, eu teria dezenas mais – assim como qualquer militante que eu conheça terá também as suas. Eu as coloco aqui justamente para enfatizar que são também nossos erros que nos fazem militantes cheios de vida, cheios de história, e – se soubermos olhar direito para os nossos erros – capazes de contribuir efetivamente para a Revolução Socialista no Brasil.
E contribuir para a Revolução Socialista no Brasil passa, indiscutivelmente, pela construção de uma organização revolucionária, de vanguarda, que está por ser construída – hoje, graças aos esforços de gerações que sobreviveram à contrarrevolução no Leste Europeu e à crise do socialismo dos anos 1990, que mantiveram alta a bandeira vermelha da foice e do martelo e que, principalmente, apostaram na necessidade de uma Reconstrução Revolucionária, essa organização é o Partido Comunista Brasileiro. Esse objetivo, autoassumido pelo PCB, não é um “dever-ser” idealista, mas um processo altamente crítico e autocrítico, da reconstrução de uma vanguarda firmemente amparada sobre os preceitos do marxismo-leninismo. Como o XVI Congresso do PCB afirmou,
[…] é necessário fortalecer o Partido Comunista Brasileiro (PCB), para que ele venha a assumir plenamente o papel de partido revolucionário do proletariado brasileiro e a condição de vanguarda histórica da classe trabalhadora, da juventude e do movimento popular. Nosso maior desafio no momento é reforçar o caráter leninista de nossa organização, superando dialeticamente tanto as posturas imobilistas que impedem a ação mais incisiva junto à classe trabalhadora e aos movimentos populares, quanto os desvios esquerdistas/sectários que ainda vicejam entre nós e representam um obstáculo à adoção de uma política ampla que nos aproxime cada vez mais das massas. […]
Se há algo a se aprender sobre o papel de ser dirigente de uma organização comunista (mas também de um movimento comunitário, de um centro acadêmico, de um coletivo de mulheres, até de uma roda de samba!), é algo que tem menos a ver com os nomes, com as pessoas individualmente consideradas, e mais com os processos coletivos, que exigem determinados perfis de militantes a cada momento histórico e a cada passo no caminho. Se, como já afirmei, existiram tarefas indispensáveis que só foram colocadas em prática no período da contrarrevolução dos anos 1990, de defesa de um marxismo atacado e acuado pela derrota histórica da dissolução da URSS; existirão cada vez mais tarefas para os novos militantes comunistas desempenharem nesse novo momento da luta de classes em nível global. Os dirigentes que se forjarem na luta de classes nesse processo, absorvendo e olhando cientificamente para suas tarefas, serão os que poderão conduzir a classe trabalhadora, lutando junto a ela, para uma nova sociedade, o socialismo-comunismo. E isso não poderá ser feito com personalismos ou com “cadeiras cativas”, reproduzindo as práticas burocráticas típicas da social-democracia. Isso será feito com a coragem de percebermos, cada um de nós, a medida exata em que somos substituíveis – pelas necessidades objetivas da luta revolucionária.
Nesse novo momento da minha militância, meu trabalho para a organização partidária trará novas tarefas, novos desafios e, espero, novas aprendizagens. Deixo os trabalhos na União da Juventude Comunista em melhores mãos do que as minhas. Alguns dos camaradas que foram eleitos já militaram ombro a ombro comigo nas mais diversas tarefas; outros, eu conheci mais de longe, observando e auxiliando nos trabalhos em outras esferas da militância; alguns, ainda, conheci divergindo duramente. Infelizmente, não conheci todos os milhares de militantes da UJC pelo Brasil todo – mas é para vocês que eu falo: é urgente que organizemos (no plural, coletivamente) os novos quadros dirigentes do movimento comunista; que os esforços de formulação coletiva, de debates e aprofundamentos, sejam o ponto de apoio para que nossa organização forje novas lideranças, com ainda mais firmeza ideológica e ainda mais capacidade prática do que nós, que estamos deixando o movimento de juventude; que o esforço de cada um seja colocado em prol da coletividade, de um projeto de reconstrução revolucionária que ainda tem largos passos a dar, e que não serão dados sem o aperfeiçoamento constante dos militantes. Essas são as tarefas que nosso momento histórico nos coloca – e que estaremos tanto mais capacitados para cumpri-las, quanto nos dispusermos a superar os nossos próprios erros. Cabe a nós construir o futuro.
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Amílcar Cabral
Devemos evitar a obsessão de alguns camaradas de que tudo estará estragado, tudo irá acabar se eles deixarem a posição que estão. Ninguém é indispensável nesta luta; todos somos necessários, mas ninguém é indispensável. Se alguém precisar ir embora e acaba indo e então a luta fica paralisada, é porque essa luta era inútil. O único orgulho que temos hoje em dia, que eu tenho, é a certeza que, depois do trabalho que tivemos, se eu tivesse que ir embora, ser parado, morrer ou desaparecer, existiriam aqueles aqui no Partido que poderiam continuar a tarefa do Partido. Se isso não acontecesse, então que desastre; nós não teríamos conquistado nada. Uma pessoa que tiver enquanto conquista algo que somente ela pode dar prosseguimento não fez nada ainda. Uma conquista vale a pena, somente quando pode ser uma conquista de muitos, e se existem muitos que conseguem tomar essa conquista e sustentá-la, mesmo que um par de mãos seja levado embora.
Mas existem camaradas que tem obsessões que se eles tiverem que sair de sua posição, tudo estará arruinado. Essa é uma obsessão que temos que combater, que devemos dar um fim. Isso sem mencionar os casos de outros camaradas que pensam, que quando são transferidos, eles irão morrer, porque eles já estabeleceram todas as condições de trabalho em um local e são chamados para atuar em outro. Que cegueira! Como se a nossa terra fosse apenas o seu cantinho! Isso demonstra a falta de consciência de uma razão real, o objetivo e as características de nossa luta.
Devemos saber defender a verdade, dizer a verdade perante todos, sem medo, mesmo que a verdade implique algumas dificuldades. Devemos falar a verdade exata cara a cara.
Os militantes não devem temer nenhum trabalhador responsável na estrutura do nosso Partido. Quem tem medo ainda não entendeu ou é covarde por natureza. Nosso Partido deu a todos a mesma força para não ter medo de ninguém. Já dissemos que lutamos para acabar com o medo entre os nossos povos da Guiné e de Cabo Verde. Não devemos ter medo de ninguém. O mais humilde militante não deve ter medo de ninguém, nem do Secretário-geral, nem de ninguém. Ele deve mostrar o respeito correto, pois isso é uma questão de respeito próprio.
Os trabalhadores responsáveis não devem temer os militantes. Há trabalhadores responsáveis dos quais os militantes e combatentes temem. Os primeiros são chefes bárbaros de outra época, não são dirigentes ou trabalhadores responsáveis do PAIGC. Mas às vezes temem os militantes. Se ouvem militantes conversando, querem saber do que se trata, porque temem que os militantes lhes proporcionem dificuldades com a direção do Partido. Devemos acabar com isso.
A democracia revolucionária exige, com efeito, que trabalhadores e líderes responsáveis vivam entre o povo, para o povo, atrás do povo. Eles devem trabalhar para o Partido com a certeza de que estão trabalhando para o povo de nossa terra. E devemos lutar para que a todo custo o povo sinta que é ele quem tem o poder de nossa terra em suas mãos. Até agora, eles não sentiram muito isso. Nas áreas libertadas, alguns camaradas usurparam esse poder de nosso povo. Devemos entregá-lo nas mãos de nosso povo. Ainda estamos em guerra e ainda é um pouco difícil. Mas, à medida que avançamos, temos de entregar poder ao nosso povo para que tenham a certeza de que o poder é de fato deles.
Ninguém no Partido deve ter medo de perder o poder. Muitos países foram à ruína porque os governantes temiam perder a liderança. Não devemos ter medo de nada. Devemos dizer a verdade francamente ao nosso povo, aos nossos militantes, aos nossos camaradas. Se eles não estiverem felizes e puderem, eles nos dispensarão; nos jogarão fora. Mas nenhum de nós deve ter medo de nada, não devemos esconder a verdade para preservar nossa posição. Isso seria uma traição aos interesses de nosso povo, de nossa terra e de todos aqueles que confiam em nós.
Não devemos enganar o povo com palavras bonitas, com falsas promessas. Devemos dizer a eles francamente as dificuldades. Numa reunião em Boo, por exemplo, a população me disse: ”Mande-nos isto, aquilo. Queremos isso, aquilo, etc. na loja.” Eu respondi à população: ‘Não. Não podemos fazer isso e aquilo. O que estamos enviando já é um grande sacrifício. Se não ficar satisfeito, faça o que quiser, até saia do Partido, mas não estaremos enviando. Você deve se lembrar que você não é o único com necessidades. Outras pessoas em nossa terra também têm necessidades.” Aproveitei a oportunidade de estar com nossos apoiadores para ensiná-los, para conscientizá-los, para não mentir ou enganá-los com falsas promessas. Todos eles entenderam.
Como já disse, devemos avançar constantemente para colocar o poder nas mãos de nosso povo, para fazer uma mudança profunda na vida de nosso povo, até mesmo para colocar todos os meios de defesa nas mãos de nosso povo, para que o nosso povo defenda a nossa revolução. Isso é o que a democracia revolucionária será de fato amanhã em nossa terra. Qualquer um que governa seu povo, mas teme o povo, está mal. Nunca devemos temer o povo.
No marco da democracia revolucionária, como já disse, devemos trazer à tona os melhores filhos e filhas de nossa terra. O pior e o inútil devem ser deixados para trás. Nossa tarefa é preparar nossa enxada, nosso arado, nosso martelo, com o qual vamos construir o futuro de nosso povo em liberdade, progresso e felicidade. Melhoremos constantemente o nosso Partido, pois quanto melhor for o nosso Partido, mais certeza teremos de conseguir o que queremos para o nosso povo. Por isso devemos, como já dissemos, agir para que o nosso Partido pertença cada vez mais àqueles que o sabem fazer cada vez melhor.