Via: UJC Núcleo UNICAMP
Treze anos de cotas raciais. Três meses de greve. Um ano de debates e mobilizações dos estudantes. E finalmente a Unicamp cedeu. Finalmente a Unicamp terá cotas raciais. Finalmente a Unicamp parou de se orgulhar de ter um programa de inclusão — que, a propósito, não inclui ninguém — que não é baseado em cotas. Finalmente, a Unicamp se pintará de povo.
A greve histórica de 2016
No dia 5 de maio uma assembleia geral dos estudantes com mais de 1000 participantes decidiu por entrar em greve. A pauta: contra os cortes na educação, pela ampliação das políticas de permanência estudantil e por cotas raciais.
A reitoria foi ocupada. A reitoria foi desocupada. A greve se manteve. Os piquetes e estudantes em greve continuaram em frente aos institutos. Foram 3 meses assim. Nesses 3 meses a ala reacionária das três categorias mostrou sua verdadeira face. Surgiu um ‘MBL-Unicamp’, professores agrediram física e verbalmente alunos, a mídia fez o discurso de sempre. Quando se falava em cotas então, teve ‘doutor’ falando que “esses primatas não deveriam estar na pós-graduação”.
Mas os estudantes venceram. Não foi a vitória ideal. Não conseguimos tudo que queríamos. Mas não saímos de mãos abanando. A moradia seria ampliada e finalmente a Unicamp discutiria cotas raciais.
O debate sobre as cotas
No segundo semestre de 2016 ocorreram três audiências públicas para discutir políticas de ação afirmativa nas Universidade públicas. Uma em setembro, uma em outubro e uma em novembro.
Algumas coisas são necessárias pontuar em relação às audiências:
– A direção e trabalho do Núcleo de Consciência Negra e da Frente Pró-Cotas da Unicamp na organização das audiências;
– O descaso total por parte dos docentes, que compareciam em pouquíssimo número;
– O resultado óbvio a que se chegou com as discussões das audiências: o PAAIS (programa de “inclusão” da Unicamp) não inclui, e as cotas eram a melhor alternativa.
Após as audiências, um Grupo de Trabalho (GT) formado por docentes, funcionários técnico-administrativos e estudantes membros do Núcleo de Consciência Negra e da Frente Pró-Cotas da Unicamp realizaram uma proposta de política de ação afirmativa a ser votada pelo CONSU (Conselho Universitário da Unicamp) em 2017: cotas étnico-raciais.
O debate em 2017
Com o projeto a ser votado em mãos, restava convencer quem detém o poder de decisão a votar nele. Novamente devemos ressaltar o trabalho e direção do Núcleo de Consciência Negra e da Frente Pró-Cotas da Unicamp nessa tarefa.
Uma ampla campanha de divulgação da questão foi feita. Diversos apoiadores surgiam dentro e fora da Unicamp. Somado a isso, conversas com todos com direito a voto no CONSU e participação em todas as Congregações (instância deliberativa dos institutos) para derrubar por terra todo argumento contrário às cotas.
Um programa via internet organizado por um docente foi realizado. Diversos estudantes, funcionários e docentes apoiaram a causa publicamente. Diversos artistas apoiaram a causa publicamente. Danny Glover — ator americano — apoiou a causa publicamente. Faixas tratando do assunto foram colocadas em todo canto da Unicamp. Panfletagens foram feitas. Reuniões de Centros Acadêmicos foram chamadas para discutir o assunto. Onde era possível falar sobre cotas, haveria alguém falando.
No primeiro semestre de 2017, o assunto mais falado na Unicamp eram as cotas (e, em um curto intervalo de tempo, o Danny Glover).
A votação
Ao longo do dia 29 ocorre na Unicamp um grande festival com artistas apoiadores da causa. Chega o dia 30, o grande dia da votação. Às 5 da manhã já há estudantes em frente à reitoria para garantir que os carros não ocupem os lugares que aqueles que lutam por uma universidade minimamente mais popular irão ocupar durante o dia. Chegam os ônibus de militantes do movimento negro de todo o Estado. Chegam indígenas de todo o Estado.
A sessão do CONSU começa e todos assistem pelo telão montado no estacionamento da reitoria. Uma fala, duas falas, três falas. Uma hora, duas horas, três horas. Chega o regime de votação. É aprovada sem alteração a proposta de cotas étnico-raciais do Grupo de Trabalho, com atenção ao perfil socioeconômico e que faça a universidade refletir a composição racial do estado de São Paulo, tendo como base as pesquisas do IBGE. Não é mencionada a questão do vestibular indígena, que era defendido no relatório do GT. Decisão unânime.
FINALMENTE COTAS NA UNICAMP. Um passo em direção à universidade popular, uma política para começar a enfraquecer o racismo institucional da Unicamp; conquista da juventude que luta. Que o sucesso dessa organização na Unicamp não apenas nos motive a continuar aqui, mas que também promova a luta contra o elitismo das estaduais paulistas, em especial na USP. Que os problemas da Fuvest sejam expostos e atacados como foram os da Comvest.
A luta acabou?
Obviamente que a luta não acabou. Vencemos uma batalha, mas já há uma fila de outras à porta. Mesmo na luta pelas cotas ainda há o que se fazer, buscando a aprovação do vestibular indígena.
Se o assunto mais falado eram as cotas, o segundo mais falado eram as punições aos estudantes que participaram da greve. Punições que continuam ocorrendo mesmo agora.
Aprovamos cotas, mas já se sabe que as verbas da Unicamp serão reduzidas novamente. Como alunos pobres se manterão na Universidade?
E, mais importante, para quê e a quem essa universidade irá servir? Só as cotas não tornam a universidade verdadeiramente popular. É necessário que ela seja feita pelo povo e para o povo. Coisa que ela não é.
Mas a luta por cotas nos mostrou o caminho. A luta conjunta e organizada dos estudantes pode arrancar as vitórias que precisamos. As cotas não foram aprovadas por caridade de membro nenhum do CONSU, elas foram aprovadas porque lutamos muito por isso.
Devemos lutar contra as punições. Devemos lutar por permanência estudantil. Devemos lutar pela ampliação das verbas destinadas à educação pública superior. Devemos lutar por uma universidade que não seja mais um mero instrumento do capital. Devemos lutar juntos e organizados.
Algumas lutas já estão em andamento, como a luta contra as punições, e devem ser intensificadas. Lembrando que intensificar não é só criar mil eventos no Facebook. É aparecer em todo e qualquer espaço da Universidade e tratar do assunto em todos os seus detalhes. É, assim como foi feito com a questão das cotas, derrubar todos os argumentos a favor das punições com o discurso e prática mais qualificados possíveis.
Outras lutas são importantes demais para descansarmos antes de encará-las. É o caso do financiamento das universidades estaduais paulistas. Devemos aproveitar o ímpeto da luta que passou e o ânimo da vitória para levar essa discussão a todos os estudantes. Devemos levar essa discussão para além dos muros da universidade. Devemos levar essa discussão para aqueles que mantém as universidades públicas do Estado de pé. Para que ela se mantenha de pé e se transforme em uma universidade que realmente sirva à sociedade.
Por fim, podemos não vencer em um momento escolhido por nós. A vitória pode não ser como imaginávamos que ela seria. A vitória pode não ser fácil. Mas venceremos!
OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER!