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Luta Antimanicomial é Luta Anticapitalista

Luta Antimanicomial é Luta Anticapitalista

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As instituições manicômiais datam do século XVIII e estão interligadas ao desenvolvimento da psiquiatria, por Philippe Pinel, enquanto racionalidade científica responsável pela classificação, separação e tratamento dos loucos, agora entendidos como doentes mentais. No Brasil, a primeira instituição manicomial tem origem no século XIX, mais especificamente em 1852, na cidade do Rio de Janeiro; o então chamado Hospício de Pedro II. Já no século XX, em 1903, surge o Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais, considerado o maior manicômio do país e que, em seus quase um século de existência, foi responsável pela morte de mais de 60 mil pessoas, em sua maioria negras, pobres, pessoas em situação de rua, homossexuais e prostitutas, evidenciando o caráter colonial escravista dessas instituições na particularidade brasileira, que tem como alvo prioritário a população negra e pobre.

De forma geral, a compreensão da essência dessas instituições exige uma análise de sua determinação social dentro do desenvolvimento e consolidação dos modos de produção capitalistas. Afinal, qual a função social dos manicômios dentro do capitalismo? Os modos de produção e acumulação capitalistas, nos quais a riqueza socialmente produzida é privadamente apropriada, produzem necessariamente uma massa de trabalhadores pauperizados, precarizados e vulnerabilizados, pois sequer conseguem vender sua força de trabalho. Nesse exército industrial de reserva, manifestar-se-ão as diversas contradições do capital, como a pobreza, a miséria, a violência e, inclusive, o sofrimento psíquico e a loucura. Estes últimos, não só entendidos como expressão da degradação das condições objetivas de vida, que serão subjetivadas de forma igualmente degradada, portanto sofrida, mas também como manifestação de uma sociabilidade alienante, agora não mais restrita às fábricas na forma da alienação dos meios de produção, mas generalizadas para o conjunto das relações sociais.

As instituições manicomiais, portanto, surgem a partir de uma necessidade real do desenvolvimento e consolidação do sistema capitalista: gerenciar parte desse exército industrial de reserva para garantir que seu crescimento não ameace a própria reprodução do capital. As instituições prisionais, inclusive, cumprem função parecida ao encarcerar uma parcela dessa população a partir da racionalidade jurídica, tratando o fenômeno da criminalidade não como expressão das contradições do capital, mas como um defeito moral, de caráter individual.

E onde entra a Psiquiatria nisso tudo? Bem, o saber médico-psiquiátrico é justamente a racionalidade científica que ideologicamente classifica, diagnostica e ‘trata’ a doença mental, e este ‘tratamento’ significava, e por vezes ainda significa, o isolamento desses sujeitos em instituições asilares manicomiais onde permaneciam praticamente toda a vida.

Diante do exposto, entendendo que não só as instituições manicomiais, mas a própria racionalidade científica que a justifica são necessidades do sistema capitalista, não é possível superar a lógica asilar manicomial, que não se limita às suas instituições, sem a superação do próprio sistema que a produz. Prova disso é que, com os tensionamentos no campo da saúde mental a partir dos movimentos de Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial brasileiros, foi possível observar diversos avanços no campo técnico-assistencial e político-jurídico. No entanto, não foi possível de fato superar os manicômios, que ainda resistem, embora em formas atualizadas, como as chamadas “Comunidades Terapêuticas”, por exemplo.

A necessidade de superação dessa sociedade foi observada inclusive por Fanon em sua Carta ao Ministro Residente (1956), em que pede demissão do cargo de chefia do Hospital Psiquiátrico de Blida-Joinville na Argélia. Fanon aponta que

“A função de uma estrutura social é edificar instituições atravessadas pela preocupação pelo homem. Uma sociedade que encurrala os seus membros em soluções desesperadas é uma sociedade inviável, uma sociedade a substituir”.

Assim como o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial brasileiro, em seu Manifesto de Bauru (1987), também reconhece que

“O Estado que gerencia tais serviços é o mesmo que impõe e sustenta os mecanismos de exploração e de produção social da loucura e da violência. O compromisso estabelecido pela luta antimanicomial impõe uma aliança com o movimento popular e a classe trabalhadora”.

Diante de tudo isso, compreende-se que a luta antimanicomial é fundamentalmente luta anticapitalista, que o fim dos manicômios, em suas diversas facetas e atualizações, só será possível com a superação do sistema que os produz enquanto necessidade. A construção de uma nova sociedade, a sociedade socialista, de transição ao comunismo, exigirá a construção de uma nova racionalidade sobre a loucura e o sofrimento psíquico, assim como novos modelos de cuidado. Só assim será possível construir uma sociedade que nos permita sofrer e enlouquecer humanamente, em que a loucura seja uma expressão de vida e não uma manifestação alienada de sofrimento, que nos permita sermos cuidados em liberdade, na companhia de nossos pares e de nossa comunidade e, principalmente, que o nosso sofrimento não seja mais uma mercadoria!

Contra a mercantilização da loucura!

Por uma Sociedade sem Manicômios!

Pelo Poder Popular!

Coordenação Estadual da União da Juventude Comunista na Bahia

18 de maio de 2024