Home Opinião ”Promessa razoável de pobreza” ou ”mentira populista”: o dilema do reformismo social-democrata nos países subdesenvolvidos
”Promessa razoável de pobreza” ou ”mentira populista”: o dilema do reformismo social-democrata nos países subdesenvolvidos
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”Promessa razoável de pobreza” ou ”mentira populista”: o dilema do reformismo social-democrata nos países subdesenvolvidos

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Por Allefy Matheus, colaborador do site da UJC-Brasil

”Os dois ingredientes inerentes a toda dominação burguesa — isto é, a violência física e a manipulação ideológica — não podem ser dosados à vontade em qualquer parte do sistema, pois o índice de predomínio de um ou outro elemento corresponde a uma lei estrita: a do desenvolvimento desigual das contradições do capitalismo.” 

– Agustín Cueva 

”Desenvolvendo sua economia mercantil, em função do mercado mundial, a América Latina é levada a reproduzir em seu seio as relações de produção que se encontravam na origem da formação desse mercado e que determinavam seu caráter e sua expansão. Mas esse processo foi mercado por uma profunda contradição. Chamada a coadjuvar a acumulação de capital com base na capacidade produtiva do trabalho, nos países centrais, a América Latina teve que fazê-lo mediante uma exploração fundada na superexploração do trabalhador.” 

– Ruy Mauro Marini

”A luta de classes não é um processo que age em um marco estrutural: a luta de classes é a síntese das condições em que os homens produzem sua existência e se acha, por isso, regida por leis que determinam seu desenvolvimento.” 

– Idem 

I. Riqueza (ou Economia)

O nível da capacidade produtiva de riqueza de uma sociedade, como fluxo de bens e serviços que ela é capaz de produzir, é determinada pela sua dotação de meios de produção (meios de trabalho, i. e., máquinas e ferramentas, e objetos de trabalho, i. e., matérias-primas) e força de trabalho, bem como a qualidade dos mesmos, além do conhecimento científico e tecnológico; juntos, tais elementos determinam a produtividade social do trabalho ou produtividade do trabalho social, i. e., o que o trabalho daquela sociedade pode produzir, e o ”produto potencial”, ou seja: o seu nível máximo de produção. A regra é: quanto mais desenvolvidas aquelas forças produtivas sociais, maior a riqueza que pode ser produzida.

A distribuição dessa produção é determinada pelas instituições desta sociedade. Por exemplo: pelo regime e pela distribuição da propriedade dos meios de produção, legislação sobre remunerações, acordos, impostos e tributos, etc. Trata-se de um processo conflituoso, no qual indivíduos e grupos disputam por uma maior parcela do produto social para si. Para um dado nível de produto, estes indivíduos ou grupos usarão tanto menos a tentativa de convencimento e tanto mais a força quanto maior for a parcela do produto social que desejarem para si.

Embora a humanidade tenha até hoje, passado por diversos modos de produção social, o que vigora na maior parte do mundo atual é o capitalismo. Neste, uma reduzida parte da população detém os meios de produção como propriedade privada e/ou ativos que lhes fornecem rendimentos permitindo-lhes viver consumindo a riqueza (bens e serviços) que foi produzida por aqueles que precisam vender sua força de trabalho por um salário para sobreviver e que são a maior parte da humanidade — os trabalhadores. A este ”parasitismo” social, Marx chamou ”exploração”, e notou que ele não é exclusivo do modo de produção capitalista: a escravidão antiga, a servidão, a escravidão de negros e indígenas na modernidade foram todas relações sociais através dos quais uma parte da população, detentora dos meios de produção, extraíam do trabalho dos produtores diretos (escravos ou servos) um trabalho excedente materializado em produto excedente que lhes servia de meio de consumo ou de investimento (isto é, para aumento do aparelho produtivo). O próprio processo produtivo é, portanto, conflituoso, na medida em que a classe social detentora dos meios de produção impõe o esforço produtivo sobre os produtores diretos, os trabalhadores.

Na economia mundial, diversas sociedades nacionais distintas realizam intercâmbio material, sob a forma social de comércio. Mas tais sociedades não têm forças produtivas homogêneas: alguns países são muito mais dotados de recursos naturais úteis na produção, por exemplo; outros têm ciência e tecnologia muito mais avançados — e, consequentemente, meios de produção mais eficientes e uma maior produtividade social do trabalho. Historicamente, países europeus e alguns não-europeus, como Canadá, EUA e Japão, concentraram em si forças produtivas altamente desenvolvidas quando comparadas ao resto do mundo; um processo sem dúvida relacionado com a prática do colonialismo e do imperialismo, através do qual a riqueza dos países periféricos era transferida a tais países centrais (pela estrutura de preços do mercado mundial, pela prática financeira dos países centrais, pela participação direta de investidores estrangeiros em nossas economias ou pela pilhagem pura e simples). O fato é: graças a essa sucção de riqueza e a um maior desenvolvimento das forças produtivas, os países centrais apresentam um maior ”bolo de riqueza” (o produto social) a ser distribuído entre seus habitantes, divididos em classes, extratos de classes etc.

Os países da periferia mundial, por seu lado, vivem situação bastante diferente. Sua produtividade social do trabalho é bem mais baixa e eles sofrem a transferência de riqueza mencionada anteriormente. Assim, com um produto social por habitante (grosso modo, o PIB per capita) muito menor, as classes proprietárias locais, caso desejem um grau de opulência material similar às suas contrapartes nos países desenvolvidos, precisam concentrar relativamente muito mais renda em suas mãos, e portanto a dominação que exercem sobre os trabalhadores de seus países se dá de forma a empregar a força mais intensa e extensamente que a dominação de classe exercida nos países centrais. Os sistemas políticos de tais países são, também, muito mais fechados à participação e à satisfação das demandas da vasta maioria da população (os trabalhadores), como forma de manter o montante ”adequado” da riqueza social nas mãos das classes proprietárias. Esses trabalhadores, por outro lado e consequentemente, têm condições de vida profundamente inferior às de seus companheiros de classe nos países centrais: acumulação capitalista de riqueza, aqui, se dá sob a forma de jornadas de trabalho longas e intensas e de salários incapazes de satisfazer as necessidades sociais da classe trabalhadora.

(Ressalte-se: sob a base de uma condição de vida muito pior para as massas de seus países, garantida pela violência de seus Estados e demais braços armados e por suas democracias restringidas, as classes proprietárias dos países periféricos conseguem uma vida que lhes satisfaz, sem precisar estressar-se com o desenvolvimento econômico nacional e/ou os problemas da concorrência nos mercados dos bens tecnologicamente superiores cuja maior parte do ”valor adicionado” é pertence aos países centrais. Seu parasitismo social, pouco frutífero para as populações que exploram, é-lhes uma posição cômoda e satisfatória.)

Se a dominação de classe em nossos países periféricos, subdesenvolvidos, com inferior produtividade social do trabalho e que sofrem transferência de riqueza para os países centrais se dá então de forma muito mais violenta que nos países centrais, os trabalhadores precisam de formas e níveis de organização de classe e ofensiva classista superiores às dos trabalhadores dos países centrais para obter, digamos, o mesmo padrão de bem-estar material (ou, o que é mais factível, um padrão de bem-estar relativamente menor) em termos de poder de consumo e condições de trabalho e de vida, no geral. E isto nos leva a outra discussão.

II. Poder (ou Política)

Os trabalhadores, produtores diretos da riqueza, sempre reagiram à sua exploração; revoltas de escravos, por exemplo, são conhecidas há milênios. Na atualidade, os trabalhadores, dentre outras formas de organização para resistir à exploração, criaram sindicatos e partidos que, ao menos a priori, deveriam lutar pelo interesse de suas categorias e/ou classe. Uma grande contribuição para essa organização sem dúvida se deu com a obra de Karl Marx, o qual produziu uma obra que ainda é a maior referência intelectual para a compreensão do modo de produção capitalista. Essa obra, entretanto, também inclui a orientação política de que a classe trabalhadora — os proletários, explorados em todo o mundo — deveriam, para libertar-se (e à humanidade) da exploração e da pobreza, transformar revolucionariamente o mundo, tomando o poder do Estado e estabelecendo uma ditadura de classe — a ditadura do proletariado — contra as classes proprietárias, socializando os meios de produção que antes eram propriedade privada e desenvolvendo as forças produtivas para construir o futuro comunista.

A partir da contribuição de Marx, trabalhadores em todo o mundo organizaram-se com a finalidade de realizar a revolução socialista em seus países e continentes. Mas nem todas as organizações supostamente proletárias ou de inspiração dita marxista afirmaram ou afirmam o objetivo de realizar a transição para o modo superior, comunista, de produção, e de fazê-lo através da revolução socialista. Uma parte considerável delas, na verdade, assumiu-se como reformista, isto é: negou a necessidade da revolução socialista e declarou sua submissão aos sistemas eleitorais nacionais. As eleições, e não o conflito violento contra a classe proprietária e seus braços armados, dizem, seriam o canal através dos quais tais organizações melhorariam as condições de vida dos trabalhadores. Não á violência, mas sim a busca pacífica pelo consentimento da população! Estas organizações, particularmente no século XX, ficaram conhecidas como social-democratas, defensoras de um Estado de Bem-Estar Social que foi praticado nos países centrais (mais intensamente na Europa que nos EUA) durante o que ficou conhecido como a Era de Ouro (1945-1970).

Todavia, se nos países centrais, ricos, como dissemos, a organização e atuação dos trabalhadores sob um horizonte reformista pode render às suas classes trabalhadoras ganhos de bem-estar consideráveis, a depender de certas condições, nos países periféricos — onde, como dissemos, o conflito distributivo é muito mais acirrado e a dominação de classe exige muito mais violência e restrições à democracia —  o reformismo social-democrata, ao condenar e rejeitar a organização revolucionária dos trabalhadores, só pode ser duas coisas: uma promessa razoável (‘reasonable’), ”aceitável”, de pobreza, haja visto que nega aos trabalhadores a forma suprema de pressionar a classe dominante e retirar de suas mãos a riqueza que nelas se concentra, ou uma ”mentira populista”, i. e., uma promessa, feita aos trabalhadores, de que sua vida irá melhorar consideravelmente — quiçá se equiparar ao nível daquela dos habitantes dos países centrais! — através da atuação de governos eleitos periodicamente.

Em ambos os casos, têm-se uma atitude que um marxista não pode julgar senão como indigna perante os trabalhadores dos países subdesenvolvidos: prometer e entregar a eles migalhas, quando podem conquistar um mundo, ou enganá-los pura e simplesmente e ainda mantê-los sob as terríveis condições de pobreza e exploração em que se encontram.

Poder-se-ia argumentar, porém, que um governo reformista social-democrata poderia ser promover o desenvolvimento acelerado das forças produtivas e, assim, garantir que as condições de disputa pela riqueza socialmente produzida permitissem um grau cada vez mais alto de ”civilidade”. Caso os trabalhadores preferissem as virtudes da ”paz” social a uma vinda mais rápida, porém ao custo de um conflito de classe mais violento, dos benefícios de uma maior parcela na riqueza socialmente produzida e tivessem paciência, a estratégia revolucionária socialista seria portanto dispensável.

A resposta comunista revolucionária a esse discurso é que, dentre outras coisas, a suposta ”paz” social já faz muitas vítimas entre nossa classe — vítimas das balas dos braços armados do Estado, vítimas da atenção insuficiente do poder público em termos de provisão de bens e serviços públicos, vítimas da incapacidade de desenvolver seus potenciais devido à pobreza e/ou o excesso de trabalho; que a nossa classe dominante está muito satisfeita com sua condição de classe-piloto de uma economia nacional subdesenvolvida e precária, não desejando os estresses e cuidados necessariamente ligados com o processo de desenvolvimento econômico; que foi uma brutal ditadura capitalista, que empobreceu os trabalhadores, concentrou a renda e perseguiu e matou militantes trabalhistas e socialistas (dentre outros), quem promoveu o desenvolvimento das forças produtivas nacionais sob a forma social capitalista; e, finalmente, que o governo dos trabalhadores pelos trabalhadores e para os trabalhadores, sob o sistema de propriedade socialista dos meios de produção, já provou sua capacidade de desenvolver rapidamente as forças produtivas, como mostra o exemplo da industrialização ultra-rápida realizada pela União Soviética para se preparar para a Segunda Guerra Mundial e possíveis ofensivas das potências imperialistas — além da possibilidade de realizar mudanças para superar e corrigir os erros presentes nesse modelo histórico.

Enfim, contra a subordinação do destino da classe trabalhadora, dos explorados de todo o mundo e particularmente dos países subdesenvolvidos da periferia mundial, ao projeto e à liderança dos parasitas exploradores do trabalho alheio, nós, os comunistas, declaramos sem pestanejar: viva à revolução socialista mundial e ao autogoverno dos trabalhadores!