
O impacto do revisionismo oportunista no Movimento Estudantil
Por Guilherme Corona, militante da UJC na Bahia
Recentemente, um texto assinado por Rafael Leal e Camila Ribeiro, dirigentes da União da Juventude Socialista (UJS), intitulado Sectarismo, doença infantil do movimento estudantil, demonstrou uma capacidade extraordinária de exercer o revisionismo da obra de Lênin para justificar sua política oportunista, conciliatória e imobilista. E, apesar de os ataques do texto não serem dirigidos a nós, é impossível não combater o rebaixamento ideológico presente nele.
Um grande sintoma desse rebaixamento ideológico é a covardia de um texto que critica, mas não sabe dar nomes. Que fique bem claro: a crítica da UJS se dirige, especialmente, à União da Juventude Rebelião (UJR), mas atinge todas as forças que hoje se encontram na Oposição de Esquerda (OE) da União Nacional dos Estudantes (UNE) – a UJC, o Juntos! (J!), o Pajeú, o Ecoar e a Juventude Comunista Avançando (JCA). Afinal, todas essas forças não compõem a “nova maioria” proclamada pela UJS, que resulta de uma articulação entre o campo democrático-popular (UJS, JPT, JS, JSB, JPL, LPJ) e o campo da Juventude Sem Medo (JSM, composta por Afronte, Fogo no Pavio, Travessia, RUA, entre outros).
Tratemos então do texto em três pontos: 1) da confusão ideológica apresentada sobre o esquerdismo e sectarismo; 2) do revisionismo histórico sobre a ascensão do fascismo e que implica na política conciliatória da Frente Ampla; e 3) do que é necessário para contrapor o projeto neoliberal dentro do Movimento Estudantil Universitário.
Esquerdismo ou independência de classe?
É clássica a acusação, para justificar compromissos com a burguesia, de que os que criticam seriam esquerdistas e sectários. Quando criticamos a reforma trabalhista de Dilma em 2015, ou quando apontamos que o Arcabouço Fiscal de Haddad era uma continuação do Teto de Gastos, fomos acusados de fortalecer o fascismo. Enquanto isso, as forças governistas não fazem um enfrentamento sério da lógica rentista, assumem o compromisso de manter o pagamento da Dívida Pública, fortalecendo os monopólios e enriquecendo aqueles mesmos que financiam as organizações neofascistas.
É sempre dito que o Governo de União Nacional tem limitações, mas está em disputa. O que vemos, porém, é que enquanto mais de 40% do orçamento público é destinado à Dívida Pública (os banqueiros e rentistas), menos de 4% é destinado à Educação. Esse é o compromisso apresentado! Que aceitemos migalhas, enquanto os nossos algozes recebam tudo o que quiserem, e ainda mais! E não questionemos, ou eles podem soltar os cães fascistas. É uma política profundamente covarde.
Nessa linha, enxergam no lançamento de candidaturas como a de Sofia Manzano (PCB) em 2022 uma expressão de esquerdismo. Como se, entre dois projetos burgueses, os trabalhadores não podessem ter o seu próprio projeto. Respondemos categoricamente: nossa decisão foi acertada. Foi a candidatura do PCB que recolocou no debate público a redução da jornada de trabalho, e logo após o primeiro turno, não hesitamos em declarar imediatamente nosso apoio a Lula e nos dedicar intensamente à campanha, antes de todas as forças burguesas que tiraram seu tempo para negociar cargos no governo. Lutamos para barrar o fascismo, mas sem ilusões!
Não é possível confundir esquerdismo com uma política de independência de classe. Não hesitamos em participar de amplas composições quando a conjuntura pede, mas recusamos participar de uma política rebaixada de “Frente Popular e Democrática”. Hoje, a política de Frente Ampla com a burguesia não tem sustentação no marxismo. Não basta combater somente as expressões mais hediondas do fascismo, como Jair Bolsonaro e Nicolas Ferreira; é preciso combater suas causas profundas: o agronegócio, o “Centrão”, a política neoliberal que pune os trabalhadores para salvar os lucros da burguesia!
O revisionismo histórico sobre a ascensão do fascismo
Em diversas ocasiões, quando tive a oportunidade de dialogar com direções da JSM sobre a política de unidade com o campo democrático-popular, obtive sempre a resposta de que não poderíamos repetir os erros do Partido Comunista Alemão (KPD) durante a ascensão do nazismo e o golpe de Estado. É-nos dito repetidamente que foi o “esquerdismo” do KPD que levou à ascensão do fascismo, à escolha da burguesia pelo caminho reacionário para conter a “ameaça vermelha”.
Mas essa história é extremamente mal contada. Não se recordam, por exemplo, que o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) ordenou o massacre dos espartaquistas, que ocasionou o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Esquecem que o SPD apoiou e defendeu diversos políticos nazistas em seus ataques contra os comunistas e que preferiram, por diversas vezes, preservar a República de Weimar à aderir ao combate incansável aos comunistas.
O resultado disso foi sentido nas massas: quanto mais o SPD se endireitava, mais perdia sua importância eleitoral, enquanto a votação do KPD aumentava progressivamente. E após o surto inicial do partido nazista, este também começou a perder o impulso inicial nas eleições, optando, então, pela organização de um golpe de Estado, com anuência da burguesia – liberal ou conservadora – e com o imobilismo do SPD. Ainda assim, em nenhum momento o KPD deixou de buscar a unidade de ação com os operários social-democratas.
Não foi a recusa do KPD em conciliar que levou à ascensão do fascismo, mas sim a política rebaixada e conciliatória do SPD, que confunde os trabalhadores e abre espaço para o crescimento da insatisfação popular. Pior: a traição do SPD e o assassinato das lideranças do KPD prejudicaram enormemente o esforço revolucionário na Alemanha. Hoje, no Brasil, vemos uma situação semelhante: os governos social-democratas, compostos pelo PT e PCdoB, preferem conciliar com a burguesia a fazer o enfrentamento de massas, e não hesitam em reprimir as massas populares com a aplicação do Estado de Segurança, com o exército nas ruas do Rio de Janeiro, e em lidar duramente com trabalhadores em greve, como na Greve Federal da Educação em 2024.
Em nenhum momento negamos a disposição para construir calendários de luta conjuntos com o campo democrático-popular ou com a JSM. Pelo contrário, sempre reiteramos a necessidade de unidade de ação no movimento estudantil para combater o neoliberalismo e enfrentar o avanço do setor privado e do fascismo no ambiente universitário. Mas, enquanto esses campos não adotarem uma postura de independência do Governo Federal para mobilizar e construir a luta com os estudantes, não é possível “participar de uma nova maioria”.
Por um novo campo no Movimento Estudantil
Hoje, as forças que se colocam para construir as lutas no movimento estudantil, independentemente de quem governe, se articulam na OE da UNE. Mas a OE ainda não é um campo político, com programa e organização próprias, capaz de superar o formato de colcha de retalhos de forças políticas para se colocar como um Bloco político poderoso e eficaz.
É importante notar que tivemos avanços significativos nos últimos meses, com uma importante Plenária da OE no último CONEB e uma maior aproximação entre essas forças nas lutas que se seguiram. Começa também a se desenhar um programa comum dentro e fora da UNE, um programa capaz de aglutinar e canalizar as forças e os interesses dos estudantes numa luta comum.
Na conjuntura, esse programa se aproxima do entendimento de um avanço internacional do neofascismo e do ponto de apoio que esse fascismo encontra na burguesia. Ou seja, para combater o crescimento e a disseminação do fascismo entre a juventude, é necessário retomar as entidades de massa e empreender um calendário de lutas, retomando a combatividade tradicionalmente associada às forças da esquerda revolucionária.
No movimento estudantil, defendemos a democratização e a transparência nas entidades como única forma dos estudantes voltarem a ter protagonismo nelas, no lugar da burocracia imobilista que atualmente está à frente da maioria das organizações estudantis do país, especialmente as entidades gerais, como UNE e UEEs. Acabar com as fraudes e com a violência nas eleições e congressos é o primeiro passo para que essas entidades voltem a ter a merecida legitimidade.
Mas, na educação, ainda pensamos ser necessário avançar no debate para além da defesa da universidade pública gratuita e de qualidade. É preciso romper definitivamente com as concepções liberais e neoliberais de educação, universalizar o acesso ao ensino superior e colocar o espaço universitário a serviço da classe trabalhadora na luta de classes. Acabar com a dependência de emendas parlamentares e do investimento privado, direcionando a pesquisa e o ensino para uma perspectiva crítica e popular, e não para subsidiar os lucros empresariais ou formar força de trabalho barata. Canalizar o trabalho como princípio educativo através das extensões populares, que, na relação com as comunidades, possam ligar o desenvolvimento universitário ao social. Essa é a proposta da Universidade Popular.
Para combater o revisionismo e o oportunismo no movimento estudantil, é necessário aprofundar a construção de um novo campo. E esse campo, para ser vitorioso, só pode contar com a estratégia da revolução socialista: sem alianças com a burguesia! E, para caminhar independente, precisa defender a universidade que a classe trabalhadora precisa: a Universidade Popular!