Por: Geo Carneiro*
O cenário é similar em praticamente todo o Brasil: bibliotecas públicas fechadas, quando não sucateadas ou em processo de reformas intermináveis. No Ceará, a Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel, que completou 150 anos de idade em 2017, na cidade de Fortaleza, encontra-se fechada desde fevereiro de 2014[1], tendo suas obras iniciadas apenas em 2015, depois de muita luta de estudantes de Biblioteconomia e História, que conseguiram pressionar o governo estadual de Camilo Santana (PT), conquistando a abertura de um espaço provisório para o funcionamento da biblioteca. No Rio, desde janeiro deste ano, as Bibliotecas-parque encontram-se fechadas e com previsão de abertura “nos próximos meses”[2].
O espaço da Biblioteca Pública configura-se como muito importante na democratização do acesso à leitura e à cultura para aqueles que não possuem condições de comprar livros que, no Brasil, possuem preços fora da realidade de grande parte da classe trabalhadora. Desta forma, é de se imaginar que sucessivos governos tenham se empenhado na utilização da biblioteca como importante fator de dominação ideológica e cultural ou mesmo que tenham exercido forte censura sobre seu conteúdo e atuação. Meias verdades. O que ocorre na relação entre biblioteca pública e Estado burguês na realidade não é uma censura oficial, mas sim uma “censura do descaso”[3].
Historicamente sucateada, a biblioteca pública tornou-se um ente afastado e estranho aos trabalhadores. Mesmo quando tentativas de abertura e aproximação foram realizadas através de ações alternativas tocadas muitas vezes pelos próprios bibliotecários, ou mesmo ações institucionais que significariam algum avanço no sentido da abertura da biblioteca ao popular, principalmente nas cidades do interior do país, estas iniciativas foram impedidas através de cortes de orçamento (já bem reduzido) e pela falta de políticas públicas voltadas à democratização do acesso à biblioteca.
Exemplo disso é Michel Temer que, ao assumir a presidência, teve como uma de suas primeiras ações a extinção do Ministério da Cultura[4]. Tal medida visava claramente fragilizar e extinguir as ações desenvolvidas pelo MinC como resposta às diversas lutas de setores ligados à cultura. Ao mesmo tempo, em São Paulo, Dória decide colocar um milionário como Charles Cosac no posto de diretor da Biblioteca Mário de Andrade[5], que, à frente desta, toma medidas elitistas como o corte de rodas de samba na biblioteca, já que, segundo Cosac, “já basta o samba do boteco ao lado”, uma vez que “não aguenta duas rodas de samba”. Dória também reduziu o horário de funcionamento da biblioteca, que funcionava 24h para atender de forma mais ampla a população[6].
Dessa forma, a lógica de enfraquecimento das políticas culturais sob a justificativa de “crise” das contas públicas, por parte do governo federal, ao mesmo tempo em que pagamentos bilionários são feitos aos grandes bancos e às grandes emissoras burguesas de televisão compromete ainda mais a democratização das bibliotecas públicas e, consequentemente, da leitura entre a classe trabalhadora. Dória segue no mesmo sentido, dando a toda a sua gestão um caráter extremamente higienista.
A cultura oferecida à classe trabalhadora através das grandes mídias no Brasil é sempre a cultura dominante de valorização do consumo e a cultura imperialista enlatada dos Estados Unidos. Assim, o pertencimento e o reconhecimento dos trabalhadores de sua própria cultura é minado em prol de formas de lazer e sociabilidade diluídas pelo capitalismo.
É preciso avançar no sentido de conquistar políticas públicas que de fato tornem a biblioteca um espaço aberto à classe trabalhadora e ao popular, mas mais do que isto, é preciso tornar a biblioteca um dos espaços de fortalecimento da consciência de classe dos trabalhadores, tornando-a parte da vida da população, que se reconhecerá como classe e tornará este espaço não mais um lugar de exclusão e descaso, mas sim um centro vivo de cultura popular. Os comunistas devem tomar parte nesta luta, pois lutar pela defesa e pelo avanço das bibliotecas públicas é lutar pelo acesso dos trabalhadores e da juventude à socialização de novas formas de manifestação cultural, uma cultura verdadeiramente anti-imperialista e contra-hegemônica, que questione os interesses do grande capital e do imperialismo.
*estudante de Biblioteconomia na Universidade Federal do Ceará e militante da UJC-Brasil
[1] http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/biblioteca-publica-fara-150-anos-e
-nao-tem-previsao-de-reabrir-a-sede-1.1687126
[2] http://blogs.oglobo.globo.com/gente-boa/post/bibliotecas-parque-devem-ser-reabertas-nos-proxi mos-meses.html
[3] http://biblioo.cartacapital.com.br/censura-a-biblioteca/
[4] https://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/11/politica/1462998470_097192.html
[5] http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/04/1877410-a-frente-da-mario-de-andrade-editor-ch arles-cosac-fala-em-novo-inferno.shtml
[6] http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/04/1877194-sob-doria-biblioteca-mario-de-andrade- deixa-de-ser-24-horas.shtml
Imagem: Policiais atuam em manifestação no Centro do Rio. Foto: Ana Carolina Fernandes