O Saldo Político de 2024: Um Passo à Frente, Dois Passos Atrás?
O ano de 2024 foi marcado por lutas desafiadoras em diversas frentes: greves nacionais, desastres ambientais, eleições municipais, retrocessos na educação, aumento da violência policial, estagnação política das forças progressistas e de esquerda, avanço da direita, ameaças aos direitos reprodutivos das mulheres, luta contra a anistia dos golpistas, debates sobre a jornada de trabalho e, no âmbito internacional, o genocídio do povo palestino perpetrado por Israel. Diante desse cenário, a análise do campo revolucionário deve se debruçar sobre o que ocorreu, o que está em curso e o que deve ser feito. Nesse sentido, a conjuntura brasileira e mundial reflete o avanço do neoliberalismo e as crises estruturais e recorrentes do capitalismo.
No primeiro semestre de 2024, a Greve Federal da Educação foi uma resposta direta aos cortes orçamentários que se intensificaram a partir de 2016, com a aprovação da Emenda Constitucional 95 – o Teto de Gastos –, instituída no governo golpista de Michel Temer. Durante o governo Bolsonaro, esses cortes vieram acompanhados de um recrudescimento dos ataques à educação e à docência. No governo Lula, a política de restrição orçamentária foi mantida pelo Novo Arcabouço Fiscal, redigido pelo ministro Fernando Haddad. Nesse contexto, a greve tornou-se a maior da última década, mobilizando mais de 500 Institutos Federais e 30 universidades em todo o país. Embora centralizada por docentes e técnicos administrativos (TAEs), a mobilização contou com adesão estudantil em várias instituições, como UFF, UFC e USP, onde estudantes decretaram greves e avançaram com suas bandeiras de luta e suas reivindicações nas mesas de negociação.
Apesar do acordo firmado com as entidades classistas da educação federal para encerrar a greve, o governo tem relutado em cumpri-lo integralmente. A política de “déficit zero” nas contas públicas, defendida e praticada à risca pela equipe econômica de Lula em um gesto de submissão ao “mercado”, inviabiliza reajustes salariais robustos e políticas efetivas de valorização do serviço público, especialmente diante da alta taxa de juros praticada pelo Banco Central. Esse cenário se agravou com o anúncio recente do ministro Haddad de um novo arrocho fiscal, que inclui um reajuste menor do salário mínimo e cortes em políticas sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Conquistas do movimento estudantil, como a lei da Política Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), promulgada em julho deste ano, são ameaçadas pela austeridade fiscal. Caso essa política nefasta não seja derrubada nos próximos anos, ela inviabilizará o cumprimento dos mínimos constitucionais para saúde e educação. Enquanto isso, setores governistas da esquerda limitaram-se a uma campanha contra a alta de juros do Banco Central, sem confrontar o dogma neoliberal do “déficit zero” nas contas públicas. Pelo contrário, em entrevista recente, o indicado por Lula para suceder Campos Neto na presidência do Banco Central, Gabriel Galípolo, sinalizou que os juros podem permanecer elevados por mais tempo, evidenciando que não há intenção de romper o paradigma vigente.
Paralelamente, neste ano, o Rio Grande do Sul enfrentou um dos seus maiores desastres ambientais dos últimos tempos, com mais de 400 municípios afetados, mais de 170 mortes e 600 mil pessoas deslocadas. Apesar de agendas globais apontarem para ações como a redução de emissões de carbono, transição energética e fim do desmatamento, a burguesia continua promovendo o agronegócio, que é o responsável pelo desmatamento em larga escala e pela degradação ambiental, junto com a grilagem de terras e a mineração predatória. Essa lógica destrutiva resulta em tragédias que atingem diretamente a classe trabalhadora, sobretudo aquelas pessoas que vivem em áreas vulneráveis ou que não têm condições de se deslocar. Os governos, por sua vez, permanecem inertes, sem investir em políticas de prevenção de inundações, temporais e deslizamentos.
O ano de 2024 também foi marcado pelas eleições municipais, em que a direita tradicional e a extrema-direita dominaram o cenário político por meio de uma ofensiva ideológica, demagógica e reacionária. A esquerda hegemônica, presa à ilusão da social-democracia, não conseguiu apresentar pautas de relevância para a classe trabalhadora nem um programa capaz de atender às suas demandas. Esse esvaziamento dos debates reflete não apenas o afastamento das massas, mas também a descrença na democracia burguesa, expressa no sentimento generalizado de que “nada vai mudar”. Embora as limitações das eleições burguesas sejam evidentes, é importante que a esquerda radical utilize esses espaços para a agitação e propaganda revolucionária, propondo programas populares que apontem para o socialismo e atendam às demandas por moradia, transporte, saneamento básico, educação e saúde públicas, com participação ativa da população na tomada de decisões. Barrar o avanço da direita exige mobilização tanto nas ruas quanto nas urnas, com pautas alinhadas aos interesses populares.
No âmbito legislativo, o avanço de reformas anti-povo se destacou em 2024. Propostas como a PEC das Praias, a PEC do Estupro, além das contrarreformas trabalhista, previdenciária e do Novo Ensino Médio, representam ataques diretos aos direitos conquistados. A PEC do Estupro, aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ), ameaça retirar o direito de mulheres vítimas de violência sexual ao aborto seguro e legal, refletindo o avanço conservador que tem atacado os direitos reprodutivos globalmente. É fundamental que a classe trabalhadora lute contra esses retrocessos e reivindique o direito ao aborto seguro, legal e gratuito para todas as mulheres, sob o lema: “Nem presa, nem morta”.
A Reforma do Novo Ensino Médio é outro exemplo de desmonte educacional, resultado de uma política da burguesia que precariza o trabalho e condiciona a formação escolar da juventude trabalhadora ao neoliberalismo. Assim como desmantelam a previdência e os direitos trabalhistas, também retiram a formação crítica das novas gerações, perpetuando a exploração com salários baixos e jornadas extenuantes. A PEC das Praias, por sua vez, promove especulação imobiliária que destrói áreas litorâneas, prejudica comunidades pesqueiras e ribeirinhas, e ameaça o meio ambiente, enquanto favorece interesses privados, com a construção de resorts e condomínios de luxo. O enfrentamento a essas reformas requer uma política que não sirva à conciliação de classes nem se preste ao papel de balcão de negócios da burguesia, mas que confronte diretamente esses pacotes anti-populares.
A luta pelo fim da escala 6×1 ganhou destaque e se massificou, rompendo os limites da institucionalidade e resgatando o fôlego das históricas mobilizações trabalhistas da primeira metade do século XX. Conquistas como a redução da jornada de até 16 horas diárias para 8 horas, além do direito a férias remuneradas e à aposentadoria, foram frutos da organização de classe e de greves massivas. Contudo, desde a década de 1990, o aparelhamento e o desmonte político dos sindicatos, somados ao processo de desindustrialização e ao crescimento da informalidade e de modalidades precarizadas de trabalho – intensificadas após a contrarreforma trabalhista –, enfraqueceram significativamente essas mobilizações. Nesse contexto, as pautas trabalhistas e sindicais foram progressivamente pulverizadas e desorganizadas, comprometendo a coesão e a unidade da classe trabalhadora em torno de reivindicações essenciais.
Como consequência, as mobilizações passaram a ter menor alcance nacional e maior foco local, frequentemente enfraquecidas pela fragmentação das bandeiras de luta e pela redução dessas pautas a questões meramente econômicas, deixando de lado seu caráter político. No entanto, a conjuntura atual aponta para a necessidade de resgatar uma bandeira unitária que unifique a classe trabalhadora em torno de objetivos comuns. Nesse contexto, é essencial hoje levantar palavras de ordem como o fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho máxima para 30 horas semanais, sem redução salarial, assegurando que a classe trabalhadora tenha tempo para viver e não apenas para trabalhar.
No plano internacional, o genocídio promovido pelo Estado sionista de Israel contra o povo palestino escancara a hipocrisia dos grandes líderes mundiais. O governo brasileiro, além de manter relações diplomáticas, continua comprando armas desse Estado assassino – armas que são usadas contra a juventude negra e periférica no Brasil. Os bombardeios incessantes, a destruição e a desumanização deixam um rastro de desespero, enquanto a comunidade internacional permanece inerte diante dessa tragédia.
A luta contra o imperialismo deve ser conduzida de forma solidária e internacionalista, denunciando os massacres e mobilizando esforços pela autodeterminação dos povos. Nesse contexto, a ruptura de quaisquer relações diplomáticas ou comerciais com Israel se apresenta como uma tarefa urgente e necessária para aqueles comprometidos com a soberania dos povos.
Por fim, é essencial refletir sobre as lições do último período e, com base nessas experiências, planejar uma atuação sólida e estratégica nas bases para o próximo ciclo. Isso implica fortalecer o trabalho de base no movimento estudantil, tanto no nível secundarista quanto no universitário, por meio da construção de grêmios, centros acadêmicos e demais entidades de luta. Também é indispensável expandir a atuação nos bairros, nos movimentos populares, na cultura e entre os jovens trabalhadores, com o objetivo de organizar a classe trabalhadora de forma ampla e combativa. Nesse contexto, é fundamental levantar as bandeiras de luta mais urgentes, colocando-as no centro da agenda de mobilização, rumo ao Poder Popular e ao socialismo.
Abaixo a escala 6×1! Pela redução da jornada de trabalho máxima para 30 horas semanais sem redução salarial!
Em defesa das liberdades democráticas! Sem anistia para os golpistas! Prisão para Bolsonaro e para todos os articuladores e financiadores da tentativa de golpe!
Basta de violência contra as mulheres! Não à PEC do estuprador! Direitos reprodutivos já: aborto legal, seguro e gratuito pelo SUS!
Chega de cortes de direitos! Pelo fim da austeridade fiscal! Orçamento para o povo, não para a burguesia!
Derrubar as contrarreformas trabalhista, previdenciária e do ensino médio! Avançar na construção de um futuro digno para a juventude!
Coordenação Nacional da União da Juventude Comunista
16 de dezembro de 2024
Referências
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UNIDADE CLASSISTA. Boletim da Unidade Classista no ANDES, SINASEFE e FASUBRA. Edição abril de 2024. Disponível em: https://unidadeclassista.org.br/artigos/boletim-unidade-classista-no-andes-sn-sinasefe-e-fasubra-abril-de-2024/. Acesso em: 10 de dezembro de 2024.
PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB). Combater a extrema-direita e os pacotes antipopulares!. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/32313. Acesso em: 10 de dezembro de 2024.
PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB). Tirem as mãos das nossas praias!. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/31753. Acesso em: 10 de dezembro de 2024.
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UNIÃO DA JUVENTUDE COMUNISTA (UJC). As Eleições Burguesas e suas Desesperanças: Que Lições Podemos Tirar?. Disponível em: https://ujc.org.br/eleicoes-2024-que-licoes-podemos-tirar/. Acesso em: 10 de dezembro de 2024.
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