Portaria 492: Contra a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo”
No último mês, o Governo Federal, em ação conjunta dos Ministérios da Saúde e Educação, instituiu a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo”, por meio da Portaria 492/2020, que convoca alunos dos cursos de saúde (Enfermagem, Fisioterapia, Farmácia e Medicina) para o enfrentamento da pandemia de Covid-19. Essa medida, organizada e aplicada sem qualquer diálogo com os movimentos sociais, entidades estudantis e Instituições de Ensino Superior, é mais uma demonstração do despreparo do Governo Bolsonaro para lidar com um momento tão crítico da saúde pública brasileira.
A União da Juventude Comunista repudia tal medida e, entendendo que o momento demanda ações emergenciais, apresenta propostas de mediações para a inserção de alunos de graduação no combate à pandemia.
A inserção de estudantes nos últimos anos de formação no caótico cenário que a saúde brasileira vive hoje não deve ser a primeira alternativa para ampliação do corpo de trabalhadores. Medidas enérgicas de recrutamento e contratação de profissionais para o Sistema Único de Saúde devem ser prioridade. Defendemos que tais contratações devem ser realizadas via Secretaria de Saúde, com vínculo direto do trabalhador com o SUS, sem intermédio de Organizações Sociais de Saúde ou Fundações Hospitalares – mecanismos históricos de terceirização e enfraquecimento de vínculos empregatícios na rede de atenção em saúde brasileira.
É fundamental que os profissionais recrutados, devidamente treinados e contratados, sejam mantidos na estrutura do SUS após a crise de Covid-19, aumentando o número de trabalhadores na rede. Afinal, a necessidade de mais profissionais no sistema já se evidenciava antes mesmo da crise provocada pelo novo coronavirus, e neste momento só se mostra mais explícita.
Isto posto, afirmamos que é apenas nos casos específicos de esgotamento da possibilidade de recrutamento de profissionais formados que a convocação de estudantes deve ser cogitada. Caso contrário, se tratará apenas de uma alternativa barata para a inserção de profissionais ainda não formados para lidar com pacientes.
As experiências em países que vivem momentos mais avançados da pandemia, porém, mostram que na maioria dos casos o esgotamento da estrutura do serviço em saúde se dá pelo limite da capacidade instalada (leitos em UTI, respiradores, ambulâncias, medicamentos, etc.) e não pela falta de profissionais. Nesse sentido, a convocação de estudantes pode representar mais riscos do que soluções: indivíduos não formados, circulando entre os ambientes hospitalares e suas residências, podem favorecer a propagação da infecção, ao mesmo passo em que são de pouca ajuda se comparados a profissionais já devidamente formados e mais capacitados para a atuação em serviço nesse momento.
Nesse sentido, é fundamental que a convocação de estudantes parta de critérios objetivos que provem a real necessidade de mais profissionais no serviço. O formato apresentado pelo Ministério da Saúde vai na contramão dessa objetividade ao descartar as Instituições de Ensino Superior do processo, jogando no colo dos estados e municípios a possibilidade de convocar estudantes sem comprovar a devida necessidade.
A Universidade e a ciência, fortemente golpeadas pelo bolsonarismo, deveriam ter papel central nesse processo. As Faculdades de Saúde devem fazer parte dessa análise, junto às prefeituras e aos serviços de saúde, buscando quais os limites de estrutura e mão de obra caso a caso e, provada a necessidade, propondo alternativas para solução desse déficit.
É apenas nesse cenário, a partir de relatórios produzidos em parceria entre as Instituições de Ensino Superior e as secretarias municipais e estaduais de saúde, que a convocação de estudantes deve ser tratada como uma alternativa.
As evidências demonstram, atualmente, que a única medida eficaz para achatar a curva de transmissão da doença foi o isolamento social. Assim, os serviços de saúde devem se estruturar de forma a receberem apenas atendimentos essenciais nesse período – de urgência e emergência – para manter a aplicação séria das medidas de isolamento social. Nesse sentido, defendemos a suspensão do internato e dos estágios em saúde, entendendo o prejuízo para a formação de uma atuação meramente protocolar para sintomáticos respiratórios e casos emergenciais neste momento, devendo haver contratação de profissionais já formados para tanto. Deve-se, nesse período, promover a capacitação adequada aos estudantes, de modo a que, caso sejam necessários devido a sobrecarga de profissionais, estejam mais preparados para atuar.
Defendemos, também, que nessa convocação tratem-se de estágios não obrigatórios e remunerados, com o devido treinamento, preceptoria e acesso a Equipamentos de Proteção Individual garantidos. Ressaltamos que não só aos estudantes, como a todos os profissionais envolvidos nas unidades de saúde devem ser fornecidos Equipamentos de Proteção Individual adequados, assim como materiais de limpeza que de fato consigam eliminar o vírus.
Visando o não prejuízo de estudantes que não podem se colocar no combate à pandemia, como indivíduos em grupo de risco, ou aqueles com pessoas próximas infectadas ou com obrigações familiares durante a quarentena, defendemos que não deve haver qualquer bonificação em provas de residência para os estagiários ou validação nos estágios curriculares de internato da carga horária cumprida em atendimento durante esse programa.
Outra medida atropelada proposta pelo Governo Federal é uma regulamentação única para o adiantamento das formaturas dos estudantes de saúde próximos à conclusão do curso. O adiantamento da formatura não deve ser visto como um problema por si só, mas, tendo em vista a diversidade de currículos e de programas de internato e estágios obrigatórios nas universidades brasileiras, seria necessário a avaliação de cada caso e de suas particularidades para um melhor entendimento sobre a possibilidade ou não desse adiantamento das formaturas. Portanto, assim como as demais medidas, defendemos que a melhor inclusão dos corpos docentes e estudantis nessa decisão resultaria em análise qualificada e menos atropelada.
Deve ser construído um diálogo com cada Instituição de Ensino Superior, as entidades estudantis (UNE, UEEs, Executivas de Saúde e entidades de base) e as devidas Secretarias de Educação e o MEC para analisar o grau de conclusão curricular e viabilidade de colação de grau ou não para esses estudantes. Por isso, é necessária a revogação da portaria 374/2020 e a elaboração de nova regra que contemple os pontos aqui levantados.
Considerando o afastamento dos médicos residentes de sua área de formação, seu possível recrutamento para atuação no combate à pandemia e o prejuízo formativo representado por esse período, bem como o atraso dos calendários acadêmicos para os estudantes do internato ou a abreviação de seu curso para seguir o calendário com prejuízos acadêmicos, defendemos também o adiamento dos processos seletivos dos programas de residência em saúde.
Por fim, é fundamental denunciar o quanto a existência de um setor privado é danosa para a saúde pública de um país. Para além da criminosa exclusividade de acesso a leitos de UTI, serviços e equipamentos representada por planos privados e hospitais particulares, a descentralização da gestão da mão de obra é fator central nas dificuldades que enfrentamos nesse período. Um Sistema realmente Único de Saúde, que empregasse todos os trabalhadores de saúde do país, permitiria uma organização racional e eficiente da estrutura instalada e da mão de obra nacional. O momento evidencia, mais do que nunca, a necessidade da estatização de toda a estrutura de assistência médica nacional.
Contra a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo”!
Pela revogação imediata das portarias 356/2020, 374/2020 e 492/2020!
Por um debate democrático e científico, que inclua a Universidade, os movimentos sociais e as entidades estudantis!
Pela contratação de profissionais com vínculo direto com o SUS e com permanência na rede!
Pelo adiamento dos processos seletivos de residência!
Pela estatização de todo o serviço de saúde nacional!
Em defesa do SUS 100% estatal, público, gratuito e universal!
Fora Bolsonaro e Mourão!