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Monstro da Alma, Inimigo da Mente: Violência Estatal e Juventude

Monstro da Alma, Inimigo da Mente: Violência Estatal e Juventude

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A Violência de Estado e a Juventude Brasileira

“Monstro da alma, inimigo da mente
É o sistema com seu descente”

— Trilha Sonora do Gueto, Favela Sinistra

Na última edição do Atlas da Violência, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2024, foi constatado um aumento significativo nas mortes por arma de fogo, especialmente nas regiões norte e nordeste. O estudo revela que setembro foi um dos meses mais violentos dos últimos três anos. Destaca-se, ainda, que a faixa etária entre 15 e 19 anos, correspondendo aos anos iniciais da juventude e adolescência, é a mais impactada pelas mortes violentas. Assim, a juventude tem sido profundamente afetada pelo braço repressivo do Estado burguês: a polícia.

Nesse cenário, a atuação das forças policiais nos estados se tornou cada vez mais ostensiva e truculenta, com as esferas federal e municipal replicando esse mesmo modelo de repressão. Esse panorama revela um quadro profundamente marcado por questões de raça e classe no Brasil, onde as vítimas dessas mortes são, em sua maioria, jovens negros e moradores das periferias.

As regiões norte e nordeste se destacam nesse contexto. Nos estados do Amazonas, Roraima, Amapá, Bahia, Pernambuco e Ceará, houve um aumento expressivo da violência na última década. No norte, esse cenário está vinculado ao avanço do agronegócio na Amazônia Legal, à expansão do garimpo e às privatizações de empresas estatais, além da invasão do capital internacional, que inclui práticas de biopirataria1 da flora e fauna. Esses processos têm ameaçado povos indígenas e comunidades ribeirinhas, que enfrentam a violência de jagunços e seguranças privados contratados pela burguesia.

Já no nordeste, a violência é impulsionada principalmente pela chamada “Guerra às Drogas”2 e pela atuação das forças repressivas do Estado, somadas ao avanço do agronegócio e à especulação imobiliária. A Bahia, em particular, é o estado com a polícia militar mais violenta do país – seguida pelo Rio de Janeiro e São Paulo –, registrando aproximadamente 100 mortes por arma de fogo apenas em setembro. Embora haja diferenças regionais, as semelhanças nos métodos de exploração e repressão evidenciam um projeto que resulta em morte e encarceramento em massa da população brasileira.

É importante destacar que o tráfico de drogas é, na verdade, um grande negócio internacional, embora ilegal, que envolve cadeias de comércio que ligam a produção da América Latina ao consumo nos EUA e Europa, onde o uso está sendo legalizado. Enquanto isso, a repressão e as estratégias de “Guerra às Drogas” são mantidas na América Latina, atingindo principalmente a distribuição local, os pequenos vendedores do varejo e os “aviõezinhos”. A “burguesia da droga” – proprietária de fazendas, aviões, navios e fábricas que produzem, armazenam e transportam drogas – permanece intocável. A “guerra às drogas” não visa combater o tráfico, mas assassinar a juventude negra e periférica, que, sem perspectivas de emprego e dignidade, acaba vendendo sua força de trabalho a essa burguesia.

Dessa forma, não é com moralismo que se combate a criminalidade na juventude. Se jovens optam por arriscar suas vidas, entrar em conflitos sangrentos e viver à margem da sociedade, é porque não veem na “normalidade” uma possibilidade de vida digna, com acesso à moradia, saúde e educação de qualidade, e empregos que garantam uma vida decente. Trabalho digno significa trabalhar menos e receber o suficiente para viver, com 30 horas semanais e um salário que realmente atenda as necessidades básicas, conforme indicado pelo DIEESE3. Portanto, onde há perspectiva de futuro para a classe trabalhadora, a juventude não escolherá arriscar a própria vida para sobreviver.

Além da precarização da vida em aspectos como acesso à moradia, emprego pleno, previdência, saúde e educação, essas circunstâncias são reforçadas pela estrutura racial e de classe dos indivíduos afetados pela repressão policial. Essa estrutura é mantida para proteger o status quo da burguesia contra a classe trabalhadora, com o Estado atuando como gerente dos interesses burgueses. Assim, os instrumentos repressivos – a polícia e o próprio Estado burguês – têm a função de controlar o exército de reserva da força de trabalho, composto, segundo a PNAD Contínua4, por cerca de 6,9% de desempregados e 17,9% de subempregados (ver nota de rodapé). A situação é ainda mais drástica entre os jovens, com a taxa de desemprego na faixa etária subindo para 16,8% no primeiro trimestre deste ano.

Somente ao compreender a verdadeira função das polícias é possível perceber que a “guerra às drogas” fracassa em combater o crime, mas cumpre com êxito seu papel oculto de reprimir a juventude pobre, especialmente a negra. Essa estratégia de guerra civil, aliada à militarização crescente das forças policiais, gera uma escalada de violência, com a presença frequente de armas de grosso calibre tanto nas mãos de civis quanto de militares. Essa escalada não tem fim, uma vez que ambos os lados são bem financiados e recebem armas das mesmas fontes – o tráfico de armas, que atravessa tanto a polícia quanto o exército. O resultado é um aumento exponencial da violência urbana e da militarização do espaço público, deixando filas de corpos e execuções extrajudiciais, além de vitimar inocentes, inclusive crianças.

Diante desse cenário de precarização da vida e da escalada da violência urbana e rural, que atinge principalmente os jovens, torna-se urgente implementar ações imediatas para combater essa realidade devastadora. Para isso, é essencial derrubar o Marco Temporal5, demarcar terras indígenas e quilombolas, legalizar as drogas6, desmilitarizar a polícia e criar mecanismos de controle popular sobre as forças de segurança, permitindo que as próprias comunidades tenham voz ativa na definição de políticas de segurança que atendam às suas reais necessidades. Essas medidas visam a frear o genocídio da juventude negra e periférica, reduzindo o impacto brutal da “Guerra às Drogas” e a repressão que transforma jovens em alvos do Estado.

Além dessas medidas imediatas, é necessário construir uma perspectiva de futuro para a juventude, oferecendo acesso à educação, empregos dignos e a serviços públicos de qualidade, como saúde, moradia e acesso a espaços de lazer e cultura. Onde há perspectiva e dignidade para a classe trabalhadora, a juventude encontrará alternativas que não envolvem a violência e a exclusão. Porém, não podemos perder de vista que apenas o fim do capitalismo e o abismo social que ele gera permitirão alcançar uma segurança pública que verdadeiramente sirva à classe trabalhadora, em vez de proteger os interesses e o patrimônio da burguesia.

Portanto, a juventude deve se organizar, fortalecendo as bases de luta no movimento estudantil, nos bairros, nos locais de trabalho e nas lutas populares em geral, com um calendário nacional de mobilizações contra o genocídio da população negra, dos povos originários e das comunidades ribeirinhas, rumo ao Poder Popular!

Ousar lutar, ousar vencer!

Lutar no campo e na cidade pelo Poder Popular!

Coordenação Nacional da União da Juventude Comunista

4 de novembro de 2024


Notas de Rodapé

  1. A biopirataria refere-se à exploração e comercialização ilegal de recursos biológicos e conhecimentos tradicionais encontrados na Amazônia e em outras áreas ricas em biodiversidade. Ela ocorre quando organizações ou empresas estrangeiras coletam plantas, animais, micro-organismos ou extratos e os utilizam para desenvolver produtos farmacêuticos, cosméticos, ou agrícolas com potencial de lucro significativo, podendo envolver também a apropriação dos conhecimentos tradicionais das populações indígenas e ribeirinhas. A biopirataria exemplifica como a invasão de capital internacional na Amazônia e em outras áreas do Norte do Brasil não apenas compromete o meio ambiente, mas também despoja as comunidades locais de seus recursos naturais e conhecimentos, intensificando a exploração socioeconômica e ambiental. ↩︎
  2. Para saber mais, leia: “Guerra às Drogas, Imperialismo e Saúde Pública“, “Guerra às Drogas, Capitalismo Dependente e Genocídio da População Negra” e “A Descriminalização como Estratégia de Sobrevivência“. ↩︎
  3. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) é uma entidade criada e mantida pelo movimento sindical brasileiro. Fundado em 1955, seu objetivo é desenvolver pesquisas que subsidiem as demandas dos trabalhadores. ↩︎
  4. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), produz indicadores trimestrais sobre a força de trabalho. É importante ressaltar que a metodologia adotada para essa amostragem pode ocultar as reais condições enfrentadas pela classe trabalhadora. Ainda assim, uma análise cuidadosa das estatísticas mais recentes revela que aproximadamente 39% da população ocupada está na informalidade, enquanto apenas cerca de 38% desta trabalha no setor privado com carteira assinada. Isso demonstra que, mesmo entre aqueles considerados “empregados”, muitos se encontram em situação de precariedade ou subemprego. ↩︎
  5. O Marco Temporal é uma tese jurídica que propõe que os direitos territoriais das comunidades indígenas e quilombolas no Brasil devem ser reconhecidos apenas para aquelas terras que estavam sob sua posse ou domínio até a data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Essa perspectiva restringe o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas e quilombolas, afetando diretamente a luta por direitos territoriais dessas comunidades e promovendo a perda de terras ocupadas por elas após essa data. A bancada ruralista, que representa os interesses do agronegócio, apoia o marco temporal por vários motivos. Primeiro, a aprovação dessa tese facilita a ampliação de áreas para cultivo e pastagem, já que muitos empresários do setor agropecuário alegam que a demarcação de terras indígenas impede o uso de terras consideradas produtivas. Além disso, a bancada ruralista defende que a restrição de direitos territoriais para as comunidades indígenas e quilombolas poderia levar a uma maior exploração econômica das terras, potencializando atividades como a agropecuária, mineração e exploração de recursos naturais. ↩︎
  6. Para saber mais, leia “A Descriminalização como Estratégia de Sobrevivência” e “Guerra às Drogas, Capitalismo Dependente e Genocídio da População Negra“. ↩︎