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O Perfil da Juventude Baiana
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O Perfil da Juventude Baiana

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Por Cheyenne Ayalla, militante da UJC e do PCB na Bahia

Publicado originalmente no Jornal O Poder Popular em 7 de novembro de 2024

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil vive um período de auge da População Economicamente Ativa (PEA), ou seja, há uma parcela maior de pessoas em idade de trabalho do que as que não estão. No entanto, quando se observa a realidade, sobretudo em Salvador, capital do desemprego, esse período não é só subaproveitado, como também nem ao menos aproveitado. Além disso, Salvador possui dois dados alarmantes: 1) está entre as dez cidades mais violentas do Brasil – 7 delas estão no estado da Bahia; 2) está entre as vinte capitais mais violentas do mundo.

Nesse cenário, quem mais perece são os jovens, principalmente os periféricos e trabalhadores. No último censo, em 2022, cerca de 30 mil jovens da faixa de 18 a 30 anos que estudavam, na Bahia, abandonaram os estudos. Quando se pesquisa a taxa de desemprego, esta ultrapassa cerca de 16%. Nesse sentido, tem-se dois quadros preocupantes: a grande evasão nos estudos e o desemprego e/ou subemprego. Desse modo, a mídia burguesa e neoliberal intitula, pejorativamente, essa geração de “Nem-Nem” (Nem Estuda e Nem Trabalha).

Todavia, a culpabilização individual, advinda da ideologia burguesa, culpa o indivíduo e ignora – ou melhor, mantém propositalmente – o exército de reserva (desempregados), para que se possa barganhar os direitos dos trabalhadores. Dessa forma, a lógica de “se não quiser X emprego, tem mais 50 à espera” é factível.

Entendendo os fatos

Após o processo de redemocratização do Brasil, a abertura política e econômica significou, infelizmente, uma democracia pífia e um cenário de rifas das empresas estatais ao capital privado. A era Thatcher – A Dama de Ferro – teve reflexos diretos, sobretudo nos países de terceiro mundo, resultando nas vendas dos recursos naturais e indústrias de base aos oligopólios internacionais. Portanto, o país verde-amarelo sofre inúmeras privatizações, chegando ao seu auge no Governo FHC.

Atravessando os anos 2000, após quase três décadas de seu início, o neoliberalismo toma proporções sufocantes. A começar pelo Teto de Gastos de Michel Temer (2017) – pós-golpe –, as políticas de austeridade da gestão fascista de Bolsonaro (2018) e, com mais um ataque, o Arcabouço Fiscal de Haddad no governo petista.

Nesse enredo, os desmontes e cortes feitos ao longo dos últimos anos refletem de forma visceral. Isso reverbera nos fatores econômicos, sociais e de desenvolvimento humano, pois esses ataques que infringem os direitos da população afetam diretamente educação e saúde. Quando se nota o governo estadual da Bahia, há mais de 16 anos nas mãos do Partido dos Trabalhadores, o qual, na última década, fechou mais de 100 escolas pelo estado. Ademais, quando o assunto é Segurança Pública, como fora supracitado, segundo o Observatório da Violência, 98% dos mortos pela polícia no estado e na capital são negros, sendo que 78% desses casos não são solucionados, entrando apenas na espiral do silêncio.

O contexto da juventude negra em Salvador

Esse quadro revela que, a todo instante, a juventude negra soteropolitana vive um processo de morticínio pelo braço armado do estado, o qual possui como principal função ser o mantenedor da propriedade privada e força coercitiva à classe trabalhadora. Nesse sentido, o racismo e a pobreza são estruturantes para manter uma sociedade dividida em classes e sustentada fortemente por esses mecanismos de repressão. Para além disso, a segurança pública, a nível municipal, também se forja da mesma maneira que a polícia militar: ostensiva e agressiva.

Esses fatores afetam diretamente o desenvolvimento da juventude soteropolitana, que vive em constante ameaça de um aparelho: o estado burguês. Outro fator, voltando à educação, são os desmontes educacionais que afetam diretamente a juventude, não só de forma direta. Mas também a ausência de creches para os jovens que têm filhos e precisam deixá-los em algum lugar para trabalhar, bem como a falta de maior contratação de profissionais nesses espaços, o que poderia gerar empregos, inclusive. O enxugamento da máquina pública afetou a efetivação e criação de concursos.

Mas, afinal, qual é o perfil do jovem baiano?

Findado um contexto mínimo das condições conjunturais e a partir de uma observação dos fatores estudantis e estruturais, hoje, a juventude soteropolitana vive em três tipificações práticas e gerais: aqueles que foram entorpecidos pela exploração do capital, recebendo um salário mínimo, se deslocando diariamente 1h30 de ida e mais essa mesma quantia de tempo na volta, e resultando em um pensamento: “a vida se resume a isso!”. Volta e meia, balizam com algum tipo de alienação, seja o uso de drogas, redes sociais etc.; o perfil seguinte, embora tenha os mesmos aspectos de trabalho e locomoção, tem um alienante específico: a religião.

Nesse fator, o pentecostalismo se coloca como central de um perfil que se embebeda não só das contradições materiais de sua existência, mas as entende como um determinismo disfarçado de fé. Pois o cerne da questão não está na crença, mas em como ela opera cotidianamente na realidade. Isso será melhor descrito mais à frente. O terceiro perfil está na linha tênue do que se chama de exército de reserva e do que, diariamente, é dizimado pelo braço armado do estado ou cooptado pelo crime. Dialogando com os perfis anteriores, fica à revelia do assalariamento e não aceita a coibição e cabresto do protestantismo.

É necessário entender

O primeiro perfil se enquadra como majoritário e, muitas vezes, se confunde com o segundo. Atualmente, a juventude vive em um processo no qual, mesmo trabalhando, via de regra, 44 horas semanais, não consegue pagar suas contas nem estabelecer independência financeira. Muitos ainda residem com os pais, e sua renda ajuda nas contas domésticas. Ademais, reduzem-se ao mundo do trabalho, sendo este sua centralidade. Uma pequena porção ainda se desdobra para a efetivação de um ensino superior, no qual vislumbram um salário um pouco maior do que o que recebem atualmente.

Dessa maneira, geralmente, fixam-se no ensino a distância (EAD), por ser o possível diante da logística que o trabalho impõe, ou, muitas vezes, ingressam em faculdades particulares via PROUNI ou FIES. Nesse segundo caso, acabam se endividando com a União, custeando o avanço da educação privada e o endividamento da classe trabalhadora. Em relação ao setor educacional privado, é importante destacar que essa simbiose entre dinheiro público, contrarreformas e a abertura de novas universidades particulares é uma realidade.

Além do sentido econômico pré-estabelecido, é possível identificar o sentido político desse sucateamento da educação e do parasitismo que a educação privada exerce sobre a pública. Aqueles e aquelas que ingressam em universidades públicas por meio do ENEM ou vestibulares – que, diga-se de passagem, também é uma forma de segregação – enfrentam diversas dificuldades e deparam-se com um ensino que destoa do ensino básico público (fundamental e médio).

Ainda nesse raciocínio, apontam-se disparidades no ensino das universidades privadas, alinhadas diretamente ao capital, enquanto as públicas sofrem cortes e passam por um processo de desmoralização pública. Portanto, esses espaços, tanto no ensino privado quanto no público, que deveria ser universalizado, estão aquém do necessário se o mundo do trabalho – com sua centralidade e estrutura – for arquitetado dessa forma: 44 horas semanais, baixos salários, transporte ineficiente e ausência de lazer.

Nesse caminhar, o segundo perfil caracteriza-se com algumas semelhanças ao primeiro. Entretanto, possui duas centralidades específicas: a política reacionária que tem se tornado uma regra nos templos pentecostais e a instituição do casamento enquanto obrigatoriedade de vida. O avanço da extrema-direita no Brasil tem crescido de maneira vertiginosa. Esse reflexo está em dois aspectos: a conjuntura internacional e o investimento financeiro massivo na proliferação das igrejas, sobretudo nas regiões periféricas da cidade.

Na ausência estatal, não só pelo assistencialismo, mas também pelo mínimo de amparo nesses locais de moradia e pleno emprego, cria-se um vácuo no qual as intencionalidades se fizeram verdade. Hoje, é notório o quadro de domínio dessas igrejas que, consequentemente, são controladas pela famigerada bancada da bala, composta por grandes empresários ligados ao agronegócio e/ou à especulação financeira. Assim, retorna-se ao ponto inicial: o grande capital.

Essa coibição da criticidade por meio da religião configura um novo tipo de adestramento crítico, ou melhor, um retorno que cresce cada vez mais no seio da população que se classifica como cristã. Obviamente, os pontos elencados são generalistas, mas, infelizmente, cada vez mais se tornam uma regra. E o casamento, como forma de cabresto, afeta, sobretudo, as mulheres. De acordo com os dados do Observatório, Salvador é a terceira capital com mais feminicídios. Esse fenômeno não se restringe aos casamentos forjados nas igrejas, mas são números significativos que possuem interligação.

O terceiro perfil está muito interligado a um público majoritariamente composto por homens negros e periféricos, onde erroneamente se alega que o vício em drogas ilícitas é o principal fator. Trata-se, na verdade, de uma questão econômica. A falta de perspectiva, que se assemelha ao primeiro perfil, mostra a outra face da moeda: estão à margem, não entorpecidos pela norma, mas sim pela raiva. De forma geral, morrem muito cedo pelas guerras de facções ou pela “guerra às drogas” (às pessoas). Quando passam pelo sistema prisional, vivem uma morte em vida.

De acordo com a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui uma população de quase 900 mil pessoas privadas de liberdade. Na Bahia, são pouco mais de 14 mil, e em Salvador, um pouco mais de 2 mil pessoas. Cerca de 70% ainda aguardam julgamento, e muitos estão detidos por motivações relacionadas a furtos de bens materiais, que, por sua vez, estão diretamente ligados à pobreza extrema.

Nessa análise, voltamos, mais uma vez, ao problema inicial: o capital. Desse modo, as questões mais latentes estão ligadas ao sistema econômico em que estamos inseridos, sendo o neoliberalismo um dos sustentáculos políticos do capital. Nesse sistema, o Estado é burguês, a democracia é burguesa e a sociedade é de classes, todas a serviço e gerenciando a manutenção do poder por poucos.


Referências

  1. BALLOUSSIER, Anna Virginia. O púlpito: fé, poder e o Brasil dos evangélicos. São Paulo: Todavia, 2023.
  2. IBGE. Censo 2022: dados sobre evasão escolar e desemprego. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/censo. Acesso em: 1 set. 2024.
  3. IBGE. População Economicamente Ativa (PEA). Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 1 set. 2024.
  4. LIVEIRA, M. Fechamento de escolas na Bahia. Jornal Exemplo, Salvador, 10 mar. 2023. Caderno 2, p. 5.
  5. MARX, Karl. A mercadoria. In: ______. O Capital: Crítica da economia política.
  6. OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA. Relatório anual sobre violência policial. Salvador: Observatório da Violência, 2023.
  7. PREFEITURA DE SALVADOR. Dados de violência. Disponível em: https://www.salvador.ba.gov.br. Acesso em: 1 set. 2024.
  8. SILVA, J. A. Desmontes e cortes na educação. 2. ed. São Paulo: Editora Exemplo, 2020.
  9. SILVA, J. A. A política reacionária nos templos pentecostais. 2. ed. São Paulo: Editora Exemplo, 2023.
  10. SOUZA, L. Estatísticas de violência na Bahia. Observatório da Violência, 2023. Disponível em: https://www.observatoriodaviolencia.org.br. Acesso em: 2 set. 2024.