Por: Átila Tresohlavy*
Não seria um exagero dizer que o movimento estudantil é frequentemente entendido como uma forma inferior de articulação nas lutas sociais – opinião reforçada por uma série de fetiches que pouco auxiliam na compreensão das limitações comumente encontradas neste espaço e muito menos para sua superação. Nesse sentido, é preciso demonstrar as razões pelas quais o movimento estudantil é necessário, quais suas restrições e seus devires, mais particularmente no campo da formação para os trabalhadores da saúde.
Primeiro, falemos de práxis – a conjunção de teoria e prática que pode superar tanto a teoria dogmatizada quanto a prática alienada. A práxis militante é determinada pelo contexto social em que estamos inseridos, no período histórico em que vivemos. Assim, é preciso dizer que única forma superior de articulação nas lutas sociais é aquela na qual o militante está organicamente inserido – onde houver direitos a serem conquistados deve haver militantes para conquistá-los, seja nas escolas secundaristas, técnicas ou universidades; somente a ação consciente e organizada pode realizar transformações duradouras. As limitações na conquista desses direitos quando esta entra em confronto direto com a ordem vigente – o capitalismo em sua fase monopolista que mercantiliza todos os âmbitos da vida – é que determinarão a formação de uma consciência que questione essa mesma ordem, uma consciência revolucionária. É necessário gritar aos quatro ventos que o estudante é um trabalhador em formação – até mesmo no contexto da universidade brasileira elitista. Não podemos fazer uma divisão mecânica e cartesiana entre o estudante de hoje e o trabalhador que ele será amanhã – principalmente quando grande parte dos estudantes trabalham para manter-se na universidade. Entender esse processo de formação é fundamental para compreendermos o papel do movimento estudantil, da disputa de consciência, da necessidade de conquistar corações e mentes desses futuros trabalhadores para a causa de um mundo igualitário, para um horizonte socialista. Os movimentos populares e sindicais precisam se articular para fazer esse movimento e contaminar esse espaço asséptico das escolas e das universidades se quiserem alcançar a vitória na batalha das ideias, pois este trabalhado não se realizará espontaneamente. Como disse o Che: “E o povo que triunfou, que está até mal acostumado com o triunfo, que conhece sua força e sabe-se que é avassaladora, está hoje às portas da universidade, e a universidade deve ser flexível, pintar-se de negro, de mulato, de operário, de camponês ou ficar sem portas. E o povo a arrebentará e pintará a Universidade com as cores que melhor lhe pareça.”
Não precisamos procurar muito para perceber que o estudante não precisa nem necessariamente “tornar-se” trabalhador para conjugar suas bandeiras com as da classe. A luta pela educação estatal, gratuita e de qualidade está unindo estudantes secundaristas e professores, assim como estudantes universitários, técnicos-administrativos e professores neste exato momento em diversos estados e municípios – onde podemos destacar as greves e mobilizações de Porto Alegre no último período. Em 2016 também presenciamos as ocupações das escolas secundaristas e das universidades, expressando uma das formas mais radicais de luta contra o desmonte da educação. A UNE das décadas de 30 e 40 era uma frente importante na luta contra o nazifascismo e o integralismo brasileiro, entrando em confronto direto com esses setores, além de protagonizar posteriormente momentos importantes da história brasileira, como a campanha “O Petróleo é Nosso” e a Campanha da Legalidade, não sendo à toa que uma das primeiras ações dos militares foi metralhar a sede da entidade durante a ditadura, período no qual a UNE atuou na ilegalidade articulando a oposição ao regime empresarial-militar.
O movimento estudantil da saúde compartilha de todas essas bandeiras e ainda toma para si as desse setor tão fundamental. A formação de trabalhadores da saúde orientada para a iniciativa privada já é em si uma vitória para a privatização da saúde e para a alienação de uma geração inteira de trabalhadores do setor. Dessa forma, o papel das Diretrizes Curriculares Nacionais na formação social dos trabalhadores da saúde precisa ser disputada para a defesa da saúde pública, 100% estatal, gratuita, universal e de qualidade. Mas, muito mais que lutar por essas diretrizes, é preciso buscar a inserção social efetiva e consciente nos serviços públicos de saúde durante a formação, além de levantar as bandeiras do controle social, da participação popular, da organização dos conselhos de saúde, da determinação social do processo saúde-doença, da atenção primária em saúde e de movimentos importantes como a luta antimanicomial. Uma disputa desse calibre, assim como diversas outras que se fazem necessárias, precisa de uma grande capacidade organizativa que deve constituir-se desde os espaços em que estamos compondo cotidianamente, seja em atividades nos campi, na formação dos Centros e Diretórios Acadêmicos, nos DCEs, assim como nas entidades nacionais como as executivas de cursos, associações de ensino, na Frente Contra a Privatização da Saúde e até mesmo na UNE. Lutar para que a formação acadêmica, a extensão universitária, a produção científica e o projeto de saúde sejam direcionados para as necessidades e sonhos da classe trabalhadora dificilmente é uma tarefa que se findará dentro do sistema capitalista; porém os limites dessas conquistas neste período histórico devem ser compreendidos como tensionamentos necessários para apontar as contradições desta sociedade. Cada conquista no meio universitário deve ser disputada não com o fim em si mesma, mas para o projeto maior da Universidade Popular e do Poder Popular.
Este não é o momento para abstenções, fragmentações e nem para bandeiras rebaixadas! Aqueles que não compreenderem isso estão fadados à estagnação no ciclo de lutas que se inicia e favorecem a reação. É preciso construir a resistência em todos os meios em que estamos inseridos, e somente com a articulação e o auxílio mútuo desses espaços poderemos alcançar a esperada contra-ofensiva em direção a outro projeto de sociedade – o qual necessitará também de um projeto de saúde e do movimento estudantil, que contém em si os devires de tantos outros movimentos e que precisa ser disputado por uma perspectiva revolucionária. Por isso gritamos – ousar lutar, ousar vencer!
* Estudante de fisioterapia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA); militante da UJC-Brasil e do PCB.