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A Reforma da Universidade de Córdoba

A Reforma da Universidade de Córdoba

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A Universidade de Córdoba (Argentina), era uma Universidade localizada em uma região que mesmo após a independência da Argentina (em 1810), continuou conservando alguns dos costumes políticos e sociais da antiga colônia espanhola. Com forte influência dos jesuítas, a Universidade, em 1918 constava somente com os cursos de Medicina, Direito e Engenharia, e atravessava uma crise, com o fechamento do internato e a restrição de estudantes de classe média por parte dos catedráticos.

Frente a essa situação, os estudantes iniciam uma série de manifestações contra a administração da Universidade, exigindo alterações profundas no seu funcionamento, como uma nova estruturação dos conselhos e o fim dos cargos vitalícios. Se inspirando no modelo da Universidade de Buenos Aires, mas indo além dele, os estudantes de Córdoba decretam greve em março, após negativa da administração para atender suas demandas.

Esse movimento conquistou amplos setores e influenciou na criação da Federação Universitária Argentina (FUA), em Buenos Aires. Também contou com apoio do presidente Hipólito Yrigoyen, eleito em 1916, que interviu diretamente na Universidade de Córdoba. Nisso, em um movimento de disputa interno, onde os candidatos apoiados pelos estudantes conquistaram maioria nos Conselhos, estes elegeram um reitor conservador, Antonio Nores, contra o apoio dos estudantes a Martínez Paz.

Compreendendo então que a estrutura do poder não tinha sido alterada, a Federação Universitária de Córdoba (FUC) decreta greve por tempo indeterminado, impedem a posse de Nores na Reitoria, então ocupada, e publicam em 21 de juno de 1918 o Manifesto de Córdoba: Da Juventude Argentina de Córdoba aos homens livres da América. Essa greve conta com uma importante adesão de estudantes e operários em várias regiões do país.

Nesse Manifesto, a FUC denuncia o autoritarismo e o conservadorismo da administração universitária, que atuavam juntos para parasitar a Universidade, mantê-la afastada da ciência e impor uma disciplina autoritária contra o espírito democrático dos estudantes ali reunidos. Ao não reconhecer a posse do Reitor, e portanto a ilegitimidade de sua atuação, a FUC demonstra que não é possível governar a Universidade sem o apoio estudantil, decretaram uma insurreição contra o poder constituído e inauguraram uma verdadeira Revolução na concepção de Universidade na América Latina.

Além de não reconhecer o reitor Nores, não empossado, denunciar as reformas que não incluíram os estudantes na democracia universitária, e criticar o conservadorismo apartado da ciência, o Manifesto coloca as bases fundamentais da concepção de uma Universidade profundamente democrática. Uma Universidade onde a gestão não pode ser feita sem os estudantes, porque eles são a principal raiz da autonomia universitária, e onde a autoridade não é a da ordem e da força, mas a do ensino.

Este é o sentido fundamental da Reforma de Córdoba: uma universidade radicalmente democrática e comprometida com o espírito de seu tempo, com as necessidades de desenvolvimento social do momento; isso em contraposição a uma Universidade autoritária e conservadora, comprometida a manter no poder classes parasitárias que nada mais têm a oferecer ao desenvolvimento humano. Compreendendo esse sentido, é possível compreender também sua atualidade e necessária recuperação enquanto experiência concreta.

Sobre a democracia radical, não resta muito a atualizar, no Brasil hoje, a maioria das Faculdades são privadas, e logo, não contam com quase nenhuma democracia interna, sendo dificultado inclusive a organização de entidades estudantes, como CA/DA e DCE, enquanto nas públicas, onde o movimento estudantil e sindical tem maior fôlego, ainda restam diversas relíquias antidemocráticas como as listas tríplices e a representação desigual nos Conselhos Universitários, que privilegia os professores.

Quanto ao seu sentido, as Faculdades privadas seguem praticamente a risca o dogma de formar profissionais precarizados pelo menor custo possível, principalmente pela oferta de cursos EaD. Nessas instituições, as iniciativas de pesquisa e extensão são muitas vezes inexistentes, e quando existem, são alinhadas aos interesses e ideias dos proprietários das redes ou unidades, existindo pouco espaço para a construção de uma perspectiva emancipadora nessas produções, sem apoio logístico ou financeiro.

Enquanto isso, nas Universidades Públicas, a questão é mais delicada, já que se trata de um amplo processo de disputa dentro de cada uma delas, sendo então uma questão da correlação de forças entre reação e revolução dentro de cada espaço universitário, onde a tirania do capital encontra mediações na burocracia de Estado. Ali se encontram as brechas para tensionar a ordem vigente e construir alternativas de organização popular contra o capital.

Fica então que as Universidades de hoje estão ainda distantes dos ideais da Universidade Popular, a Universidade Latino-Americana por excelência, que representa as aspirações e necessidades de um povo oprimido pelas burguesias estrangeiras e locais. A Reforma de Córdoba se mantém então viva em cada grito contra o autoritarismo que fere a autonomia universitária, contra cada baluarte de conservadorismo que nega uma formação científica e emancipadora.

E é continuando na construção desse projeto, da Universidade Popular, que está a continuidade de Córdoba, assim como de todas as outras experiências de transformação das universidades latino-americanas realizadas desde então. A democracia radical é a garantia de nossa autonomia, de nossa possibilidade concreta de escolher o caminho da ciência, da crítica e do desenvolvimento humano e social que é negado pelo capitalismo. A democracia radical que escolhe a ciência e a teoria revolucionária é o Poder Popular rumo ao socialismo.

Por Guilherme Corona, militante da UJC na Bahia