
As lutas ambientais em um “Ceará 3x mais forte” frente à dependência do capitalismo brasileiro
Por Gabriel Remígio, militante da UJC no Ceará
A cidade de Fortaleza elegeu, no último ano, o prefeito Evandro Leitão, com sua campanha baseada no slogan “Por um Ceará três vezes mais forte”, referindo-se a, além de Evandro, o governador Elmano de Freitas e o presidente Lula, todos do PT, sugerindo uma aliança entre poderes executivos. Tal possibilidade se contrapõe ao apresentado no Congresso Nacional, onde as alianças se mostram como meios necessários para uma tal “governabilidade”. A questão aqui colocada vai muito além de uma crítica à opção feita pelo PT de ocupar tal espaço no teatro da democracia burguesa, afinal, sabe-se que alguém o há de ocupar, e antes seja a esquerda liberal que a direita – diga-se de passagem. Mas é preciso questionar: qual o resultado de colocar a própria manutenção no poder acima da defesa da classe trabalhadora? Para exemplificar, trataremos de resultados disso na política ambiental do estado do Ceará.
Nesse texto, não nos aprofundaremos na conjuntura interna ao governo cearense, levando-o a se curvar frente ao grande capital, culminando em ataques potencialmente devastadores ao meio ambiente e à classe trabalhadora. Isso foi feito recentemente no texto “O Dragão de Itataia: o povo paga, a burguesia lucra!”, tratando da mineração de urânio e fosfato no município de Santa Quitéria. Aqui buscaremos retratar um escopo mais amplo dessa expressão da luta de classes, exemplar da dinâmica do capitalismo dependente e agroexportador brasileiro.
Como a dependência brasileira afeta os trabalhadores e o meio ambiente?
É no seguinte contexto em que ocorrem as lutas da classe trabalhadora brasileira: um capitalismo onde a burguesia “nacional“ transfere valor aos centros do capitalismo pela sua dinâmica de acumulação voltada à exportação de commodities – no caso brasileiro, especialmente agrários – , resultando em trocas desiguais e acúmulos dos lucros nos centros através de empresas multinacionais. Portanto, a burguesia brasileira, subordinada ao grande capital internacional, passa a tentar compensar essa relação de dependência internamente, superexplorando a força de trabalho local visando aumentar suas margens de lucro. Em meio a isso, as burguesias locais mas também internacionais – visando aumentar sua inserção no capitalismo brasileiro – , buscando expandir as fronteiras de acumulação e acelerar a exploração, tensionam a política brasileira na direção do afrouxamento das leis ambientais, mesmo sabendo de seus resultados desastrosos – demonstrando mais uma vez o caráter imediatista, irracional e anti-ciência do “deus mercado”. Tais ações e suas contradições se apresentam muito claramente em três disputas da luta no campo: a já apresentada mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria; a implementação de data-centers, destacando aqui o município de Caucaia; e a pulverização aérea de agrotóxicos por drones.
Mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria
Quanto à primeira, só teríamos a acrescentar ao recente texto que foi realizada uma série de consultas públicas com a população local, que se colocou amplamente contra o projeto – em fase de licenciamento. Além disso, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará realizaram uma análise do Estudo de Impacto Ambiental do Projeto (EIA/Rima – feito por empresa contratada pelos interessados no projeto) apontando suas inconsistências e omissões. A resposta apontou à baixa quantidade de empregos e recursos gerados ao município (que já tem se desenvolvido sem o empreendimento), cujo maior problema enfrentado é a escassez hídrica, que seria muito acentuada pela mineração. Ironicamente, a resposta do Governo do Estado frente aos protestos da população foi se comprometer a agir para resolver os principais problemas da cidade apenas caso o empreendimento fosse consolidado. Ou seja, para a produção de um material radioativo a ser enriquecido na França – e por isso conta com a pressão de Macron por sua rápida aprovação – e sem garantia nenhuma de que seria consumido no Brasil, colocaria-se em cheque o desenvolvimento de Santa Quitéria.
Implantação de data-center em Caucaia
Seguindo o rastro de crises hídricas históricas, chegamos ao município de Caucaia (Região Metropolitana de Fortaleza), onde visa-se a implantação de um data-center – nesse caso, a serviço do grande capital chinês –, projeto da empresa Casa dos Ventos – que tem como sócio-fundador Mário Araripe, um dos representantes dessa burguesia “nacional”. O Ministério da Fazenda tem prometido uma série de medidas de incentivo à implementação desses empreendimentos no Brasil, visando cerca de R$2 trilhões em investimentos nos próximos 10 anos. Tal anúncio pode gerar grandes expectativas, mas apenas àqueles que não conhecem o funcionamento desses grandes armazéns de dados: Não passam de enormes galpões, lotados de máquinas de alto poder de processamento, que geram, além de poucos, empregos pouco qualificados. Ao contrário da mão de obra, exigem grandes quantidades de recursos, especialmente água, para manter os equipamentos resfriados, e energia. Apesar da empresa prometer baixo consumo, alegando utilizar um sistema fechado de resfriamento, em meio a tanto calor muita água evapora, o que torna necessária a captação de mais água de fora do sistema, tudo isso em uma região com histórico de grandes secas. Não seria novidade a sobrecarga dos sistemas de energia e água após a instalação de data-centers, apenas para servir aos interesses do grande capital.
Pulverização aérea de agrotóxicos por drones
Além desses grandes empreendimentos, há ainda outra triste ironia que dá um grande passo atrás na legislação ambiental do estado: o governador Elmano de Freitas, redator do projeto da Lei Zé Maria do Tomé – em homenagem ao ativista ambiental assassinado a mando do agronegócio por sua luta contra a pulverização aérea de agrotóxicos – aprovada em 2019, que colocou o Ceará a frente do resto do Brasil na política ambiental ao proibir a prática contra a qual lutava Zé Maria, foi o mesmo responsável por sancionar um projeto permitindo a pulverização aérea de agrotóxicos, agora feita por drones.
Com a desculpa de se colocar contra a exposição de trabalhadores ao veneno enquanto fazem a pulverização em terra, Elmano opta por, em vez de buscar proibir o uso de substâncias tóxicas a humanos nas plantações, liberar uma prática conhecida por – além de gerar enormes danos ambientais (matando vegetações próximas e poluindo lençóis freáticos) – ser utilizada como arma química, pois sabe-se que os drones, por sua portabilidade, são utilizados em áreas de interesse do agronegócio para despejar veneno sobre comunidades tradicionais e de agricultores, tornando a vida ali insustentável até que os mesmos saiam (ou morram). E assim Elmano, que ganhou sua relevância política como advogado do MST, aprovou uma medida que atingirá o próprio movimento.
Somente a classe trabalhadora pode cumprir sua tarefa histórica!
Frente a isso surge o Movimento Revoga Já! mobilizando a população do campo às cidades para lutar pela revogação da lei que permite essa prática. Atualmente, o movimento – que conta com o apoio da UJC e do PCB em sua construção – organiza um plebiscito popular, realizando atividades de conscientização e debates sobre a questão, e levando o plebiscito a diferentes espaços, perguntando à população o que ela quer para a política ambiental do Ceará. A UJC, o PCB, a OPA – Organização Popular e todas as organizações que enxergam a importância do Movimento Revoga Já! se somam a essa luta levando as urnas do plebiscito aos espaços de atuação e discussão política, para perto dos trabalhadores do campo e das cidades, onde deve ser feita a política de qualquer movimento que queira se dizer de esquerda.
Esses casos, apesar de não retratarem toda a política ambiental brasileira, ou sequer cearense, demonstram a forma como o capital age sobre os governos no capitalismo, sejam eles de esquerda ou direita – necessitando de diferentes esforços frente a cada um. É pelos interesses da grande burguesia que o Brasil se torna um quintal – ou melhor, um latifúndio – para onde a fronteira de exploração do capitalismo deve ser expandida. Graças a essa dinâmica, na qual estaremos inevitavelmente inseridos enquanto não nos libertarmos da lógica do mercado, em que o capital flui constantemente das periferias para o centro do sistema, que somos, para a burguesia, nada além de meros peões para minerar com nossas próprias mãos o urânio que gerará a energia dos franceses, os trabalhadores que irão manter os dados das big-techs bem guardados às custas de nossa água e energia, e os que irão controlar os drones e jogar veneno sobre os grãos que provavelmente nem iremos comer, mas servirão de alimento para o gado estadunidense ou chinês. Sabendo que, seja no centro ou na periferia, aqueles que serão explorados são os mesmos, é preciso que os trabalhadores de todo o mundo ousem lutar, até que possamos ousar vencer.
Referências
- UJC. O dragão de Itataia: o povo paga, a burguesia lucra. União da Juventude Comunista, [S. l.], [20–]. Disponível em: https://ujc.org.br/o-dragao-de-itataia-o-povo-paga-a-burguesia-lucra/.
- DIÁRIO DO NORDESTE. Mina de urânio em Santa Quitéria pode trazer riscos à água, à biodiversidade e à saúde humana, diz parecer da UFC. Diário do Nordeste, [S. l.], [20–]. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ceara/mina-de-uranio-em-santa-quiteria-pode-trazer-riscos-a-agua-a-biodiversidade-e-a-saude-humana-diz-parecer-da-ufc-1.3629019.
- THE INTERCEPT BRASIL. TikTok instala data center em cidade seca do Ceará. The Intercept Brasil, [S. l.], 22 maio 2025. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2025/05/22/tiktok-data-center-cidade-seca-no-ceara/.
- BRASIL DE FATO. Cinco anos após proibir pulverização aérea, governo do Ceará libera drones para aplicação de agrotóxicos. Brasil de Fato, [S. l.], 20 dez. 2024. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/12/20/cinco-anos-apos-proibir-pulverizacao-aerea-governo-do-ceara-libera-drones-para-aplicacao-de-agrotoxicos/.