Um fantasma impregna a militância, um fantasma chamado atraso. Com o decorrer do tempo, tendemos a naturalizar alguns hábitos, dentre eles o de relevar os atrasos. A tolerância de 05 minutos sobe para 15, depois para 30 e quando se nota pode alcançar 01 hora.
Em cerca de 30 minutos, a linha vermelha do metrô (em São Paulo) é capaz de percorrer em média 14 estações. O trajeto da ponte aérea de São Paulo/Rio de Janeiro contabiliza cerca de 36 minutos. Um carro a 80 km/h em rodovia livre chega a percorrer 40km.
Entretanto, os militantes embrenhados pelo fantasma do atraso pensarão: “eu perdi pouco da atividade”, “chego tarde porque sempre começa tarde”. E por pensar dessa forma, poucos se darão conta que o inimigo no qual combatemos sabe muito bem utilizar o cronometro.
O cronometro é primordial na produção capitalista, todo o avanço tecnológico na produção veio com o objetivo de produzir mais num curto espaço de tempo, não é a toa que entre as tarefas históricas dos trabalhadores é a redução da jornada de trabalho. O tempo cada vez mais mercantilizado faz com que até mesmo o ócio do trabalhador seja um tempo livre para consumir mercadorias.
Sabe-se bem múltiplas as determinações que causam os atrasos, sejam elas profissionais, familiares, de locomoção, dentre outras. Se a militante for mulher, a tripla jornada pesa. Os atrasos pelos fatores descritos ocorrem, é fato, principalmente para os oriundos de regiões periféricas na qual a transporte coletivo é difícil – para não dizer foda.
Agora é valido frisar um tipo de atraso o qual a militância devem enxotar: o atraso por descaso, pelo pessimismo, por cansaço e principalmente o atraso por naturalizar o próprio atraso – estes muito comum por quem não tem a paciência de aguardar os resultados da luta.
Aos leitores, não nos cabe dar uma lição moral, todavia, cabe resgatar algumas histórias repassadas pelos mais velhos sobre os períodos em que ser comunista significava ser caçado e os trabalhos politico deveriam acontecer na ilegalidade. O atraso de um militante nas reuniões de seus respectivos órgão poderia significar possíveis prisões e “desaparecimento”. A renúncia de família e felicidades individuais estava na ordem do dia.
Em tempos de liberdade politica, a mediação de todas as instâncias da vida (pessoal, profissional, afetiva, familiar, militante etc) é fundamental, e todos os que se propõe a luta socialista devem aprender. Vender a força de trabalho devora nossos momentos em que estamos mais descansados, disciplinar o que fazer no tempo sobrante é difícil, mas necessário para a luta revolucionária.
Brecht é tão atual. Vivemos em tempos loucos. Tempo em que cobrar pontualidade é ser chato. Ser organizado em partido é ser aparelhador. Ser responsável pelas tarefas atribuídas e executa-las com exito pode passar por centralizador. São tempos no qual um monte de futilidade corrompe a autodisciplina para cumprir as tarefas. Tempos em que o praticismo reina e o estudo da teoria revolucionária fica secundarizado para levantar bandeiras. São tempos em que permanecemos lutando contra um inimigo forte e organizado mundialmente há mais de um século só quando temos “tempo livre”. Tempos em que até este “tempo livre” nós consumismo mercadorias. São tempos em que ser Comunista/socialista é necessário nos debruçamos por inteiro ao que nos propomos fazer, não pela meritocracia, mas pelo exemplo.
*texto publicado originalmente em: O Atraso nosso de cada dia