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Nota Política da UJC UFRGS – Um ano de intervenção na UFRGS: contradições, vitórias e novos desafios
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Nota Política da UJC UFRGS – Um ano de intervenção na UFRGS: contradições, vitórias e novos desafios

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A intervenção de Bolsonaro na UFRGS sofreu uma primeira e significativa derrota política no dia 13 de agosto, quando o Conselho Universitário (CONSUN, órgão máximo deliberativo dentro da instituição) encaminhou o pedido de destituição da reitoria para o Ministério da Educação (MEC). Porém, o Movimento Universitário (estudantes, docentes, servidores e terceirizados) não pode nutrir qualquer ilusão institucional ou legalista, de modo a esperar uma decisão positiva do MEC bolsonarista. É preciso que o MU tome as rédeas da luta contra a intervenção e defina, a partir da luta política, o destino da UFRGS – dispensando qualquer saída conciliatória.

Já descrevemos em posicionamentos anteriores todo o processo que descambou na intervenção [1]. Em todos os momentos, seja em sessões do CONSUN, seja em plenárias e assembleias, temos denunciado o caráter de classe da intervenção – o projeto político-econômico de Bolsonaro para as Universidades Públicas. Esse não é um “devaneio bolsonarista”, pelo contrário: representa os interesses do segmento burguês do mercado educacional (principal interessado na venda da estrutura das universidades) e industrial (principal interessado na submissão completa da produção científica ao mercado), condensados no mercado financeiro (principal interessado na financeirização do orçamento das universidades). Em suma, as intervenções operam os interesses da burguesia para as universidades, sintetizado no Projeto Future-se, apresentado por Bolsonaro em 2019.

Particularmente, na UFRGS, a porta de entrada deste projeto é a Pró-Reitoria de Inovação e Relações Institucionais, órgão criado por decreto assim que a reitoria interventora foi empossada. A PROIR é responsável por firmar “parcerias” com empresas privadas e financiar projetos de produção científica. Cada vez mais, essa Pró-Reitoria tem acumulado funções e órgãos de inovação da UFRGS (Parque ZENIT, SEDETEC, Relinter, outros). A PROIR é o que mantém forte o vínculo de Bulhões-Pranke com o governo federal e o segmento burguês que o apoia. Ela condensa esses interesses e, por isso, apresenta-se como o elo fraco da intervenção – o que exige do MU que direcione a ela seus ataques. Sem a PROIR, a intervenção perde o sentido para quem a sustenta – não por outro motivo os interventores a defendem com unhas e dentes. 

Após 11 meses de intervenção, o CONSUN aprovou o encaminhamento ao MEC do pedido de destituição dos Reitores-Interventores da UFRGS, Carlos Bulhões e Patrícia Pranke. Esse momento não se deu sem contradições: setores vacilantes dentro do CONSUN (em especial, um militante da Unidade Comunista Brasileira – UCB) tentaram fazer um “acórdão”, o qual propunha a destituição apenas do Reitor-interventor Carlos Bulhões e a manutenção de sua vice, Patrícia Pranke, manobra que apelidamos de “Saída Mourão”, em alusão aos setores conciliadores que reivindicam o “impeachment de Bolsonaro”, para que assuma o vice Mourão, um reacionário “dialogável”. Na realidade, essa manobra conciliatória de nada serve, pois a luta é contra o projeto que a intervenção opera, e não uma personalidade específica que o representa.  Essa tentativa não só foi derrotada no CONSUN, como foi duramente criticada por nosso representante discente comunista. O resultado foi 59 votos a favor da destituição de ambos interventores, e somente 7 votos contrários, além de 5 abstenções. Essa vitória, contudo, não significa a destituição de Bulhões-Pranke, mas apenas o encaminhamento do pedido ao MEC. Por mais que seja importante, essa vitória coloca diante do MU novos desafios, ainda mais complexos, que discutiremos a seguir.

Ainda antes de seguir para o debate sobre os próximos passos, é preciso ressaltar outras formas de vacilação de segmentos do “campo de esquerda”, que se deram no início da intervenção. Quatro posições vacilantes surgiram, duas esquerdistas e duas oportunistas:

A primeira esquerdista é expressa na equiparação entre o ex-reitor Rui Oppermann  e o reitor-interventor Carlos Bulhões, como se não houvesse diferença qualitativa entre os dois. Em que pese a justeza da indignação contra o ex-reitor Rui Oppermann, ligado ao campo democrático-popular, em cujas gestões operacionalizou a austeridade, atacou servidores, advogou contra a democracia universitária e naturalizou o Future-se, equipará-lo ao interventor de Bolsonaro é um erro de análise que deixa de levar em conta o caráter de classe da intervenção e a nova conjuntura do país. Rui Oppermann, de forma alguma, pode ser considerado uma alternativa à intervenção, contudo, o erro em que incorreram algumas correntes do PSOL e outras forças que dirigem a ASSUFRGS, naquele primeiro momento, desmobilizou a categoria (por mais que, meses depois, tenham corretamente apoiado a destituição).

A segunda esquerdista foi defendida pelos camaradas do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), cuja palavra de ordem clamava, desde o início da intervenção, por uma “estatuinte livre, soberana e democrática”, como sendo a única forma de enfrentar a intervenção. A UJC tem acordo com a perspectiva de uma estatuinte na UFRGS e nunca a negou (ainda que entenda que processos como esses devem servir para cristalizar uma correlação de forças positiva – ou seja, não podem ser convocados de acordo com a vontade dos revolucionários), porém, o erro do MRT se expressa quando negam por princípio a relevância da luta institucional no CONSUN. Com a boa intenção de “não nutrir ilusões com as instituições burguesas” (pois, lembremos, a universidade na sociedade capitalista é a universidade burguesa!), cometem o erro de negá-las (!), em vez de combinar a luta de massas com a luta institucional. A UJC jamais nutriu qualquer ilusão legalista e institucional com as instâncias internas da UFRGS, mas, pelo contrário, combatemos essas ilusões a todo momento em nossa agitação e propaganda; porém, isso não significa negar as possibilidades de ação dentro dos limites institucionais, utilizando esses espaços como tribunas para denúncia do caráter de classe da intervenção e da universidade. Na contramão, os camaradas do MRT, por mera fraseologia revolucionarista, se negaram a ver que a destituição era um objetivo possível e que fez avançar concretamente a luta contra o  projeto liberal-fascista em curso – ainda que seja correta a constatação (que sequer eles fazem!) de que houve um descompasso entre a luta institucional e a luta de massas.

A terceira é expressa na tentativa oportunista de rejeitar Bulhões para garantir a manutenção do reitor eleito no formato não paritário e anti-democrático, Rui Oppermann. Essa posição estava cristalizada na palavra de ordem “A UFRGS não quer Bulhões”, sem apontar caminhos concretos e advogando pela ideia de que “reitor eleito é reitor empossado” (que desconsidera o processo de eleição e a vontade real da comunidade acadêmica). Essa foi a posição reivindicada pelo campo democrático-popular, em especial, o Levante Popular da Juventude, a União da Juventude Socialista (UJS), algumas correntes do PT, que formam o “Movimento Eu Defendo a UFRGS”, e a ADUFRGS (sindicato corporativista dos docentes da UFRGS).

A quarta foi orquestrada, principalmente, pelo Coletivo Juntos, da corrente MES/PSOL. Esse coletivo, com o qual a UJC “divide” a gestão do DCE UFRGS, relutou até se tornar inevitável a palavra de ordem da destituição, a qual os comunistas defenderam desde o início da intervenção. Sob o argumento de que “não havia correlação de forças” – que contrasta com a luta que o próprio MES trava pelo impeachment de Bolsonaro (para o qual, obviamente, também “não há correlação de forças”) -, o Coletivo desconsidera as primeiras manifestações contra a intervenção que mobilizaram centenas da comunidade acadêmica, em um período que sequer havia consenso sobre a viabilidade de atos de rua (setembro de 2020), e também menospreza o próprio poder de influência e direção do DCE para incidir sobre a correlação de forças. Em vez de defender a destituição e deslegitimar a intervenção, após “abaixar a poeira” dos primeiros dias, optou por sentar à mesa com os interventores para negociar, “aproveitando” sua fragilidade naquele momento para garantir alguns ganhos pontuais. Explorar as fragilidades do adversário é um princípio básico da tática, porém, fazê-lo pela via da negociação palaciana, desacompanhado de uma ferrenha campanha de deslegitimação da intervenção, da reivindicação de sua destituição e da denúncia de seu caráter de classe (e na contramão disso, advogou contra uma posicionamento público do DCE pela destituição até o último momento), é um dos princípios da tática oportunista da social-democracia. 

Feitas essas quatro notas, prossigamos para os próximos passos da luta contra a intervenção.

A destituição depende, assim como a indicação da Reitoria dependeu, de uma decisão do Governo Federal, no Ministério da Educação (MEC) – o que demonstra a fragilidade da autonomia universitária. Agora, a decisão está nas mãos do MEC e de seu ministro “terrivelmente evangélico”, Milton Ribeiro. Sequer precisa de uma análise aprofundada para visualizar a tendência de sua decisão. Depender, portanto, do MEC de Bolsonaro é um erro crasso. Desde o dia 13 de agosto, o Movimento Universitário entrou em um estado de “espera” para ver o que acontecerá – mesmo sabendo qual o óbvio resultado. É preciso sair dessa inércia! 

Outra medida tomada foi uma representação junto ao Ministério Público Federal (MPF) pedindo pela investigação das ações de Bulhões que levaram à destituição, por violar “princípios da legalidade e publicidade”. Outra instância que se envolveu neste caso, ainda em outubro de 2020, é a Advocacia-Geral da União (AGU) por meio da Procuradoria Geral (PG) da UFRGS, que definiu que o Estatuto e o Regimento Geral teriam um caráter apenas de referência e, portanto, não possuiriam eficácia jurídica. Ou seja, a “legalidade” que embasa o pedido de destituição é, como em toda justiça burguesa, relativizada de acordo com os interesses que sustentam a intervenção.

Se é verdade que a tendência é o pedido de destituição ser negado e “as coisas voltarem ao normal”, logo, se faz urgente o esforço coletivo (já tardio!) de elaborar formas criativas e com independência (em relação ao governo federal e às instituições) de avançar nessa luta. Não podemos permitir que se estabeleça o clima de “a luta foi boa, mas infelizmente perdemos”. 

Imediatamente, deve-se iniciar uma ampla e continuada campanha pela renúncia de todos os membros da reitoria interventora, sem dispensar qualquer instrumento de luta. Ou seja, desde abaixo-assinados, manifestos públicos, manifestações, amplas campanhas de denúncia, até ações diretas. Essa campanha deve servir para manter viva a luta contra a intervenção, evidenciar as contradições da universidade burguesa e seu vínculo umbilical com o mercado, a partir de onde se estabelece as bases de um debate programático sobre a universidade. Além disso, essa campanha deve preparar o Movimento Universitário para ações mais radicalizadas tão logo haja retorno presencial. A centralidade de nossa ofensiva, conforme constatado anteriormente, deve estar na Pró-Reitoria de Inovação e Relações Institucionais (PROIR). 

É  também necessário um esforço de se pensar as perspectivas dessa batalha, que exigirá que estejamos preparados para ações posteriores, como a formação de uma Administração Central Provisória escolhida pelo CONSUN e a realização urgente de novas eleições, desta vez universais ou, no mínimo, paritárias. Além disso, conforme se desenrolar o debate programático sobre a Universidade e se modificar a correlação de forças, deve-se perspectivar um Congresso Universitário da UFRGS, para construir uma unidade de ação firme entre todos os segmentos e para organizar a luta por reformas estruturais dentro e fora da Universidade, no rumo de uma Estatuinte da UFRGS.

Por fim, devemos visualizar a Reitoria-interventora não como um acaso, um ponto fora da curva, mas reconhecer que, para além de um problema político interno na UFRGS, é expressão de um projeto político-econômico burguês e de amplitude nacional, sob um governo proto-fascista. Isso não pode ser perdido de vista por todos que vislumbram tanto a derrota de Bolsonaro-Mourão, quanto a de seus representantes na UFRGS. Nesse sentido, por mais que critiquemos as posições que concebemos como equivocadas do ponto de vista tático (como as quatro que citamos acima), de forma alguma isso significa uma autoproclamação purista, como se a UJC não cometesse erros ou que não esteja disposta a formar alianças táticas com as organizações citadas. Pelo contrário, a unidade de ação é fundamental para que o MU avance na luta contra a intervenção – porém, isso não significa calar diante de erros e ilusões conciliatórias que prejudicam a luta. Toda a movimentação, unidade e crítica, que faça o MU avançar no sentido de construir uma Universidade Popular e o socialismo, será feita sem hesitação pelos comunistas.

Por isso, os comunistas apontam que a luta não deve ter como fim apenas a derrota da intervenção bolsonarista, mas apontar para a auto-organização da classe trabalhadora, dentro e fora da UFRGS; também, pela luta por uma universidade que represente os interesses político-econômicos da classe trabalhadora, e não da burguesia – como é atualmente (a despeito de seu caráter ainda público). Neste momento de efervescência da luta popular contra Bolsonaro, a derrota deste na UFRGS deve servir de exemplo prático para as demais universidades em situação de intervenção: de que a comunidade universitária deve lutar contra o bolsonarismo e vencer seu projeto burguês e anti-nacional!

Pela renúncia da reitoria interventora! Nem o MEC, nem a Justiça burguesa: só a luta pode derrotar a intervenção!

Em defesa da verdadeira autonomia e democracia universitária!

Por um Congresso Universitário na UFRGS!

Fora Bolsonaro, Mourão e Guedes!

Por uma Universidade Popular, no rumo do socialismo!

Notas:

[1] “Fora Interventores da UFRGS!”: https://ujc.org.br/fora-interventores-da-ufrgs/

Outras notas:

“Quais os próximos passos da luta contra Intervenção na UFRGS?” https://ujc.org.br/quais-os-proximos-passos-da-luta-contra-intervencao-na-ufrgs/

“Contra as intervenções de Bolsonaro! Em defesa da autonomia e democracia nas universidades!”:    https://ujc.org.br/contra-as-intervencoes-de-bolsonaro-em-defesa-da-autonomia-e-democracia-nas-universidades/

“Reverter a expulsão dos cotistas e derrubar a intervenção na UFRGS!”: https://ujc.org.br/reverter-a-expulsao-dos-cotistas-e-derrubar-a-intervencao-na-ufrgs/