
Depois do 13 de maio
No dia 14 de maio, eu saí por aí
Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir
Levando a senzala na alma, eu subi a favela
Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci
Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia
Um dia com fome, no outro sem o que comer
Sem nome, sem identidade, sem fotografia
O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver
Lazzo Matumbi
No dia 13 de maio, a princesa Isabel, filha de D. Pedro II, assina a Lei Áurea para a libertação dos escravizados no Brasil. Um ano após isso, o Brasil deixa de ser um Império e passa a ser uma República, ou melhor, a República das Espadas. Mas, afinal, o que foram esses mais de 300 anos de escravização e tráfico de pessoas no Atlântico? De acordo com a historiografia, o primeiro navio com pessoas escravizadas — ou navio negreiro, ou até mesmo “tumbeiro” — chega aos portos do Brasil em 1530. No entanto, sua intensificação começa no século XVII.
Nesse ínterim, cerca de mais de 4 milhões de escravizados chegaram aos portos brasileiros — chancelados pelo império ultramarino inglês —, oriundos de diversas etnias, desde os povos do litoral a oeste do continente africano, como angolanos e os povos do Daomé, até os congoleses, na África Central. Com a chegada a essa terra estranha, foram genericamente chamados de “negros” devido à sua condição de escravizados. Nesse ponto, é importante frisar que a escravização de povos nativos da América já ocorria: os “negros da terra” eram utilizados no processo de extração de espécies endêmicas da região, a mais conhecida sendo o pau-brasil.
Desse modo, os 350 anos de escravidão foram marcados por um acúmulo de capital, o que possibilitou que os Estados-nação europeus conseguissem urbanizar-se e iniciar a Revolução Industrial – sendo aquele que mais se destacasse o pioneiro: a Inglaterra. Tudo isso em detrimento da colonização das Américas, da Ásia e da África.
Esse período foi marcado não só pela exploração, mas também por inúmeras revoltas, fugas e formações de quilombos, bem como pela compra de alforrias — tanto de forma individual quanto por meio de grupos organizados para a compra coletiva. A Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios, na Capitania da Bahia (Salvador-BA), foi um marco nas revoltas do século XVIII. Inspirada na Revolução dos Jacobinos Negros ou Revolução Haitiana, foi uma revolta rápida e sangrenta que exigia o rompimento das relações econômicas com Portugal e o fim da escravidão. Em resposta repressiva, o Império determinou que as quatro principais lideranças da revolta fossem enforcadas e esquartejadas em praça pública, para que servissem de exemplo.
Ao longo da história, a exigência de um mercado consumidor e a consolidação do capitalismo para a produção em massa tornaram necessário o assalariamento, que daria vazão a essa produtividade. Para isso, a Inglaterra — maior credora do Império — pressionou pelo fim da escravidão. Nesse momento, a aristocracia iniciou um processo gradual e lento com leis de concessão, como a do Ventre Livre e a dos Sexagenários, ambas famosas por serem “leis para inglês ver”. A primeira determinava que uma criança nascia livre, mas de mãe escravizada, permanecendo assim sob o jugo da escravidão. A segunda estabelecia a liberdade aos 60 anos, mas, estatisticamente, um indivíduo submetido ao regime escravista raramente chegava aos 45 anos de idade.
Findos os acordos, no dia 13 de maio é assinada a Lei Áurea, que liberta todos os escravizados em território nacional. Entretanto, essas pessoas encontravam-se em condições de total desamparo, sem terra, sem pão e excluídas do trabalho assalariado existente no país — então restrito aos imigrantes europeus. Nesse sentido, materialmente, a maior parte continuou trabalhando nas fazendas em troca de moradia e alimentação. Aqueles que saíam em busca de novas oportunidades limitavam-se a trabalhos braçais e pouco especializados, pois muitos eram analfabetos e sem nenhuma formação profissional. No que tange à moradia, estavam submetidos a locais sem nenhuma estrutura ou saneamento básico.
Além disso, nas primeiras décadas do Brasil como República — que não passou por um processo democrático nem revolucionário — várias leis foram criadas para reforçar as políticas racistas e de classe no país. Um exemplo foi a Lei da Vadiagem (Decreto-Lei 3.688/1941), já durante o Estado Novo, que permitia a detenção de pessoas consideradas ociosas pela polícia. Essa tipificação penal atingia principalmente a população negra, que constituía a maioria dos desempregados, além de servir como pretexto para a apreensão de artefatos religiosos e a repressão à capoeira, prática então criminalizada. Curiosamente, legislações similares haviam sido aplicadas ao campesinato europeu após a ascensão da indústria têxtil no século XVIII.
Da mesma forma que nos dias atuais, a população negra, estatisticamente, é a maior parte dos mais de 9 milhões de desempregados, ocupa cerca de ¾ da população carcerária e é a que mais morre pelas mãos do Estado burguês brasileiro — seja pelo braço armado do Estado, seja pelas péssimas condições de moradia, saúde e acesso à educação. Nesse sentido, é notório que, mesmo com o fim forçado da escravidão, o capitalismo em sua fase produtiva e acumulativa resultou na exploração do trabalho assalariado e na manutenção da opressão racial. Esse cenário serve de base para manter o status quo da burguesia como detentora do poder, enquanto a classe trabalhadora permanece explorada e submetida ao jugo do capital.
Portanto, a verdadeira libertação só virá com o fim das classes e a superação do racismo — e isso somente poderá ser concretizado através da revolução e do autêntico movimento de emancipação, com a derrota definitiva da burguesia. Para tanto, a luta pela redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução salarial e pela desmilitarização da polícia devem estar na ordem do dia, para que as vidas de jovens negros e negras deixem de ser ceifadas pelo Estado burguês. São essas lutas concretas que construirão, de fato, um novo amanhecer, uma nova sociedade e o fim da exploração do homem pelo homem.
“A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”, Karl Marx
Por Cheyenne Ayalla, militante da UJC e do PCB na Bahia