
Na última terça-feira (28/10), o Brasil assistiu, no Rio de Janeiro, a mais um capítulo da guerra contra o povo trabalhador: uma megaoperação policial ordenada pelo governo de Cláudio Castro paralisou a cidade, interrompeu aulas e serviços, deixou a população sem meios de se locomover e transformou favelas em zonas de guerra, com recorde de mortos.
Enquanto isso, há semanas, no Mato Grosso do Sul, a Polícia Militar atua ao lado de fazendeiros e pistoleiros contra as retomadas Guarani-Kaiowá. Essa violência não é “excesso”, “erro” ou “abuso”, mas a expressão orgânica de um projeto de repressão contra os de baixo. Esses são apenas alguns dos exemplos de como essa lógica militarizada não funciona.
Quais são os resultados dessas operações? E por que lutamos pela desmilitarização da polícia? O resultado desse modelo é previsível: os índices de violência não diminuem; ao contrário, nunca foram tão altos. A origem e o fortalecimento das maiores organizações de narcotráfico no Brasil são consequências da violência policial, que é incapaz de eliminar a violência social; ela a reproduz, aprofunda e, muitas vezes, a agrava.
Por isso, defender o fim da Polícia Militar não é defender a desordem ou a insegurança, muito pelo contrário: a insegurança é precisamente aquilo que já existe hoje nas periferias urbanas e no campo, sustentada pela lógica militarizada de repressão. O que defendemos é o fim de uma instituição concebida para proteger a propriedade privada, oprimir e violentar a classe trabalhadora, garantir os lucros da burguesia e sufocar qualquer forma de organização e resistência popular.
Segurança de verdade só existirá quando estiver sob controle popular e vinculada à justiça social. Por isso afirmamos: não queremos reformar a Polícia Militar, queremos extingui-la.
É impossível reformar uma instituição que tem raízes diretas no colonialismo. Nasceu da repressão aos quilombos e das tropas que serviam aos senhores de escravo. Foi criada, desde o princípio, para perseguir, encarcerar e matar negros, pobres, indígenas e trabalhadores. É herdeira dos capitães do mato e das guardas coloniais. Não é uma instituição “desviada”; é coerente com sua origem de classe.
Durante a ditadura militar, a PM foi transformada numa força de ocupação permanente contra o povo. Sua estrutura é militarizada, sua formação é orientada para “combater inimigos internos” e sua doutrina trata trabalhadores como ameaça. A Constituição de 1988 manteve a PM para “garantir a ordem”, isto é, para proteger a ordem burguesa contra a organização popular. A democracia dos ricos apenas legalizou a repressão.
É um equívoco dizer que a militarização da segurança pública “fracassou” ou que “a polícia é mal preparada”. Essa narrativa é uma cortina de fumaça. Na verdade, a polícia brasileira é muito bem preparada para fazer exatamente aquilo para o qual foi criada: reprimir o povo pobre, negro e indígena e proteger a propriedade privada e os interesses do capital. A violência policial não é falha, é método.
A militarização não foi feita para reduzir conflitos, mas para produzir terror social e manter o povo sob controle. Por isso a PM invade favela, mas nunca condomínio de luxo; mata trabalhadores pobres, mas protege latifundiário assassino; ataca retomada indígena, mas escolta despejo ilegal. A função da PM não é garantir segurança, é garantir a ordem de classe, a ordem dos ricos contra os trabalhadores.
No campo, a PM funciona como pistoleira do latifúndio. Serve a grileiros, empresas de agronegócio e fazendeiros. Ataca aldeias, garante despejos ilegais, protege invasores de terras e reprime violentamente retomadas de territórios tradicionais. As ofensivas contra retomadas fazem parte de um projeto de genocídio indígena para abrir caminho ao lucro do agronegócio. A PM é instrumento direto dessa política de ocupação e extermínio.
Nas cidades, a chamada “guerra às drogas” é pano de fundo para o genocídio da população preta nas periferias. Em 2023, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a polícia matou mais de 6.400 pessoas; 81% eram negras. Isso não é coincidência. É política de Estado. É genocídio.
Enquanto a PM finge combater o tráfico nas favelas, os verdadeiros chefes do crime continuam intocados: grandes empresários, milicianos, políticos, banqueiros e operadores do mercado financeiro que lavam dinheiro de facções como o PCC, como revelou o escândalo da Faria Lima. A polícia não tem coragem de invadir seus escritórios de luxo ou condomínios fechados; ao mesmo tempo, é a própria estrutura do Estado, através de setores das polícias e forças armadas, que alimenta o crime com armas e munições de uso restrito. Afinal, como explicar que facções tenham acesso a fuzis, granadas e equipamentos de guerra que só entram no país com conivência e participação de agentes públicos? Enquanto essa engrenagem garante lucro para os de cima, a polícia militar mantém sua função: reprimir, matar e controlar o povo preto e pobre.
Lutamos por uma segurança pública popular, civil e desmilitarizada, que enfrente de verdade o crime organizado, inclusive suas conexões com milícias e elites econômicas, e acabe com a farsa genocida da “guerra às drogas”, avançando rumo à descriminalização, legalização, redução de danos e justiça social;
Defendemos o fim do encarceramento em massa, a responsabilização de agentes do Estado por violência e assassinatos, e a extinção das forças de repressão militarizadas. No lugar da PM, defendemos um sistema de segurança com controle popular democrático, transparência pública e participação das comunidades trabalhadoras na fiscalização do uso da força, sem qualquer espaço para milícia, justiça privada ou vigilantismo.
Segurança de verdade não se resolve com mais armas, e sim com justiça social, reforma agrária popular, demarcação das terras indígenas, acesso digno a trabalho, moradia, educação e saúde para a classe trabalhadora.
Por Hideyuki, militante da UJC no Mato Grosso do Sul
Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil.
 
 



