
Esse texto é parte de um projeto de análise da juventude baiana, mas que faz parte de uma leitura macro da juventude brasileira. A parte dois deste texto vem para fazer um corte mais específico, que foi tangenciado no texto “Perfil da Juventude Baiana”, publicado há quase um ano atrás. Nesse sentido, quando o primeiro texto foi desenhado, surgiu uma atenção mais específica à questão da violência urbana e policial e a juventude baiana, e com isso este texto nasce.
No dia 29 de setembro, um jovem de 16 anos foi alvejado pela Polícia Militar (PM) no bairro de São Marcos, na capital baiana. Quase de imediato, vizinhos e moradores do bairro que conheciam o jovem se manifestaram fortemente contra a ação da polícia, que estava fortemente armada. Segundo testemunhas, a mãe do jovem estava em desespero por ter presenciado a morte do filho, que foi atingido por diversos tiros. Esse é mais um caso que se soma às costas do braço armado do Estado, que se mantém não só impune, mas convicto de que seu papel é matar pessoas negras e pobres. Os dados demonstram a concretude da situação: de acordo com o Instituto Fogo Cruzado, de 2022 até agora, Salvador e a Região Metropolitana já registraram 100 chacinas.
Ainda no mês de setembro, 12 pessoas foram mortas no bairro de Fazendas Coutos; esses episódios se somam à chacina do Cabula, em que mais 10 pessoas foram mortas e, mesmo depois de mais de 5 anos, não houve nenhum culpado. É importante salientar que, a partir dos investimentos do Governo do Estado, a Polícia Militar tem o armamento de um exército: a guerra velada agora se encontra em campo aberto. Além disso, espelhando-se na tática ostensiva da PM, a prefeitura da capital arma sua Guarda Municipal a nível de amedrontar a população constantemente.
Desse modo, a Bahia entra no ranking por possuir sete das dez cidades mais perigosas do país, com altos índices de mortes por arma de fogo. Outro fator relevante, ainda segundo dados do Fogo Cruzado, é que quase 70% das mortes por arma de fogo são originadas de armas registradas pelo Estado, ou seja, pela Polícia Militar. Paralelo a isso, Salvador possui mais de 5 mil crianças em estado de desnutrição, assim como é a capital do desemprego. No que tange às questões de educação, dezenas de escolas foram fechadas em todo o estado, bem como a militarização das escolas que possuem as melhores estruturas. Portanto, esses jovens são vigiados pela força armada do Estado em sua permanência na escola. Essa realidade para a população baiana se arrasta por décadas e tem seus momentos de arrefecimento e de intensidade. Em relatos, alguns bairros da capital já passaram por sete horas ininterruptas de tiros, assustando toda a população com tamanha violência, provocando, muitas vezes, paralisação de transporte público e escolas, postos de saúde e comércio fechados.
Esse modus operandi da segurança pública não é exclusividade da Bahia, mas sim de um projeto burguês e capitalista fantasiado de Guerra às Drogas, que compõe um escopo de morticínio e encarceramento em massa. Nesse processo, é imprescindível salientar que o que ocorre com a classe trabalhadora e seus filhos e filhas não é somente a retirada de direitos civis e sociais, mas sim a retirada do direito a viver. Dessa forma, isso se soma às jornadas de trabalho exaustivas, precárias condições de vida e constante ataque à classe trabalhadora.
Diante disso, o debate racial e, consequentemente, o Movimento Negro que ainda possui o mínimo de seriedade com a causa, essencialmente precisa se centrar nas questões urgentes da classe trabalhadora: o fim do capitalismo. O racismo se mantém não só como estrutura, mas como estruturante do capitalismo, ou seja, se a população questionar de forma organizada e coesa, com a indignação que esse quadro geral provoca, iremos içar a possibilidade de derrubar um dos sustentáculos do capital. Entretanto, não há lugar para apriorismos: o racismo só findará com o fim do capital, pois só por meio de uma sociedade socialista há possibilidade da superação do racismo.
Nas maiores revoluções na África e na Ásia no século XX, centrou-se no questionamento e indignação dos maus-tratos e mortes em massa da população, compreendendo que aquilo era orquestrado. É chegado a hora de fazer esses grandes questionamentos às estruturas, ao aparato, pois as pessoas já estão morrendo em massa. Quando nos voltamos para essas experiências do século passado, Samora Machel relata que atingir o epicentro do capitalismo naquele local faz abalar as estruturas e, uma vez abaladas, sua derrubada é possível. Que o ódio à sociedade de classes não seja fugaz e inconstante, mas contínuo e disciplinado.
Por Cheyenne Ayalla, militante da UJC na Bahia
Foto: Jamile Novaes / Instituto Odara
Referências
AGÊNCIA BRASIL. Instituto Fogo Cruzado alerta para violência policial na Bahia. Agência Brasil, Brasília, DF, 27 mar. 2025. Seção Direitos Humanos. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2025-03/instituto-fogo-cruzado-alerta-para-violencia-policial-na-bahia. Acesso em: 4 out. 2025.
FOGO CRUZADO (Instituto). Grande Salvador: Agosto de 2025. Rio de Janeiro: Instituto Fogo Cruzado, [2025]. Relatório Mensal. Disponível em: https://fogocruzado.org.br/dados/relatorios/grande-salvador-agosto-2025. Acesso em: 4 out. 2025.
GOMES, Linda; OLIVEIRA, Paulo. Militarização avança nas escolas públicas da Bahia. Projeto Colabora, 19 maio 2022. Seção ODS 4. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods4/militarizacao-avanca-nas-escolas-publicas-da-bahia/?amp=1. Acesso em: 4 out. 2025.
PAULO, João. Desemprego em Salvador foi de 9,7% no 4º trimestre de 2024, diz IBGE. Bahia Econômica, 14 fev. 2025. Disponível em: https://bahiaeconomica.com.br/wp/2025/02/14/desemprego-em-salvador-foi-de-97-no-4o-trimestre-de-2024-diz-ibge/. Acesso em: 4 out. 2025.