
Na luta é que a gente se encontra: um balanço do eleição do DCE-UFES em 2025
No dia 17 de março de 2025, foram enfim definidos os dois resultados eleitorais para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFES: um oficial e um reconhecível. No final, ambos os resultados apurados deram a posse da Direção do DCE para a Chapa 1, Pra Fazer Valer, composta pelas forças políticas do Campo Democrático Popular na UFES – neste caso, especificamente, pelo Levante Popular da Juventude, Kizomba (PT), Enfrente (PT), ParaTodos (PT), Movimento Participa e Juventude Socialista Brasileira (JSB, juventude do PSB). Com a finalização do processo eleitoral, foi possível averiguar muitos fatores diferentes que de fato fazem diferença para a compreensão de como se organiza o Movimento Estudantil da UFES, respondendo a fortes dúvidas ao longo do tempo da gestão Abre-Alas – composta pelas mesmas forças (somada ainda à União da Juventude Socialista (UJS, juventude do PCdoB), que não compôs chapa juntamente com seu campo na UFES em 2025) – e trazendo ainda à tona novos questionamentos de difícil resposta. Esta nota tratará do processo eleitoral e do seu resultado, cabendo a nós o esforço futuro de agir diante dos desdobramentos dele.
Formação de chapas
Em um cenário de conjuntura federal ainda marcada pela continuidade do governo Lula (PT) em um projeto neoliberal, acentuando seu caráter de rendição ao projeto burguês, somada a um Congresso com maioria de direita; em um cenário de governo estadual comandado por Renato Casagrande (PSB), que defende um projeto de privatizações e de violência contra a população negra e periférica; e em um contexto de avanço da direita na maioria dos municípios do país, compreendemos que vivemos em uma conjuntura que, em muitos aspectos, é certamente desfavorável a nós, estudantes. Essa conjuntura impõe grandes dificuldades para consolidarmos um projeto verdadeiramente socialista, capaz de conquistar efetivamente o que necessitamos e almejamos enquanto estudantes. No entanto, acreditamos que essas adversidades só podem ser superadas com um projeto de independência política de nossas entidades, que enfatize a necessidade de transformarmos a correlação de forças enquanto Movimento Estudantil e que confie no potencial da classe trabalhadora para conquistar o que é nosso por direito.
Partindo dessa compreensão e reafirmando nossa convicção de que o Campo Democrático Popular não consegue construir esses dois aspectos dentro do Movimento Estudantil universitário – principalmente por incluir em sua chapa o Movimento Participa e a JSB, ambos com projetos ideologicamente alinhados ao PSB, partido de orientação liberal, e por se posicionar contra a construção da Greve da Educação Federal na UFES (inclusive com esforços explícitos de boicotar esse processo) – torna-se evidente que a prática política desse Campo, com o qual já colaboramos por razões objetivas no passado, acaba por inviabilizar a sustentação política de suas conquistas, ainda que possíveis, no seio do Movimento Estudantil. Revela-se assim um institucionalismo como elemento central de todas essas conquistas políticas, distorcendo a percepção sobre o que merece ser defendido e, consequentemente, enfraquecendo o Movimento Estudantil. Isso não significa que rejeitemos o trabalho institucional – é importante participar desses espaços –, mas não nutrimos ilusões quanto a eles. Sabemos que, em muitos aspectos, essas instituições existem justamente para limitar nossa atuação.
Dessa forma, após analisar o histórico e o potencial de todas as forças de esquerda que se opuseram à gestão Abre-Alas, decidimos pela construção de uma chapa conjunta entre: União da Juventude Comunista (UJC) e Movimento por uma Universidade Popular (MUP), ambos vinculados ao PCB; Movimento Correnteza e Movimento de Mulheres Olga Benário, ligados à UP; e Fogo no Pavio, associado à corrente Revolução Solidária, do PSOL. Apesar das contradições existentes entre as forças da Chapa 2, Na Luta é que a Gente se Encontra, entendemos que as organizações que compõem a Chapa 1, Pra Fazer Valer, não terão capacidade de sustentar politicamente um projeto efetivamente antineoliberal ao mesmo tempo em que funcionam como base de apoio ao governo federal em sua atual configuração e aceitam em sua composição uma força alinhada ao governo estadual.
Sobre a Comissão Eleitoral
Apesar de sabermos que temos projetos muito diferentes em comparação com o Campo Democrático Popular, enquanto Campo de Oposição de Esquerda na UFES, também é notável acreditarmos que o Movimento Estudantil ainda pode pactuar algumas coisas para que o andamento de parcelas dos processos que vivemos ocorram com tranquilidade. Por conta disso, foi pactuado desde antes da formação de chapas que esse processo seria muito menos tensionado do que o processo eleitoral de 2023. Sabemos o quanto um processo político pode ser desgastante, de fato ocorrem muitos gastos efetivos para produção de material que é necessário pactuar, e é nítido que gostaríamos de ter tido um processo justo com uma tônica coerente de como tudo merece ser debatido.
Esse pacto acordado entre os Campos políticos, no entanto, sempre foi fragilizado pelo fato de a Comissão Eleitoral (COE) ser composta por maioria (3 para 2) das forças políticas que formaram a Chapa 1. Não somos levianos ao acreditar que uma Comissão Eleitoral não representaria a correlação de forças que representa algo dentro da nossa Universidade, mas uma maioria do Campo Democrático Popular não precisaria necessariamente significar que o processo ocorreria de maneira desigual ou tratorada. No entanto, compreendendo como funciona a dinâmica desse Campo e a conjuntura em que esse processo se deu, foi muito nítido que o processo culminou em uma série de decisões burocráticas sem busca de consenso interno por parte dessa COE e que pendeu para privilegiar a Chapa 1. Seja ao aceitar recursos sem provas plenas, ao atrasar significativamente parcelas do processo que seriam de interesse da Chapa 2 e ao adiantar outras para privilégio da Chapa 1, as atitudes da COE durante o mês inteiro de fato representaram uma afronta a toda a comunidade estudantil da UFES.
Uma afronta tão grande que, ao final do processo, culminou em termos uma apuração oficial incompleta – que durou três dias inteiros, com um final de semana no meio (qualquer apuração na UFES sempre durou no máximo uma madrugada) –, adotando metodologias que, se já aconteceram dentro do Movimento Estudantil da UFES, há muito tempo não temos notícia, adoecendo inclusive os membros da COE e das duas chapas por conta dessas mudanças metodológicas, e ao final culminando em um golpe nas urnas de um Centro inteiro, sendo este o segundo maior pleito eleitoral da UFES (as urnas do Centro de Ciências Humanas e Naturais).
Não há como analisar esse processo em sua totalidade e o que ele representou sem abordar objetivamente essas tomadas de decisão da Comissão Eleitoral, que, a partir de acusações sem provas sobre fraude em uma urna e por terem acesso a um aparato burocrático, simplesmente cancelaram uma urna inteira. Vale notar que isso ocorreu justamente em um cenário em que os votos estavam divididos de modo que qualquer uma das chapas poderia ser vitoriosa.
Exatamente por entendermos que esse processo se finalizou dessa forma – expondo que o campo formado por forças ligadas ao PT e ao PSB tem características golpistas e não teme utilizá-las quando julgadas necessárias, com aval de seus diretores na União Nacional dos Estudantes (UNE) –, é que louvamos o esforço do corpo discente de Ciências Sociais, que fez o que nós não faríamos: abriram a sala onde estava a urna (que sequer foi aberta para comprovar a fraude alegada pela Chapa 1) e contaram os votos, apresentando um resultado final a esse processo.
O resultado final que nós reconhecemos é de 1552 votos para a Chapa 2, Na Luta é que a Gente se Encontra, e 1622 votos para a Chapa 1, Pra Fazer Valer. Se a direção que tomou posse do DCE (afinal, foi eleita) não quer reconhecer sua própria vitória da mesma forma que nós, isso é um problema dela. Que fique claro que, mesmo não sendo nós quem assume a Diretoria do DCE em 2025, não há qualquer motivo para enxergar a construção desse processo como uma derrota política por parte de nenhuma das forças políticas da Oposição de Esquerda na UFES. Uma análise da forma como o resultado eleitoral final se deu demonstra isso de maneira muito clara, sendo capaz de eliminar quase todas as prepotências que podem vir de todas as partes do processo. Trazer à tona o andamento do processo também nos faz ter uma dimensão maior do tipo de processo que realizamos, o que fizemos de correto, o que fizemos de errado e como iremos trabalhar ao longo desse ano com uma direção com a qual temos discordâncias significativas – e que conseguimos cristalizar isso muito bem com diferentes bases do Movimento Estudantil da UFES.
Sobre o mês da campanha
Tratar desses momentos nos fez escolher as metodologias de campanha que temos muito orgulho de ter feito. Torna-se muito difícil expor uma diferença factual de projeto sem falar do passado, e de fato as propostas tanto da Chapa 1 quanto da Chapa 2 não apresentam contradições tão grandes: querendo ou não, sabemos que o que nossos adversários defendem apresenta boas intenções, e se a maioria do que foi trazido pelas duas chapas for conquistado, independentemente de não ser nossa chapa quem assumirá a Diretoria do DCE, teremos uma boa vida estudantil na UFES.
No entanto, nossas diferenças de projeto, conforme foram esclarecidas anteriormente, dizem respeito à forma como nos comprometemos a conquistar nossos direitos e à maneira como queremos dar sustentação política para essas defesas. O nosso grande desafio foi expor de fato a incapacidade de sustentação que o projeto da Chapa que estava na gestão do DCE ao longo do final de 2023 e de 2024 inteiro tinha para conseguir o que os estudantes tanto anseiam – coisas que para muitos estudantes já estavam claras desde a época da Greve.
Por conta disso, é evidente que nos esforçamos para mostrar que nós temos conhecimento de como a UFES funciona, coisa que a chapa que busca continuidade em sua gestão do DCE para 2025 também tem. Todo nosso material panfletário, as diferentes defesas que fizemos, nossas crenças sobre o que é melhor para o futuro do movimento estudantil, tudo em que nos baseamos para entrar nessa campanha deixou o seguinte muito claro: nós conhecemos bem a UFES e estamos aqui para defender que essa universidade se torne uma Universidade Popular.
Podemos, evidentemente, não ter completa ciência de tudo o que ocorre em todos os espaços. É um erro prepotente de qualquer parte que se coloca em uma disputa assumir para si que conhece todos os aspectos da universidade que existem, mesmo quando tem uma participação ampla em muitos lugares diferentes. No entanto, demonstrou-se com o resultado eleitoral (que teve uma diferença de 70 votos) de forma evidente que as perspectivas de nossos projetos combinam com uma parte muito considerável dos estudantes da UFES, e tentar dizer que não faz sentido defendermos um projeto de Oposição de Esquerda é um esvaziamento político gigantesco de qualquer debate que possa ser proposto.
Construir em conjunto com diferentes partes da base do Movimento Estudantil, dar continuidade a um processo de luta que não se encerra em si mesmo e finca suas bases com continuidade e consistência junto a parcelas consideráveis de nossa Universidade que querem construir uma política revolucionária – que não aceita a rendição ao projeto da burguesia, que compreende como a dinâmica da luta de classes se cristaliza em nosso espaço e assume para si o papel de defesa da classe trabalhadora como um agente capaz de conquistar por seu poder os nossos direitos: é isso que nós sempre objetivamos com o processo eleitoral.
É evidente que assumir a direção do DCE seria algo que beneficiaria muito esse projeto. Sabemos que o impacto cultural da Chapa Na Luta é que a Gente se Encontra não conseguiu se cristalizar na UFES inteira como gostaríamos, mas não nos furtamos de analisar minuciosamente os fenômenos, inclusive quando quisermos fazer autocríticas consideráveis dos momentos que vivemos ao longo do último ano e que também viveremos ao longo dos próximos processos.
Todos os nossos esforços para construir uma chapa, criação de atividades culturais, estabelecimento de contatos cotidianos, e formulação de propostas que dialoguem com estudantes e que reflitam a nossa proposta principal enquanto Universidade resultaram em um quantitativo de votos que sabemos que as forças da outra chapa não irão ignorar. Comparar o resultado eleitoral de 2023 com o de 2025 nos dá esse termômetro significativamente bom.
Reduzimos o total de votos, no resultado reconhecido, em dois espaços da UFES: campus Alegre e Centro de Artes. Todas as outras urnas tiveram algum aumento significativo de votos ou se mantiveram no mesmo número de votos, com destaque para a nossa chapa que conseguiu votos consideráveis no campus São Mateus (interior do Espírito Santo), no Centro de Educação Física e Desporto (CEFD), no Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN), e no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE).
Aos estudantes de todos os Centros que acreditaram no projeto de construção do Campo de Oposição de Esquerda na UFES, nossos mais sinceros agradecimentos. Sabemos que caminhar com cada um de vocês é de nossa maior estima, e agradecemos também às outras forças envolvidas nesse projeto pelo trabalho conjunto.
Entendemos que esses votos não vieram apenas do mês de campanha: vieram de todo um trabalho cotidiano do Campo e de sua presença nos momentos de luta que fizeram sentido para os estudantes. Ainda temos o que avançar. Tornar a linha política uma referência para um conjunto maior de estudantes requer bastante trabalho, mas não um trabalho que nos furtaremos a fazer, tampouco um trabalho que tenhamos que temer.
Por conta disso, sabemos que esse processo finalizado e com a diretoria assumindo com os votos de onde saíram nos mostra desafios para nossa compreensão. Os votos de quem assumiu a direção do DCE vieram principalmente de espaços que foram contrários ao processo de luta da Greve da Educação Federal, quando não de estudantes que seguem uma linha política abertamente reacionária. Perceber que essas escolhas dos estudantes nos espaços em que a campanha da Chapa 1 – Pra Fazer Valer demonstram politicamente que escolhas revolucionárias não os contemplam pode sinalizar mudanças para uma rendição ainda maior ao neoliberalismo por parte desse Campo político.
Será a Gestão Pra Fazer Valer uma repetição da Gestão F5? Não coincidentemente, teve a força política ligada ao PSB na chapa de direção do DCE daquela época. Não é nenhum exagero a percepção de que o voto nas forças do Campo Democrático Popular, por conta de suas visões institucionalistas e seus eixos estratégicos, é mais um voto em um servidor público do que em uma liderança política que irá, de fato, empreender grandes esforços de luta social em prol de nossos direitos. Receber uma chaga dessas jamais seria um conforto para os comunistas da UFES.
União da Juventude Comunista (UJC) – Núcleo Universitário (ES)
Abril de 2025