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Socialista eleito em Nova Iorque?

Socialista eleito em Nova Iorque?

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Muito tem se falado sobre o feito de um socialista democrático conseguir ser eleito o 111º prefeito de Nova Iorque. A vitória de Zohran Mamdani em 5 de novembro de 2025 levantou muitos debates, em especial nas redes sociais, por falar em socialismo, tarifa zero e solidariedade com a Palestina. Sua campanha demonstrou também uma impressionante capacidade de mobilização e engajamento nas redes sociais.

Quem é Zohran Mamdani?

Zohran Kwame Mamdani (nascido em 18 de outubro de 1991, em Uganda) é militante dos Socialistas Democráticos da América (DSA) e atual prefeito eleito de Nova Iorque. Foi eleito pela primeira vez para a Assembleia do Estado de Nova Iorque, cargo que assumiu em 2021.

Os números e as eleições

Ainda nas prévias do Partido Democrata, Andrew Cuomo era o favorito, com mais de 30% das intenções de voto no início de 2025, enquanto Mamdani não passava de 1%. Em poucos meses, o socialista democrático saltou para 32%. Cuomo passou então a precisar concorrer como candidato independente para disputar a prefeitura.

Na eleição geral, Cuomo recebeu o apoio da extrema direita na figura de Donald Trump, que pediu votos para barrar Mamdani. Ao longo da disputa, Mamdani construiu uma coalizão ampla, reunindo juventude, trabalhadores e imigrantes, muitos entre os novos eleitores registrados.

Ainda com 91% das urnas apuradas, Mamdani obteve 50,4% dos votos, contra 41,6% de Andrew Cuomo e 7,1% de Curtis Sliwa, consolidando uma virada notável de um deputado estadual pouco conhecido à liderança da maior cidade dos Estados Unidos. Sua vitória consagrou uma campanha marcada pelo engajamento digital, pela mobilização popular e por apontar inimigos das transformações necessárias ansiadas pela população trabalhadora da cidade.

Quais os principais destaques de sua campanha?

O site que hospeda sua plataforma política informa números impressionantes sobre a participação em sua campanha. A campanha contabilizou 104.764 voluntários, 3.100.000 de batidas em portas, 4.500.000 ligações e o envio 2.700.000 mensagens de texto, uma combinação impressionante entre atuação nas ruas e nas redes.

Costumeiramente, quando elogiamos a comunicação de alguém ou de uma organização, nos referimos exclusivamente às métricas das redes sociais; mas o que muitos analistas ignoram é que a comunicação de uma campanha está também no conteúdo que é comunicado ao eleitorado. E, neste caso, o conteúdo foi comunicado massivamente por meio de agentes que se engajaram verdadeiramente na campanha, inclusive de rua.

O conteúdo desta campanha nomeou os problemas vividos pelos cidadãos de Nova Iorque por meio de propostas como o congelamento do preço do aluguel, uma vez que a cidade atingiu a maior média de valor de aluguel dos últimos tempos, ultrapassando os 4.000 USD. A campanha também apontou as dificuldades referentes à mobilidade urbana e afirmou com firmeza a necessidade da implementação da tarifa zero, além de comunicar à sociedade a necessidade de repensar a atuação das polícias, ponto marcante para uma cidade que experiencia contínuos casos de violência policial.

Para além da forma com que comunicou sua plataforma, a campanha buscou o engajamento de diversas categorias. Até mesmo a mídia hegemônica reconheceu o feito ao afirmar que esse engajamento pressionou direções sindicais, que o apoiaram, a tomar tal decisão.

O que é socialismo democrático?

Zohran é noticiado constantemente como um socialista. Para o senso comum, pode surgir a imagem de um revolucionário, mas não podemos caracterizá-lo como tal: Mamdani é um socialista democrático e, por isso, não almeja a construção do poder popular como mecanismo para superar a forma política da institucionalidade liberal.

Para compreender melhor essa corrente, é importante retomar Eduard Bernstein. Bernstein formulou categorias e teorias que subsidiariam o que hoje se pode chamar de socialismo democrático. Foi militante do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD) e teórico do movimento operário; contemporâneo de Marx e Engels, foi um de seus críticos.

Sua análise sobre as escassas e graduais mudanças favoráveis ao operariado dos países centrais o fez crer que as vias parlamentares institucionais seriam o campo adequado para operar as reformas que nos levariam ao socialismo.

Para o estudioso da política e também convicto reformista Norberto Bobbio, o socialismo democrático é conceituado como uma corrente dentro do guarda-chuva maior que ele chama de reformismo. Podemos entender a política reformista como “o movimento que visa a melhorar e a aperfeiçoar, talvez até radicalmente, mas nunca a destruir, o ordenamento existente, pois considera valores absolutos da civilização os princípios em que ela se baseia: a liberdade individual, a democracia e o bem-estar de todos.” Ao comparar os reformistas com os revolucionários, Bobbio afirma:

“…Os reformistas pensam, pelo contrário, que é seu dever concorrer para a eficiência econômica do sistema, porque só uma produção em constante aumento cria os meios necessários para a melhoria incessante do nível de vida das massas, condição indispensável, por sua vez, para que o povo possa participar efetivamente na vida democrática e se possa chegar pela democracia, caso não surjam dificuldades inerentes à própria natureza humana…”

Até aqui, enquanto comunistas, deveríamos naturalmente acender o nosso alerta para as divergentes formas de ler a realidade. O socialismo democrático é guiado pela ideia de que o socialismo é uma superação necessária ao capitalismo, desde que operado dentro dos marcos da institucionalidade.

Há também autores amplamente debatidos em nossa tradição que, a depender da interpretação, são apresentados como teóricos do socialismo democrático. Rosa Luxemburgo, independentemente da lente pela qual se observe sua obra, é uma teórica de grande calibre e merece atenção. Sua produção lança um olhar profundo sobre o processo democrático, mantendo-se crítica à social-democracia alemã e à atuação parlamentar. Assim, descreve o desafio das massas:

“As massas precisam aprender, de máquinas mortas que o capitalista instala no processo de produção, a tornar-se dirigentes autônomas desse processo, livres, que pensam. Devem adquirir o senso das responsabilidades, próprios dos membros atuantes da coletividade, (…) Precisam mostrar zelo sem o chicote do patrão, máximo rendimento sem o contramestre capitalista, disciplina sem sujeição e ordem sem dominação.”

Seu pensamento afirma categoricamente que as massas necessitam de autonomia para participar dos processos políticos, ou seja, as organizações não possuem o papel de monopólio da razão, mas o de construir os mecanismos para essa autonomia. A ação parlamentar para Rosa, independente das conquistas, encontraria seu esgotamento quando esta não é parte do projeto maior – a revolução socialista. A emancipação encontra-se no movimento.

Para a tradição comunista, é impossível transformar determinadas relações diante do ordenamento existente, que é essencialmente burguês. As formas de opressão que se relacionam com o ordenamento político e o modo de produção capitalista são estruturantes da sua forma de acumulação.

Assim, quando nós, comunistas, lutamos pelo fim da exploração, lutamos também contra o ordenamento vigente, pois a acumulação capitalista não é conciliável com a plena emancipação humana, horizonte que jamais abandonaremos, e o etapismo reformista ainda não foi capaz de lograr resultados para superar o modo de produção capitalista.

Lidar com as contradições presentes entre, de um lado, o desenvolvimento econômico para melhorar a condição geral da classe trabalhadora e, de outro, operar política social para redução das desigualdades, sem horizonte revolucionário, é ainda uma equação sem resolução. Aqueles que asseguram a manutenção do ordenamento existente realizam essa manutenção para que seus interesses remanesçam intactos.

Neste caso específico, vale destacar que o reformismo crítico incorporado pela campanha de Mandani provocou tensionamentos no sistema bipartidário dos Estados Unidos. Abre-se assim uma janela de oportunidade para que o campo socialista do país aprofunde um debate sério sobre um sistema político em que as duas principais forças, os Democratas e os Republicanos, mostram-se capazes de se unir, inclusive contra sua própria legenda, sempre que surgem vozes que ameacem, ainda que minimamente, o fluxo e os ritos da institucionalidade liberal.

Quais lições podemos tirar? Aos comunistas, o que interessa nessa história?

Com o aproximar das eleições, podemos esperar que sejam retomadas pautas como a viabilidade dos partidos revolucionários de disputar as eleições e nossa presença e desafios para utilizar as redes sociais. Para os revolucionários, as eleições são um momento para aproveitar os espaços e a abertura da sociedade ao debate e apresentar sua plataforma, mantendo sempre a clareza de que o horizonte é a superação do capitalismo.

As eleições em Nova Iorque podem não ter qualquer efeito concreto aqui no Brasil, mas mostram que há espaço para disputar a consciência da classe trabalhadora quando falamos abertamente sobre seus problemas reais. Mostram também que não é uma verdade absoluta a necessidade de se fazer campanha presa aos dogmas liberais que tratam a máquina do Estado a partir de uma perspectiva de economia doméstica.

Aos comunistas não cabe o papel de aguardar um Mamdani, menos ainda de nutrir ilusões por uma profunda transformação na “grande maçã”. No fim das contas, nem o prefeito nem sua corrente se reivindicam revolucionários.

No entanto, cabe um olhar atento ao conteúdo e ao uso adequado das redes. Na experiência aqui analisada, o coletivo atuante em sua campanha produziu os números de suas redes sociais e a disseminação de seu conteúdo, e não o contrário. Faltam ainda registros de influenciadores com capacidade de converter seus números em centenas de milhares de voluntários.

Para um comunista interessa a auto-organização dos trabalhadores, campanha e trabalho de base sem baixar nossas bandeiras e, por meio disso, estabelecer diálogo amplo e consciente com o conjunto da sociedade sobre seus direitos não assegurados diante da fragilidade da institucionalidade burguesa. As oportunidades que temos devem ter o objetivo de fortalecer a organização popular e a perspectiva do poder popular. Nossa política deve semear a participação popular e a luta pela revolução. Como disse Fidel, após 40 anos do triunfo da revolução cubana:

“Revolução é sentido de momento histórico; é mudar tudo o que deve ser mudado; é igualdade e liberdade plenas; é ser tratado e tratar aos demais como seres humanos; é emancipar nos por nós mesmos e com nossos próprios esforços; é defender valores nos quais cremos ao preço de qualquer sacrifício; é desafiar poderosas forças dominantes dentro e fora da esfera social e nacional; é defender os valores em que se acredita; é modéstia, abnegação, altruísmo, solidariedade e heroísmo; é lutar com audácia, inteligência e realismo; é jamais mentir ou violar princípios éticos.”

Por Jonas Amaral, militante da UJC no Distrito Federal

Foto: Eman Mohammed


Referências

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. 2 v.

LUXEMBURGO. O que quer a Liga Spartakus?. In: LUXEMBURGO, Rosa.ARevolução Russa. Petrópolis: Vozes, 1991

ROTOLO, Tatiana Macedo Soares. Autonomia popular e socialismo democrático no pensamento político de Rosa Luxemburgo. Cadernos de Ética e Filosofia Política, São Paulo, Brasil, v. 2, n. 09, p. 131–146, 2006.

ELLIOTT, Philip. Zohran Mamdani wins New York Mayor’s race. Time, 5 nov. 2025. Disponível em: https://time.com/7331192/zohran-mamdani-wins-nyc-mayor-race/

CNN. How Zohran Mamdani won the New York City mayoral race. CNN, 5 nov. 2025. Disponível em: https://edition.cnn.com/2025/11/05/politics/how-zohran-mamdani-won

PORTO, Douglas. Entenda quem é Andrew Cuomo e acusações de assédio sexual contra ele. CNN Brasil, 10 ago. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-quem-e-andrew-cuomo-e-suas-acusacoes-de-assedio-sexual/

BERNSTEIN, Eduard. Marx & Reform. 1897. In: Marxists Internet Archive. Disponível em: https://www.marxists.org/reference/archive/bernstein/works/1897/04/marx-reform.htm

DEMOCRATIC SOCIALISTS OF AMERICA. What is Democratic Socialism? DSA, [s.d.]. Disponível em: https://www.dsausa.org/about-us/what-is-democratic-socialism/

LACH, Eric. What Zohran Mamdani knows about power. The New Yorker, 9 out. 2025. Disponível em: https://www.newyorker.com/magazine/2025/10/20/zohran-mamdani-profile

Z de Zohran. Revista Piauí, 2025. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/zohran-mamdani/