No dia 11 de novembro, o presente texto se incumbe de uma tarefa monumental: homenagear os 88 anos de um gigantismo militante, intelectual e histórico que facilmente mereceria sua própria biografia – Theotônio dos Santos.
Enquanto marxistas, socialistas e revolucionários, é impossível pensarmos em uma teoria econômica séria que descreva as relações entre países centrais e periféricos, suas particularidades em um contexto global de dominação capitalista, sem passar por Theotônio dos Santos.
Theotônio é comumente reconhecido como um dos principais formuladores da Teoria Marxista da Dependência, linha que desafiou as interpretações econômicas até então hegemônicas nas esquerdas. Aliás, a Teoria Marxista da Dependência (TMD), nascida em solo brasileiro durante o século XX, surge em um contexto de efervescência intelectual em que várias correntes de pensamento econômico tentavam compreender as particularidades do subdesenvolvimento e, por consequência, as estratégias de emancipação para a região. Nesse sentido, a TMD não apenas dialoga, mas também se opõe a várias dessas correntes.
É a partir do surgimento da TMD que se enxerga o subdesenvolvimento das nações periféricas não como uma etapa inicial do desenvolvimento capitalista, tal como ocorreu nas nações centrais, mas como uma condição estruturalmente inerente ao próprio sistema capitalista global. Por essa via, teóricos da dependência como Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e Celso Furtado apresentaram o subdesenvolvimento como intrínseco à dinâmica do capitalismo.
O valor da obra de Theotônio em sua época e até os dias atuais é notável, pois traz uma abordagem radicalmente nova para a análise do imperialismo e da dependência. Em meio ao contexto dos anos 1960 e 1970, em que a América Latina passava por profundas transformações políticas e econômicas, além de uma série de ditaduras militares, a Teoria da Dependência emergiu como uma resposta crítica às teorias da modernização e às visões desenvolvimentistas defendidas por instituições como a CEPAL.
Contudo, tamanhas contribuições teóricas no campo da Economia Política não surgiram do vácuo, da mente de um intelectual inerte sentado no canto de uma sala. Não foram fruto de devaneios ou espontaneidade, mas de um trabalho teórico, militante, consciente, autônomo e, sobretudo, científico.
Nesse sentido, é preciso recordar o jovem Theotônio, o militante que, por estar ativamente envolvido na construção de diferentes frentes de atuação partidárias e revolucionárias, foi capaz de observar, analisar e debater os fenômenos econômicos de seu tempo, a ponto de formular o que hoje chamamos de Teoria Marxista da Dependência.
Entre 1960 e 1964, Theotônio dos Santos estudou marxismo sistematicamente, inclusive participando de um grupo de estudos. Atuou no movimento estudantil, tanto secundarista quanto universitário, até integrar o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG. Sua participação nos movimentos sociais se estendeu até 1966, quando passou à clandestinidade após o golpe empresarial-militar de 1964. Desde 1961, participou da POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária). É talvez na POLOP que Theotônio dos Santos encontrou a centelha de sua inovação teórica, pois a organização seguia uma linha crítica ao etapismo oriundo do PCB, hegemônico entre a esquerda brasileira à época. Posteriormente, também integrou o antigo PSB, partido que reuniu muitos militantes da POLOP.
Em 1966, exilou-se no Chile sob asilo político e acadêmico, chegando em um contexto de intensa efervescência política e econômica. Salvador Allende, então presidente do Senado, junto a outros líderes políticos de esquerda, teve forte papel na concessão de asilo a políticos e intelectuais brasileiros como Theotônio.
É nesse ano que Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e outros acadêmicos brasileiros e argentinos incorporaram-se ao quadro intelectual do Centro de Estudios Socio Económicos (CESO), instituição da Faculdade de Economia e Administração da Universidade do Chile. No CESO, Theotônio formou e dirigiu o Grupo de Pesquisa sobre a Dependência, organizou seminários e promoveu análises críticas da realidade latino-americana.
O CESO rapidamente se tornou um centro que atraía renomados estudiosos da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa, como Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Tomás Vasconi, Inés Recca e Marta Harnecker. A liderança intelectual de Theotônio foi tamanha que, entre 1968 e 1973, ele assumiu a coordenação da pesquisa e docência do CESO, além de ocupar a direção-geral entre 1972 e 1973.
O aprofundamento das reflexões teóricas sobre a dependência realizado por Theotônio e seus colegas conferiu ao CESO um prestígio internacional, transformando-o na instituição mais influente no campo das ciências sociais e econômicas da América Latina. Esse prestígio fez do CESO uma referência até mesmo fora do Chile.
Nos primeiros dias da ditadura de Pinochet, contudo, o CESO foi fechado por decreto, sendo declarado “subversivo”. Muitos de seus membros foram novamente forçados à clandestinidade, e Theotônio entrou na lista dos mais perseguidos.
Com a expansão do neoliberalismo nas décadas de 1980 e 1990, houve um ajustamento ideológico que marginalizou perspectivas críticas como o marxismo. Universidades latino-americanas reestruturaram seus currículos, enfatizando abordagens funcionalistas e métodos quantitativos, muitas vezes em detrimento da economia política.
Contudo, em face do esgotamento das promessas neoliberais, a Teoria Marxista da Dependência ressurgiu. O legado de Theotônio, presente em suas quase 40 obras, permanece vital para a análise das desigualdades e para a luta por uma sociedade justa.
Que sua obra continue a iluminar o caminho daqueles que buscam não apenas entender o mundo, mas transformá-lo.
União da Juventude Comunista – Núcleo UFRRJ
11 de novembro de 2024