Home Estados Espirito Santo Sobre a eleição do DCE da UFES em 2023
Sobre a eleição do DCE da UFES em 2023

Sobre a eleição do DCE da UFES em 2023

0

A eleição do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) que ocorreu em outubro de 2023 se deu em um cenário consideravelmente distinto do de 2022: Lula foi eleito, o governo de conciliação de classes está tocando seu projeto a todo vapor e o Movimento Estudantil também se vê afetado por essa nova conjuntura. Já na época da tiragem de delegades para o Congresso Nacional da UNE (CONUNE), que ocorreu em julho deste ano, houve uma demonstração nítida da diferença de projeto político entre as forças do campo alinhado ao Governo Federal e as forças do campo revolucionário no âmbito da UFES. Com a eleição do DCE, essa diferença ficou ainda mais cristalizada.

Nós da União da Juventude Comunista (UJC) Núcleo UFES avaliamos que a disputa eleitoral do DCE seria um momento crucial de agitação e propaganda do programa político da UJC e do Movimento por uma Universidade Popular (MUP). Deliberamos, então, pela participação nesse processo, apesar do desgaste físico e mental que sofremos após o CONUNE e após a crise no Partido Comunista Brasileiro (PCB), cujo maior impacto foi em sua juventude, a UJC.

Tomada essa decisão coletiva, empreendemos esforços visando a reunir em uma só chapa as forças do campo de oposição de esquerda dispostas a disputar o DCE, algo que não tinha sido possível na ocasião do CONUNE, a despeito das tentativas de nossa parte. Tomamos essa iniciativa entendendo a importância e a necessidade de construir as mediações necessárias, no âmbito do Movimento Estudantil universitário capixaba, para a consolidação da Frente Anticapitalista e Anti-imperialista. Como resultado desse esforço, constituiu-se a chapa DCE é pra Lutar, que congregou UJC, MUP, Ecoar e Correnteza.

Por outro lado, as forças que à época do CONUNE compunham a chapa 1 (Caravana) – Enfrente, Kizomba e Levante Popular da Juventude – e a chapa 4 (Viração) – Movimento Participa, Movimento Popular da Juventude (MPJ), Para Todos e União da Juventude Socialista (UJS) – também se aglutinaram em uma só chapa, intitulada Abre Alas, para disputar o DCE. Dessa forma, tal chapa unificou o campo da socialdemocracia, agregando organizações que são base de apoio do Governo Federal (PT) e do Governo Estadual (PSB). Inicialmente, ela chegou a ser indeferida por não cumprir as cotas para pessoas trans/travestis/não-bináries e a proporção mínima de estudantes do campus Alegre. Entretanto, após recurso e ajuste na documentação, a chapa seguiu no pleito.

Os debates eleitorais foram momentos fundamentais para entender a dinâmica desse processo, mostrando nossas insuficiências e nossos avanços, bem como tornando nítida a diferença de projeto político entre uma chapa e outra. Por isso, vamos nos ater a analisar tais debates e observar os seus desdobramentos posteriores, começando pelo debate que ocorreu no Centro Universitário do Norte do Espírito Santo (Ceunes), em São Mateus. Lá a chapa Abre Alas se centrou num discurso rebaixado politicamente, alegando que o que propomos é bom, porém não é possível de ser pautado devido à conjuntura desfavorável. Logicamente, isso foi posto como forma de se abster da responsabilidade de pressionar o governo de conciliação de classes.

Durante o debate, a chapa Abre Alas foi questionada por conta do histórico de atuação de algumas de suas forças, que apareceram em São Mateus somente em tempos de campanha eleitoral e pouco ajudaram nas demais lutas do Movimento Estudantil de lá em outros momentos. Nesse sentido, cabe lembrar aqui de um caso particular que foi mencionado durante o debate: o ato para reivindicar melhorias no serviço da empresa de transporte público local, que ocorreu em frente à câmara municipal, na época da campanha do CONUNE. Apesar das promessas de ajuda por parte de algumas forças da chapa Abre Alas, foi o Diretório Acadêmico do Ceunes que arcou com o ônus da organização do ato. Além do mais, tal chapa saiu ainda mais desmoralizada desse debate uma vez que, em alguns momentos, tanto as debatedoras quanto demais integrantes da Abre Alas que estavam na plateia, e que em sua maioria não eram daquele campus, atropelaram falas de estudantes do Ceunes.

Depois, ocorreu o debate no campus Maruípe, onde ficam os cursos do Centro de Ciências da Saúde. Nesse caso, nossa grande dificuldade foi que nenhuma das forças que compunham nossa chapa tinha inserção lá. Embora tivéssemos recebido o apoio providencial de uma força aliada que tem militante em Maruípe, o coletivo Pajeú, falhamos em dar respostas concretas para os problemas que afetam os estudantes daquele campus, fazendo a devida correlação dessas demandas com a necessidade de um DCE independente, combativo e que mobilize a base estudantil para conquistar avanços efetivos.

Como tentativa de sanar essa insuficiência durante o debate, nossa chapa tentou ao máximo trazer à tona pautas mais gerais do Movimento Estudantil em detrimento de focar em questões locais do campus, o que ainda assim não foi capaz de trazer um saldo político positivo para nossa chapa entre a base estudantil de lá. Para além do momento do debate, avaliamos que faltou em nossa própria agenda de campanha uma maior atenção ao campus Maruípe, ficando a maior parte de nossas atividades concentradas em Goiabeiras e em São Mateus, onde tínhamos maior inserção.

O debate do campus Goiabeiras ocorreu no mesmo dia do de Maruípe, sendo este à tarde e aquele à noite. Primeiro, é preciso fazer a devida autocrítica quanto a nossa falta de preparo. Assim como no debate em Maruípe, não soubemos articular nossas propostas de maneira objetiva, detalhando como se daria a viabilidade prática dessas. Porém, avaliamos que conseguimos tensionar de maneira correta a chapa adversária quanto ao seu reboquismo à política econômica de cunho social-liberal praticada pelo governo Lula, materializada no Novo Arcabouço Fiscal. Ainda que dissessem ser contra tal medida, defenderam que era o que “dava para ser feito” nas condições postas ao governo, se eximindo, assim, de pressionar pelo fim da austeridade fiscal.

Afora isso, o debate de Goiabeiras se caracterizou por ser o mais acalorado e tensionado de todos, com diversos ataques diretos e pessoais entre militantes, e tendo grande presença de integrantes de ambas as chapas, mas poucos estudantes não organizados. Foi em um momento em que os ânimos já estavam demasiadamente exaltados que uma integrante de nossa chapa fez uma fala equivocada, que abriu margem para uma interpretação negativa quanto à atuação do Movimento Negro. Nesse sentido, tomamos a responsabilidade de redigir, em conjunto com as demais forças da chapa, uma nota de autocrítica frente a isso.

Ainda que a fala equivocada não tenha partido da militância da UJC, ao final do debate, uma integrante da chapa adversária chegou a afirmar, de maneira completamente errônea, que o PCB não contribuiu em nada para a luta do povo negro contra a opressão racial que assola nosso país e que colocamos, nas palavras dela, “classe acima de raça”. Para desmentir tais afirmações, basta lembrar que o primeiro candidato negro à presidência da república no Brasil era militante do PCB e que hoje o Coletivo Negro Minervino de Oliveira, coletivo partidário do PCB, recebe esse nome em sua homenagem. Vale lembrar também de outros quadros históricos do Partidão que contribuíram para a luta antirracista e foram fundamentais para o fortalecimento do Movimento Negro no Brasil, como Laudelina Campos Melo, Maria Aragão, Clóvis Moura, Edison Carneiro, Solano Trindade e Claudino José da Silva.

Quanto ao debate em Alegre, cometemos um grave erro ao superestimar nossas forças e não termos planejado com a devida antecedência o envio de militantes para nos representar lá, uma vez que não tínhamos inserção naquele campus. Embora o Correnteza tivesse militante lá, não foi possível garantir sua presença no debate e o militante da UJC que havia sido destacado para essa tarefa, por conta de uma série de imprevistos, não pôde viajar para lá na data prevista para a realização do debate. Tampouco as outras forças da nossa chapa puderam enviar representantes. Além das dificuldades de destacar militantes com disponibilidade para realizar um giro naquele campus, falhamos ao não avisar com antecedência às entidades estudantis de Alegre, que se prepararam para nos receber, sobre a impossibilidade de participarmos do debate.

Por fim, como resultado desse processo, obtivemos 612 votos contra 1391 votos da chapa adversária. É digno de nota que conseguimos esse resultado utilizando apenas R$ 762,00 na campanha, enquanto a chapa adversária gastou R$ 10.693,00, cerca de 14 vezes mais que nossa chapa. Vale ressaltar também que houve uma falha grave por parte da Comissão Eleitoral e de ambas as chapas ao não garantirem o direito de voto a estudantes de alguns cursos, em que as respectivas urnas ou não foram abertas ou estavam disponíveis apenas em horários bem limitados devido à falta de mesáries.

Avaliamos que houve um saldo político positivo em São Mateus, onde conseguimos mais votos que a chapa adversária, o que não havia sido possível meses atrás na ocasião do CONUNE, e onde tivemos, como resultado do esforço de agitação e propaganda de nossa militância que atua naquele campus, uma maior aproximação com o Movimento Estudantil de lá, resultando no ingresso de novos militantes nas fileiras do MUP. Contudo, em Alegre e Maruípe, sofremos uma derrota esmagadora, como era de se esperar pelos motivos mencionados anteriormente. Em Goiabeiras, o resultado mostrou uma tendência já esperada devido à inserção das forças em cada curso. O que surpreendeu positivamente foi a vitória de nossa chapa no curso de História, uma vez que este é um reduto forte do Levante Popular da Juventude, uma das forças componentes da chapa Abre Alas.

Como lições que podemos tirar desse processo, entendemos que a UJC deve buscar maior aproximação e diálogo com a base estudantil de Maruípe e Alegre, de forma a entender suas demandas específicas e fortalecer as lutas do Movimento Estudantil desses campi, pavimentando o caminho para a construção de uma Universidade Popular e fomentando a consciência política revolucionária. Além disso, devemos implementar um plano de formação política contínua para nossa militância, levando em conta os aprendizados desse processo eleitoral, principalmente no que diz respeito ao preparo de militantes para participar de debates e demais atividades de agitação e propaganda. Por último, cabe observar que mesmo com todo o desgaste de nossa militância, superestimamos nossas forças inicialmente e isso nos custou caro depois. Portanto, é absolutamente necessário planejar com antecedência a campanha para não cair num “imediatismo”, bem como sempre realizar acúmulos coletivos com toda a militância envolvida, seja antes, durante ou depois do processo.

Núcleo UFES (ES)

25 de novembro de 2023


A que veio a chapa 2?

Nota pública sobre os acontecimentos e acusações realizadas pela chapa 1 em decorrência do debate em Goiabeiras

Nós, da chapa 2 (DCE é pra Lutar), tendo em vista o ocorrido no momento de debate do processo eleitoral do DCE da UFES no campus Goiabeiras, viemos a público declarar nosso posicionamento.

Em primeiro lugar, é crucial destacar que temos plena nitidez da importância e das conquistas do Movimento Negro no Espírito Santo, bem como em todo o Brasil. Esse movimento tem desempenhado um papel fundamental na luta por justiça social, igualdade racial e na promoção da consciência sobre a herança afro-brasileira. As contribuições do Movimento Negro no Espírito Santo foram vitais nos avanços significativos da visibilidade e do combate ao racismo em todas as esferas da sociedade. Portanto, é fundamental destacar que todas as vozes são valiosas nesse movimento e, mesmo em momentos de discordância, não podemos negar a importância histórica e contínua do Movimento Negro em nosso estado e no país. A unidade e o diálogo são essenciais para alcançarmos nossos objetivos de justiça racial. Todavia, é importante reforçar que a liberdade de pensamento e posicionamento político das pessoas negras nesse país foi conquistada a partir de um longo e intenso processo de lutas, que vai desde as históricas rebeliões negras durante a escravatura, e se mantém até os dias de hoje graças às permanentes lutas e mobilizações construidas pelo conjunto do movimento negro. Essa liberdade de pensamento e posicionamento se expressa na pluralidade e amplitude do movimento negro, composto por diferentes organizações, que apresentam relevantes diferenças táticas e estratégicas entre si. Nesse sentido, é necessário pontuar a legitimidade de cada militante negro em ser representado pela organização do movimento que mais lhe contemple.

Dito isso, não podemos tolerar qualquer movimento fracionista que desrespeite ou deslegitime a história de qualquer uma das organizações do movimento negro. A despeito de qualquer diferença, reivindicamos a importância fundamental de cada uma das organizações que construíram em conjunto as lutas do movimento negro e conquistaram suas vitórias. Essas trajetórias, como as do MNU e do FEJUNES, são fundamentais para as lutas sociais aqui travadas no Espírito Santo e para a mobilização do povo negro no estado contra a política genocida promovida pelas forças do Estado, principalmente a Polícia Militar. A história do Movimento Negro brasileiro não pode ser renegada e suas conquistas gerais até o momento são cruciais para a luta contra o racismo, principalmente no que diz respeito à entrada e permanência de estudantes negres nas Universidades públicas do país, e nisso está incluída a UFES. Nesse sentido, lamentamos as falas equivocadas em um momento onde o debate estava muito acalorado, que abriram margem para interpretações negativas quanto à atuação do Movimento Negro. Também lamentamos o equívoco em relação às cotas docentes, reconhecendo que esta é uma luta que já vem sendo tocada há anos na universidade, principalmente pela Associação dos Docentes da UFES.

Apesar disso, não podemos ignorar outro aspecto de grande relevância: as forças políticas da chapa 1 optaram por um alinhamento programático com o Movimento Participa, que segue a linha política do PSB, partido do governador do estado. Este mesmo partido, independentemente de suas alegadas afinidades ideológicas, indicou o Coronel Ramalho, um membro do Podemos, um partido de inclinação de direita, para liderar a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social. É justamente em respeito à significativa trajetória e luta do Movimento Negro que questionamos com veemência: como é possível promover um projeto de segurança contrário à militarização ao se aliar com aqueles que endossaram uma abordagem de direita na segurança pública? Este não é um mero debate superficial com o governo estadual; trata-se, de fato, de uma aliança com o projeto político sustentado pelo PSB, que a chapa 1 se comprometeu a apoiar. Essa associação dificulta consideravelmente a concretização da proposta de retirada da Polícia Militar dos campi da UFES, um objetivo que ambas as chapas afirmam defender de forma contundente.

Outro momento que não podemos esquecer do debate foi quando houve um questionamento, por parte de uma integrante da Chapa 1, direcionada a todo o público “Onde estão as pessoas trans da chapa 2?”. A resposta foi recebida durante o momento do debate, em que uma militante trans da Chapa 2 afirmou a tentativa de apagamento das identidades trans, não binárias e travestis de diverses membres que compõem e constroem a Chapa 2. É muito importante considerar que sentar à mesa de um debate pode ser um momento que demanda muito de militantes, tendo em vista que precisarão lidar com gritos, deboches, entre outros, de forma que só participaram do debate militantes que estavam confortáveis com aquela condição. 9 integrantes compõem a mesa, mas a construção da campanha e das propostas é coletiva, apesar de reconhecermos a importância da representatividade, que foi garantida tanto na inscrição da chapa quanto na presença no dia do debate. Essa mesma militante que precisou recorrer ao direito de resposta para intervir no debate a partir da informação falaciosa de que na Chapa 2 não tinham militantes trans foi ameaçada juridicamente por esta mesma militante do Enfrente após fazer uma citação nominal a esta militante – inclusive, de maneira elogiosa – para realizar um questionamento, que em momento algum de configura como difamação. Este momento foi gravado, inclusive, pelos membros da Chapa 2.

Mais um ponto para ser lembrado foi a postura de usar de colorismo para invalidar muites membres negres da Chapa 2, ao questionarem onde estão os negros da Chapa 2 e muites estarem compondo as cadeiras do auditório. É crucial destacar a importância de entender o que é o colorismo e por que ele é prejudicial no contexto da luta pelo fim do racismo e no movimento negro como um todo. O colorismo é um fenômeno que se refere à discriminação baseada na tonalidade da pele dentro da mesma comunidade racial. Isso significa que, dentro da população negra, por exemplo, pessoas com tons de pele mais claros muitas vezes são privilegiadas em relação àquelas com tons de pele mais escuros. O colorismo perpetua estereótipos prejudiciais e reforça a ideia de que a proximidade com um padrão de beleza eurocêntrico é mais desejável. Acreditamos que o colorismo apenas serve para desviar o foco do verdadeiro inimigo, que é o racismo estrutural que afeta todas as pessoas negras, independentemente de sua tonalidade de pele.

Ser oposição de esquerda no movimento estudantil é se opor às políticas, lideranças ou posições consideradas mais moderadas ou de centro, tendo uma postura crítica em relação às políticas governamentais, à administração das instituições de ensino e à sociedade em geral. No entanto, é importante ressaltar sempre que a oposição de esquerda no movimento estudantil não é homogênea, e diferentes grupos e correntes de esquerda podem ter agendas e estratégias diversas. A diversidade de perspectivas dentro do movimento estudantil contribui para um debate político saudável e construtivo.

Após essas explicações, gostaríamos, em primeiro lugar, de questionar a Chapa 1 sobre a situação em que uma jovem mulher negra da periferia está sendo alvo de críticas online. Será que essa é a visão que vocês têm para a universidade que desejam construir?

Nós acreditamos que podemos ter nos expressado de forma equivocada, mas queremos ressaltar que não houve intenção de desrespeitar o legado do Movimento Negro Unificado (MNU) e o Fórum de Entidades Negras das Universidades Estaduais (FEJUNES).

Portanto, pedimos com sinceridade que tenham cuidado e se comprometam com a saúde das mulheres, jovens e lideranças dessa chapa, pois acreditamos que, da forma como as coisas estão, a vitória de vocês não deve ser à custa da saúde de nossas companheiras.

Chapa DCE é pra Lutar (UJC, MUP, Ecoar e Correnteza)

18 de outubro de 2023