Mulheres, (continuem) sendo violentadas
Faz tão pouco tempo que o IPEA assombrou nossas vidas, saindo dos 65%, baixando para os 26%, mas, falemos a verdade, o assombro foi só quando o IPEA, (des)medidamente, errou na pesquisa?
O machismo está aí e, infelizmente, desde as naus, sempre esteve, só que ele ficou rebuscado, cheio de cenas que fazem nossos olhos brilharem, com diversos Leblons e Ipanemas, uma pitadinha de Goiás, o avanço da tecnologia, mulheres magérrimas e “gostosas”, homens galãs com seus olhos claros e muitas, diversas, milhares de brasileiras morrendo vítimas da violência do homem (macho alfa?) que estupra, passa a mão, assovia na rua, comenta a beleza “bundal” como se fosse uma piadinha de elogio na mesa do bar.
Isso é a novela.
Tem, também, a mulher chefe de família que empurrada para as responsabilidades que, assim como o machismo desde as naus portuguesas, são tidas como das fêmeas porque são domésticas, parem, educam seus filhos, trabalham, colocam (e fazem) comida na mesa e batem no peito porque são mulheres guerreiras. Infelizmente elas não percebem que há uma imensa contradição ao bater no peito tendo sido abandonadas à própria sorte como se fossem as únicas responsáveis. Essas mulheres são, sim, fortes, guerreiras (porque batalhadoras), mas precisam entender onde se inserem na vida a elas legada.
Isso também é a novela.
E aquelas mulheres que correm daqui, correm de lá, vendem a si próprias como meras mercadorias de satisfação carnal hetero, homo, bi, etecetera, e ainda são responsabilizadas por não terem estudado, procurado outro tipo de emprego, incentivado a criação e ou formação de suas próprias famílias e muitas outras desculpas, elas que são as “putas” e apanham, e (não) são estupradas.
Elas também são a novela e, para não vulgarizar com a palavra PUTA, são garotas de programa tão somente.
São diversas novelas com conteúdo do cotidiano, do dia-a-dia da família brasileira que, cansada do dia exaustivo de trabalho no calor de 40o da Terra Brasileira, aperta o botão do controle remoto e se depara com um conteúdo pragmático: bestialidade! Do jornal das oito ao programa de entretenimento BBB (Bobo, Babaca, Boçal), tudo muito igual: bestialidade!
E assim as revistas, conhecidas como “de fofoca”, ou os jornais, com seus cadernos “de fofoca”, avacalham geral ao noticiarem o seguinte:
“Ele não aceita o não! (título)… Laerte vai até o galpão da escola de música e encontra Luiza. Achando que ela é a Helena do passado, Laerte não se segura e a beija. Ela briga, diz que ele está louco e tenta ir embora, mas o músico a pega pelos braços e rasga sua roupa. Luiza ainda tenta fugir, mas Laerte não deixa. Chamando-a de Helena, ele a obriga a fazer sexo com ele à força, repetindo a mesma história do passado, quando Laerte tirou a virgindade da namorada com brutalidade. Luiza se debate, porém, assim como foi com sua mãe, cede aos encantos do rapaz e aproveita o momento” (http://emfamilianovela.com/laerte-transa-luiza-forca/).
Se interpretarmos com positividade, pois é assim que eles querem que vejamos esses folhetins das nove, então teremos uma menina difícil e puritana que, com peso na consciência, não cede seu sagrado corpo ao desejo. Oras, que mulher nunca passou por isso, não é mesmo senhor autor de novela?
Agora, se interpretarmos com negatividade (coisa que atrasa esses canais abertos, afinal, reclamamos de tudo que diz respeito à nossa dignidade de ser humana, e não de ser humano), o que temos é a típica naturalização de uma cena repetitiva para diversas mulheres que, aí sim, por se sentirem forçadas a darem prazer ao sexo alfa do gênero masculino, não se sentem capazes de se satisfazerem e, portanto, aproveitam o momento. Como bem comentado por um homem, ao ler a reprodução do texto acima citado, deixa de ser estupro quando a mulher cede aos encantos.
Obrigada rede global por, mais uma vez, deixar-nos com todas as pulgas e demais pestes atrás das nossas orelhas, afinal de contas, que culpa tem uma criança resultado de um estupro, não é mesmo?
Abençoe-o, senhor, ele não sabe o que escreve!
E então voltamos à dubiedade do IPEA, o machismo é ou não é uma porcentagem?
Mariângela Marques – militante da UJC, PCB e do Coletivo Feminista-Classista Ana Montenegro