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As Eleições Burguesas e suas Desesperanças: Que Lições Podemos Tirar?
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As Eleições Burguesas e suas Desesperanças: Que Lições Podemos Tirar?

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Um Panorama

Nos dias 6 e 26 de outubro, ocorreram as eleições municipais no Brasil. De modo geral, observou-se o avanço da direita nas câmaras e prefeituras, principalmente nas capitais. O Partido dos Trabalhadores (PT) demonstrou sinais de esgotamento. Apesar do crescimento tímido de candidaturas eleitas em relação a 2020, o partido não elegeu prefeitos no primeiro turno das capitais e das quatro de suas candidaturas avançaram para o segundo turno, apenas uma saiu vitoriosa. O PT ainda amargou derrotas em seus tradicionais redutos, como Araraquara, São Bernardo do Campo e Santo André.

Nas cidades em que houve segundo turno, das 15 capitais, 14 elegeram candidatos(as) da direita ou extrema-direita, como em Aracaju, enquanto apenas Fortaleza escolheu Evandro Leitão, do PT, que ainda assim contou com uma aliança com a direita tradicional. Assim como no primeiro turno, o predomínio de cargos no executivo ocupados por partidos de direita foi evidente, reforçando o já observado: a decadência da esquerda nas eleições burguesas.

Já o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) também apresentou um declínio, elegendo menos candidaturas em comparação a 2020, tanto no legislativo quanto no executivo, no qual não conseguiu eleger nenhum representante. Na capital paulista, Guilherme Boulos foi derrotado no segundo turno, alcançando pouco mais de 40% dos votos válidos, enquanto o candidato do MDB foi reeleito com quase 60%.  Os partidos da esquerda revolucionária – Partido Comunista Brasileiro (PCB), Unidade Popular pelo Socialismo (UP) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) – tiveram um crescimento modesto em votos válidos, mas não elegeram nenhuma candidatura.

Em contrapartida, partidos da direita tradicional, como o Partido Social Democrático (PSD) de Kassab e o Progressistas (PP) de Ciro Nogueira, além do União Brasil e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), dominaram o cenário eleitoral, com destaque para o PSD, que superou o MDB em número de prefeituras. Além disso, candidaturas eleitas de legendas ultraliberais e fascistas, como o Partido Liberal (PL) e o Novo, também cresceram significativamente. O Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), durante anos o principal operador político da burguesia paulista, sofreu uma dura queda, resultante de um racha em seu núcleo duro, que abriu espaço para o crescimento de outras legendas de direita. Pela primeira vez em décadas, o PSDB não terá representantes na Câmara Municipal de São Paulo, ficando com menos de 2% dos votos válidos para a prefeitura da capital. Ainda assim, em termos nacionais, o PSDB conseguiu eleger mais prefeitos do que o PT.

A Tática Eleitoral da Direita e do Campo Democrático-Popular

A direita tem utilizado uma combinação de populismo e clientelismo para consolidar sua base eleitoral, recorrendo a promessas superficiais e políticas de “pão e circo”, além de se beneficiar do “orçamento secreto”, que escancarou o caráter de classe do Estado brasileiro como verdadeiro balcão de negócios da burguesia. Em contrapartida, o PT continua apostando na fórmula viciada e desgastada da conciliação de classes e da frente ampla, inclusive com partidos da direita tradicional que abrigam elementos fascistas, sob o pretexto (pasmem) de combater a extrema-direita, como visto no caso da capital fluminense , com o apoio do partido a Eduardo Paes (PSD). Lula, por sua vez, evitou se empenhar em algumas candidaturas de seu campo para não se indispor com o “centrão”, que é parte de sua base no Congresso, revelando os limites do presidencialismo de coalizão e a capitulação de classe do governo petista. Nesse cenário, fica cada vez mais evidente o quanto o partido dos trabalhadores gerencia a burguesia nas eleições burguesas.

Enquanto isso, a classe trabalhadora enfrenta uma crescente precarização, marcada por desemprego, violência, déficit habitacional e colapso nos serviços de saúde e educação. Ao mesmo tempo, os movimentos sociais, sindicatos e a base organizada dos partidos de esquerda estão em crise, impulsionados pela desilusão das massas com a social-democracia e também em consequência da política de conciliação de classe que já se arrasta por quase duas décadas.

O elevado índice de abstenção nestas eleições é um sintoma claro da crescente desilusão de amplos setores da população brasileira com a democracia burguesa. Esse fenômeno reflete a percepção de que o processo eleitoral, moldado pelos interesses do capital, não oferece alternativas reais para as massas trabalhadoras, que se veem cada vez mais distantes de um sistema que não responde às suas necessidades materiais.

A Estrutura de Classes, a Despolitização e o Desafio para a Esquerda

A atual conjuntura eleitoral no Brasil expõe desafios profundos para a esquerda, especialmente no que se refere à mobilização das massas trabalhadoras e à necessidade de enfrentar a ascensão da extrema-direita. As campanhas de partidos ditos “progressistas” têm se caracterizado por uma crescente despolitização e diluição das pautas de transformação estrutural, convertendo o processo eleitoral numa escolha entre o “menos pior” e o “inaceitável”. Isso enfraquece a consciência da classe trabalhadora e favorece o avanço de forças reacionárias que capturam o descontentamento popular com soluções falsas e populistas.

O Discurso “Moral” nas Campanhas Eleitorais

Estas eleições foram marcadas por uma narrativa maniqueísta, centrada num embate entre “bem e mal” ou entre “esperança e desesperança”, que obscurece as contradições estruturais do capitalismo e sem uma alternativa popular para a classe trabalhadora. Ao transformar o processo eleitoral em uma escolha entre opções morais, as campanhas desviam o foco de discussões centrais sobre a exploração, o desemprego, a precarização e as desigualdades sistêmicas. Essa abordagem perpetua a alienação política, impedindo um entendimento mais profundo das crises sociais e econômicas enfrentadas pelo país.

Tal estratégia reproduz uma lógica de alternância entre blocos que, no fundo, preservam as estruturas de poder capitalista. Ao não centralizar as contradições de classe, esses partidos colaboram para o esvaziamento da luta política, resultando na apatia eleitoral e no enfraquecimento da mobilização popular.

A Falácia da Conciliação e o Abandono da Consciência de Classe

Outro fator determinante para a derrota da esquerda foi a postura conciliadora, que evita confrontar diretamente as classes que sustentam o sistema de exploração. Em vez de apresentar um projeto claro e combativo, a esquerda hegemônica opta por uma retórica vaga e inofensiva, que apela a conceitos genéricos como “esperança” e “paz”. Isso desarma a esquerda ideologicamente, enquanto a extrema-direita capitaliza o descontentamento popular com narrativas falsas e simplistas, oferecendo “bodes-expiatórios” como culpados pelos problemas sociais.

A incapacidade da esquerda de politizar e organizar a classe trabalhadora deixa um vácuo que a extrema-direita preenche com um discurso falsamente antissistema, desviando a atenção das verdadeiras causas das crises sociais.

Perdas Eleitorais e o Vazio de um Projeto de Classe

A consequência dessa estratégia que abre mão da disputa classista e cede moralismo é a derrota eleitoral da esquerda em grandes centros urbanos, onde a luta de classes se manifesta com maior intensidade. Ao não abordar de maneira clara e radical os problemas enfrentados pelos trabalhadores nesses centros – como a precarização do trabalho, a informalidade, o desemprego, a carestia –, a esquerda se desconecta das massas. A política de conciliação com setores do capital e o abandono de pautas de transformação radical afastam a classe trabalhadora, que passa a ver pouca diferença entre os partidos de centro-esquerda e a direita tradicional.

Assim, a esquerda, sem um projeto de classe claro e sem a disposição de lutar contra as estruturas do capitalismo, fica à mercê de uma disputa eleitoral que, mesmo quando vence, não traz mudanças significativas para a vida da classe trabalhadora.

A Urgência de Reorganizar a Classe Trabalhadora

Diante desse cenário, a esquerda precisa retomar a disputa pela consciência das massas trabalhadoras, trazendo ao centro do debate as contradições entre capital e trabalho e propondo um projeto anticapitalista claro e combativo. Isso exige abandonar a lógica de conciliação e enfrentamento moral, e construir uma política que exponha os interesses de classe da burguesia, organizando os trabalhadores a partir de suas realidades concretas.

O trabalho de base é fundamental para essa reorganização. É preciso mobilizar as classes populares nos locais de trabalho, nos bairros e nas comunidades, construindo alternativas que atendam às suas necessidades. Apenas dessa forma a esquerda poderá oferecer uma alternativa real ao avanço da extrema-direita e ao esvaziamento da política.

O Caminho para a Reconstrução da Luta Popular

O momento exige que a esquerda recupere sua capacidade de politizar a classe trabalhadora e organizar suas lutas, sob pena de continuar assistindo à ascensão das forças reacionárias. A reorganização da classe trabalhadora com um projeto de transformação radical é o único caminho para enfrentar a extrema-direita e as elites que perpetuam o sistema de exploração. A reconexão com a base e a retomada das lutas que tocam nossa classe são imperativas para a reconstrução de um horizonte popular e socialista para o Brasil.

O PCB, reconhecendo as limitações das eleições burguesas, sempre as utilizou como uma oportunidade para disputar corações e mentes da classe trabalhadora. Em 2024, o PCB apresentou um programa revolucionário, discutindo temas como educação, moradia, saúde, transporte e seguridade social na perspectiva do Poder Popular, buscando atender às demandas da classe trabalhadora. Ainda que o acesso às ferramentas da democracia burguesa seja restrito aos partidos da ordem, dificultando a conquista de resultados expressivos, nosso foco deve permanecer no trabalho de base, na perspectiva da construção do Poder Popular. O desafio agora é construir uma alternativa socialista, capaz de derrotar as forças reacionárias e liberais, traçando um novo horizonte para a classe trabalhadora brasileira.

Coordenação Nacional da União da Juventude Comunista

8 de novembro de 2024