
Chega de cortes! É hora de tomar as ruas para derrubar o “calabouço” fiscal!
Nas últimas semanas, o governo federal, por meio do Decreto nº 12.448/2025, impôs mais um corte orçamentário às Instituições Federais de Ensino (IFE), limitando o uso mensal dos recursos a apenas 60% do previsto no começo do ano. A medida, disfarçada como “restrição”, na prática reduz drasticamente a capacidade de financiamento das universidades, agravando a crise já existente devido aos cortes anteriores e à falta de reposição das perdas inflacionárias, que somam cerca de 10% em 2025. Com isso, as IFEs alertam que podem não conseguir arcar com despesas essenciais para seu funcionamento pleno, como água, energia, transporte estudantil, restaurante universitário e serviços terceirizados de manutenção, aprofundando ainda mais a precarização do ensino público.
Apesar do anúncio de “recomposição orçamentária” feito nesta terça-feira (27/05), a medida será inócua, pois não reverte o corte real de R$ 31,3 bilhões, limitando-se a um mero remanejamento interno de verbas. O valor supostamente liberado – apenas R$ 340 milhões – é ínfimo diante das necessidades concretas das universidades federais, cuja defasagem orçamentária não é de hoje, mas resultado de mais de uma década de “ajuste fiscal”. Essa suposta “recomposição” não resolve a crise estrutural do ensino público: serve apenas como migalha para tentar amenizar as críticas ao governo e “esfriar” as mobilizações dos setores combativos da educação, que continuam lutando por um orçamento digno e pelo fim da política de austeridade que asfixia as instituições federais.
Não é um “raio em céu azul” – entenda o que está por trás desses cortes
Essa política de cortes no orçamento público para áreas de interesse social não é novidade; ela tem nome e sobrenome: austeridade fiscal. Trata-se de um conjunto de regras econômicas neoliberais que impõe limites rígidos aos gastos públicos, alinhando-se ao chamado tripé macroeconômico neoliberal – déficit zero1, metas de inflação e câmbio flutuante. Sua origem remonta às políticas de ajuste estrutural promovidas pelo neoliberalismo a partir dos anos 1970 e 1980, sob influência da “Escola de Chicago”2 e de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que defendiam a redução do Estado, a desregulamentação financeira e a priorização do pagamento da dívida pública em detrimento dos investimentos sociais.
A razão estrutural desse arcabouço é servir aos interesses da burguesia financeira, que busca capturar recursos do fundo público para garantir lucros via pagamento de juros da dívida interna, em vez de destinar esses recursos a direitos sociais. Por exemplo, em 2024, o Brasil destinou R$ 869,3 bilhões ao serviço da dívida, enquanto cortava gastos com salário mínimo, Bolsa Família e educação. Essa lógica transfere renda dos trabalhadores e pobres para o setor financeiro. O arcabouço fiscal, portanto, não é um mero ajuste técnico, mas um projeto político que consolida a hegemonia do capital financeiro, aprofundando desigualdades e sufocando serviços essenciais, como educação e saúde, em favor de rentistas.
Como essa política se desenvolveu no Brasil?
Na esteira do processo de privatizações e desmonte de leis trabalhistas e previdenciárias no Brasil após a década de 1990, esse modelo ganhou novo fôlego ainda durante o governo Dilma II, com a nomeação do banqueiro Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. No entanto, seu aprofundamento ocorreu durante o governo golpista de Michel Temer com a promulgação da EC 95/2016 (Teto de Gastos), que congelou investimentos em áreas como educação e saúde por 20 anos. Com a eleição do governo Bolsonaro, essa política de cortes se agravou, afetando sobretudo a manutenção física das universidades, a realização de novos concursos, os reajustes salariais de professores e técnicos, bem como as políticas de assistência estudantil – que costumam ser as primeiras a serem cortadas.
Já o atual governo, ao manter essa política de austeridade fiscal, opera como gestor dos interesses da burguesia em detrimento da da educação pública de qualidade. Essa orientação se materializou já em 2023, no primeiro ano do governo Lula-Alckmin, quando o ministro Fernando Haddad não apenas manteve, mas aprofundou o sufocamento dos investimentos em educação por meio da PLP 93/2023 (Novo Arcabouço Fiscal). Como consequência, políticas essenciais como a assistência estudantil, a realização de concursos públicos e a expansão da rede de educação pública regrediram a patamares equivalentes aos de 2013. Além disso, os recursos destinados à educação sequer acompanharam a inflação, agravando um sistema já pressionado por mais de uma década de mudanças estruturais – mesmo com o número de docentes e discentes tendo dobrado no período.
Em resposta a esse desmonte, em 2024, os servidores públicos federais organizaram uma das maiores greves da educação pública, com mais de 500 Institutos Federais e 30 Universidades Federais paralisados por quase quatro meses. As principais reivindicações incluíam reajuste salarial, melhoria nos planos de carreira e aumento do orçamento para manutenção das unidades. Apesar de a mobilização ter garantido a abertura de mesa de negociação, o Governo Federal não apresentou propostas concretas – o que levou a uma nova onda de protestos, especialmente entre os técnicos administrativos, culminando na definição dos dias 22 e 23 de maio de 2025 como datas nacionais de paralisação.
Essa situação se soma ao debate sobre a Lei Orçamentária Anual (LOA), que, aprovada tardiamente em abril deste ano, já estabelecia limites implícitos aos recursos públicos. Os efeitos foram imediatos: cortes em diversas bolsas de permanência por pelo menos quatro meses, afetando milhares de estudantes em situação de vulnerabilidade social e elevando os índices de evasão no ensino superior. Os impactos, contudo, não se restringiram às universidades federais, atingindo também investimentos em ciência, no Bolsa Família e no programa “Pé de Meia” – uma das mais recentes iniciativas de assistência estudantil do Governo Federal, que já enfrenta processo de desestruturação. Vale destacar que essa aprovação contou com amplo apoio de um Congresso Nacional hegemonizado por partidos de direita e extrema-direita, que detêm a maioria das cadeiras.
Em contrapartida, as emendas parlamentares ultrapassam os R$ 50 bilhões, sendo que mais de 40% desse montante é destinado às bancadas da extrema-direita. Assim, não há escassez de recursos nos cofres públicos, mas sim uma escolha política sobre para onde eles são destinados. Mais uma vez, os recursos se concentram nas mãos dos banqueiros, do agronegócio e de outros setores da burguesia.
Só a luta organizada e unificada da nossa classe pode reverter esse quadro
Diante dessa realidade, torna-se imprescindível a mobilização conjunta de docentes, discentes, técnico-administrativos e trabalhadores terceirizados das universidades para impedir o desmonte da educação pública. É fundamental unificar as lutas, inspirando-se especialmente nos Tsunamis da Educação de 2019, que demonstraram a força da mobilização ao barrar ataques anteriores e garantir a manutenção do ensino superior público federal. Neste sentido, as entidades ANDIFES, ANDES, FASUBRA e UNE devem convergir suas bandeiras e ações em todo o país para os atos do dia 29 de maio, construindo um calendário unificado de lutas contra os retrocessos em curso.
Neste contexto decisivo, a União da Juventude Comunista (UJC) e o Movimento por uma Universidade Popular (MUP) convocam todos os membros da comunidade acadêmica – discentes, docentes, servidores e terceirizados – a participar das mobilizações nacionais. O objetivo é claro: rechaçar as medidas neoliberais que continuam a ser impostas à educação pública brasileira. Nossa plataforma de lutas levanta as seguintes bandeiras essenciais:
- Investimento imediato de 10% do PIB em educação pública – garantindo recursos necessários para garantir qualidade do ensino e permanência estudantil digna;
- Fim da austeridade fiscal e implementação de uma Lei de Responsabilidade Social – assegurando investimento pleno e permanente na educação;
- Expansão do ensino público e fim do vestibular como mecanismo de exclusão – substituição por formas democráticas de acesso ao ensino superior;
- Combate aos oligopólios do ensino privado – enfrentamento ao mercado educacional que mercantiliza o direito à educação.
Coordenação Nacional da União da Juventude Comunista (UJC)
27 de maio de 2025
Notas explicativas
- A política de “déficit zero” consiste em priorizar o chamado “superávit primário” nas contas públicas, isto é, quando as receitas do governo superam suas despesas correntes – sem considerar as despesas financeiras, como juros e amortizações da dívida. Essa estratégia se ancora em uma premissa equivocada e falaciosa do neoliberalismo: equiparar a economia de um país com soberania monetária — que emite sua própria moeda e controla a taxa de juros — à lógica de uma economia familiar doméstica. Ignora-se, assim, que um Estado soberano não opera sob as mesmas restrições de um lar, pois possui ferramentas monetárias e fiscais para estimular a economia, além de ser responsável por garantir direitos sociais, algo incompatível com a austeridade cega. A analogia serve apenas para justificar cortes em políticas públicas em favor do setor financeiro.
↩︎ - A Escola de Chicago é uma corrente de pensamento econômico neoliberal surgida na Universidade de Chicago (EUA), liderada por Milton Friedman e outros acadêmicos, que defende o livre mercado, a mínima intervenção estatal e políticas como privatizações, desregulamentação e austeridade fiscal. A aplicação dessa doutrina aprofundou as desigualdades sociais, ao priorizar interesses financeiros e corporativos em detrimento de direitos básicos, como saúde e educação, além de naturalizar as desigualdades e tratá-las como “inevitáveis” . No Chile, essa escola aliou-se à ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) por meio dos “Chicago Boys” – economistas chilenos formados em Chicago que implementaram um “tratamento de choque” neoliberal, usando o país como laboratório e cobaia. Com o apoio da ditadura, que suprimiu resistências por meio da repressão, promoveram privatizações em massa, cortes em gastos sociais e abertura econômica abrupta, consolidando um modelo que concentrou riqueza em grupos próximos ao poder e gerou desigualdade extrema, como evidenciado pela crise chilena de 2019. Friedman e seus discípulos justificaram a aliança com a ditadura como “mal menor”, ignorando violações de direitos humanos.
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