Odebrecht é acusada de trabalho escravo em Angola: a verdadeira face da política internacional do Brasil
*Bernardo Soares
Ainda predomina no imaginário de um determinando setor político, incluindo aí grupos da esquerda, que o governo PT desenvolve uma política externa progressista. Num primeiro momento, isso pode parecer se confirmar, uma vez que, diferentemente do PSDB, ele se propõe a conversar com a Venezuela, acena uma aproximação com Cuba, sinaliza um apoio aos processos de paz na Colômbia e se mostra mais aberto a diálogos com países de governos progressistas, como Bolívia e Equador.
O que deixam de mostrar é que, por trás dessa movimentação, há uma política extremamente funcional aos interesses dos grandes monopólicos. Por trás de qualquer inauguração de rodovias na Venezuela, na construção de portos em Cuba, em uma comitiva de visita à África, está escondida uma orientação que expressa o grau de desenvolvimento alcançado pelo Brasil nos últimos anos, chegando a ocupar o posto de 7ª maior economia do mundo, alcançando um progresso de monopolização de capitais e expansão de várias empresas, através do financiamento estatal para outros países.
Parece que nem a presença do exército brasileiro no Haiti, que coleciona diversos casos de violação aos direitos humanos, nem mesmo as palavras de Lula ao declarar que a América Latina não precisa mais da espada de Bolívar, mas sim de créditos, são suficientes para desmistificar a crença desse suposto papel progressista cumprido pelo Brasil no cenário internacional. Ainda assim, por vezes, nem os grandes meios de comunicação conseguem omitir todos os efeitos sociais dessa política imperialista.
Hoje (19/06/2014), o Jornal O Globo continha uma pequena matéria sobre a abertura de uma ação civil pública do Ministério Público de Araraquara (SP) contra o grupo Odebrecht, acusando a transnacional de manter sob trabalho escravo mais de 500 operários em suas empresas em Angola.
As queixas feitas pelos trabalhadores já são corriqueiras: péssimas condições de higiene, trabalhadores com diarreias, dores abdominais, náuseas, emagrecimentos, e, como se não bastasse, a empresa é acusada de privação da liberdade, uma vez que apreende o passaporte dos trabalhadores para impedi-los de sair, além de ser acusada de tráfico humano. As denúncias são feitas tanto à Odebrecht quanto às suas subcontratadas. Em dezembro do ano passado a BBC já havia feito uma reportagem denunciando essas condições de trabalho, e, além disso, mostrava processos abertos contra a empresa por casos envolvendo casos de assassinato de trabalhadores.
Aqui no Brasil, também são frequentes as denúncias de trabalhadores contra a empresa. Durante a construção do Itaquerão, operários alegaram que não estavam recebendo conforme o combinado no contrato, sendo obrigados a cumprir uma jornada muito maior do que a prevista inicialmente sem receber hora extra legal. Como se não bastasse, a empresa ameaçava de demissão os operários caso apresentassem alguma queixa formal. Não por acaso, operários morreram na construção de estádios administrada por essa empresa.
O agravante de todas essas denúncias, além das condições degradantes às quais os trabalhadores são submetidos, é o fato de tudo isso ser financiado com dinheiro público. O crescimento da presença das empresas brasileiras com o financiamento do Estado no exterior não é obra do acaso, muito menos da pura sagacidade de seus gerentes. Em 2003, logo após a chegada do PT ao governo, o BNDES mudou seu estatuto social, passando a apoiar empresas brasileiras no exterior. Em 2005, o banco se tornou o principal agente da monopolização e da internacionalização de capitais no país. Para que a população não tenha acesso aos interesses dessas movimentações, todos os empréstimos do BNDES são sigilosos.
Só entre 2006 e 2012, a Odebrecht recebeu, via BNDES, R$ 7,2 bilhões. Em 10 anos, o financiamento do governo para as empreiteiras no exterior cresceu 1185%, sendo a Odebrecht a principal beneficiada, atingindo, com isso, o posto de 47ª maior empresa do país, com o faturamento de 279.615 mil dólares, sendo a 28ª empresa no ranking das que mais lucraram.
A presença da Odebrecht também se faz em quase todos os países da América Latina, como Venezuela, Cuba, Bolívia, Peru, Colômbia, entre outros, reunindo contra si em muitos deles processos trabalhistas e gerando graves danos à população. Na Bolívia, o movimento indígena, após uma forte mobilização, conseguiu suspender obras da empresa, que geravam grandes prejuízos às comunidades indígena-camponesas.
Na lógica de “uma mão lava a outra”, essas empresas beneficiadas pelo BNDES não escondem sua gratidão ao governo PT e a expressam sob a forma de financiamento de campanhas. Em 2012, as empreiteiras foram responsáveis por 49% do total de todo o financiamento das doações, ou, melhor dizendo, investimento, aos partidos políticos da ordem. Das 10 empresas que mais contribuíram para campanhas eleitorais, as 3 primeiras são construtoras. Só em 2013 calcula-se que o PT tenha recebido cerca de R$ 60 milhões de empresas; 75% desse montante oriundos de empreiteiras, sendo a Odebrecht ocupante de um importante posto.
É nesse cenário que vemos uma das marcas da política do PT, ao mesmo tempo refém e beneficiária do grande capital monopolista, tanto no cenário externo, quanto no âmbito nacional.
*Bernardo Soares – é membro da Coordenação Nacional da UJC.