Home Estados Capitalismo, violência do estado e sequestro de pessoas em situação de rua e em uso problemático de drogas na cidade do Rio de Janeiro
Capitalismo, violência do estado e sequestro de pessoas em situação de rua e em uso problemático de drogas na cidade do Rio de Janeiro

Capitalismo, violência do estado e sequestro de pessoas em situação de rua e em uso problemático de drogas na cidade do Rio de Janeiro

0

“[…] e aí chamou uma ambulância, uma ambulância assistência e disse: “carreguem ela”, mas não disse pra onde, “carreguem ela”, … ela achou que tinha o direito de me governar na hora […]” – Stella do Patrocinio

Em 2022, o censo de população em situação de rua do município do RJ, realizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social e pelo Instituto Pereira Passos em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, identificou 7.865 pessoas em situação de rua. Dentre elas, 1.227 estavam em cenas de uso de drogas. Quando questionadas sobre o que necessitavam para sair da situação de rua, 40% responderam “emprego e moradia”.

Na terça-feira, dia 21 de novembro de 2023, o prefeito do município do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, anunciou em suas redes sociais a solicitação ao Secretário Municipal de Saúde, Daniel Soranz, para a criação de uma proposta de internação compulsória de pessoas que fazem uso de drogas e estão em situação de rua.

“[…] Não é mais admissível que diferentes áreas de nossa cidade fiquem com pessoas nas ruas que não aceitam qualquer tipo de acolhimento e que, mesmo abordadas em diferentes oportunidades pelas equipes da prefeitura e autoridades policiais, acabem cometendo crimes”.

O prefeito faz parecer que o uso problemático de álcool e outras drogas, a situação de rua e o aumento da criminalidade são fenômenos separados da remoção de milhares de famílias devido a obras para os megaeventos no Rio de Janeiro datados na última década, ou de outras obras na cidade que impactam os moradores, como ocorre em Campo Grande nas obras no Anel Viário realizadas pela prefeitura. Isso também inclui o aumento do custo de vida, o transporte público de péssima qualidade com tarifas altíssimas, a quantidade de aulas que nossas crianças e jovens perdem devido a operações policiais nas favelas, o desemprego e o subemprego enfrentados por nossos jovens, os idosos sem aposentadoria digna, a violência de gênero e racial que nossa classe sofre diariamente, e a fome e a miséria cada vez maiores em nossos lares.

Para Eduardo Paes, recorrer ao uso de substâncias para suportar mais uma noite fria e vulnerável na rua, ou um trabalhador precisar ficar em situação de rua durante a semana no centro da cidade porque o dinheiro não cobre o valor da passagem de ida e volta para casa, não são problemas gerados por falta de uma política séria de renda, moradia, educação e mobilidade. Muito menos são consequências diretas do capitalismo. Mas sim situações individuais, e a solução desse problema não é possível porque essas pessoas não desejam ser “acolhidas” e, por isso, “A internação compulsória de usuários de drogas em situação de rua é urgente e necessária”. Aqui, vale questionar ao prefeito: quais as amarras que o impedem de abrir mais serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)? Atualmente, a cidade possui apenas seis Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPSad), com apenas dois deles com Unidade de Acolhimento Adulto (UAA), e apenas 13 equipes de Consultório na Rua. Estes serviços são, de fato, os instrumentos efetivos para lidar com o aumento de pessoas em situação de rua e que fazem uso problemático de álcool e outras drogas, além de encarar esse problema na complexidade que ele exige, sem responsabilizar as pessoas que mais sentem na própria carne a perversidade do capitalismo.

Outro questionamento que deve ser feito é: como funcionariam essas internações? Seriam nos serviços da RAPS citados anteriormente, descaracterizando o papel substitutivo ao manicômio e negando o cuidado em liberdade como premissa do cuidado a pessoas em sofrimento mental, em uso de substâncias e em vulnerabilidade? Ou seriam em outras instituições mais acostumadas à prática de violações e violências, como as comunidades terapêuticas? Não seria essa medida de internação compulsória um aceno do prefeito Eduardo Paes às comunidades terapêuticas que seguem ganhando financiamento público e espaço dentro do governo Lula? Seja como for, sabemos bem a classe e a cor das pessoas que serão sequestradas pelo Estado em nome da saúde e segurança pública. No censo citado no início deste texto, cerca de 84% se autodeclaravam negros ou pardos.

Tal medida é mais uma maneira que o capitalismo encontra para lucrar até a última gota de sangue e suor da classe trabalhadora, não podemos esquecer a recente privatização de presídios no Brasil. Não há espaço para mediação com qualquer tipo de proposta de internação compulsória; qualquer que seja ela ainda será um enorme retrocesso na luta por direitos humanos, e uma ameaça à nossa classe. Todos que assumiram o compromisso com a classe trabalhadora devem rejeitar de forma taxativa e consequente esse absurdo, e da mesma forma, reforçar a luta pelo desfinanciamento de comunidades terapêuticas e pela ampliação da RAPS e de espaços de cultura, educação e convivência, por garantia de renda e moradia, por um SUS público, estatal, gratuito, de qualidade, antimanicomial e de fato antirracista, até a superação do capitalismo rumo ao socialismo.

Coordenação Regional da UJC Rio de Janeiro

30 de novembro de 2023