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A precarização da educação no Rio Grande do Sul

A precarização da educação no Rio Grande do Sul

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A crise educacional no Rio Grande do Sul não é um fenômeno isolado, mas parte de um processo nacional que vem se aprofundando desde meados da década de 2010. Um marco importante nesse processo foi o ano de 2015, quando o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) limitou o número de vagas disponíveis para novos contratos e dificultou a permanência de estudantes já matriculados em instituições privadas de ensino superior. Estima-se que aproximadamente 20 mil jovens gaúchos foram diretamente afetados por essa restrição, sendo obrigados a interromper ou abandonar seus cursos. Esse movimento não apenas reduziu o acesso ao ensino superior, mas também ampliou as desigualdades sociais já históricas no estado.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), citados pela revista Zero Hora, a partir de 2015 observou-se um crescimento gradual e constante da educação a distância (EaD). Em 2023, a modalidade atingiu a marca de 58% das matrículas no ensino superior do estado. Esse número, por si só, revela uma tendência preocupante: a migração em massa para cursos EaD não decorre apenas de uma escolha consciente dos estudantes, mas principalmente da falta de alternativas viáveis no ensino presencial, cujos custos se tornaram proibitivos sem o apoio de políticas públicas de financiamento estudantil.

A situação se agrava?

Quando cruzamos esses dados com a realidade socioeconômica dos jovens gaúchos, a gravidade do cenário se torna ainda mais evidente. Segundo pesquisas realizadas pela PUCRS, entre os gaúchos de 15 a 29 anos, apenas 21,1% conseguem conciliar trabalho e estudo; outros 22,8% estão inseridos no mercado de trabalho, mas já não estudam; e 42,2% se encontram na situação de apenas trabalhar, sem prosseguir com a escolarização. Esses números demonstram que a pressão econômica empurra os jovens para o mercado de trabalho precário e de baixa remuneração, em detrimento da continuidade de sua formação acadêmica.

A desigualdade racial agrava ainda mais esse quadro. Enquanto os jovens brancos figuram como maioria no grupo que consegue trabalhar e estudar ao mesmo tempo, a realidade da juventude negra é bem mais dura: 49,5% dos negros entre 15 e 29 anos apenas trabalham, sem conseguir prosseguir nos estudos. É um dado alarmante, principalmente quando lembramos que os negros representam em torno de 20% da população do Rio Grande do Sul. A discrepância expõe a face mais cruel da exclusão social: uma juventude que, mesmo minoritária em termos populacionais, compõe a maior parte das estatísticas de abandono escolar e de inserção precoce e forçada no mercado de trabalho precarizado.

É verdade que houve algum avanço no acesso da população negra ao ensino superior nos últimos dez anos. Em 2014 eles representavam 6,59% (31.637) dos alunos, e em 2023 representam 14,02% (82.493), o que ainda é extremamente baixo se comparado aos 70,5% de participação da população branca no mesmo nível educacional. Portanto, embora o discurso oficial muitas vezes exalte a “democratização” da educação, a realidade mostra que os ganhos foram tímidos e insuficientes para corrigir as desigualdades históricas.

Projeto político

Diante desse panorama, é impossível não enxergar a precarização da educação como parte de um projeto político mais amplo. A redução de investimentos públicos, o enfraquecimento de programas como o FIES e o ProUni, a aposta em modelos de ensino massificados e de baixa qualidade (como muitos cursos EaD oferecidos por conglomerados privados), e a transferência da responsabilidade da educação para o indivíduo – que deve “se virar” para pagar mensalidades, assumir dívidas ou conciliar jornadas de trabalho extensas – compõem um cenário que atende a interesses específicos. Trata-se de uma estratégia que, ao mesmo tempo em que amplia a lógica de mercado no ensino, mantém camadas populares e grupos historicamente marginalizados longe do ensino de qualidade.

No Rio Grande do Sul, onde o peso do desemprego juvenil é alto e a desigualdade racial se manifesta de forma intensa, a precarização da educação se traduz em um círculo vicioso: jovens que não conseguem acessar o ensino superior permanecem presos a empregos informais ou de baixa remuneração; esses empregos, por sua vez, não oferecem condições de ascensão social, perpetuando a exclusão e limitando o desenvolvimento humano e econômico do estado.

Portanto, a precarização da educação gaúcha não é apenas um problema pedagógico ou administrativo: é um reflexo direto de escolhas políticas que priorizam cortes orçamentários e interesses privados em detrimento do direito universal à educação de qualidade. Superar esse quadro exige não apenas investimentos robustos em políticas públicas de acesso e permanência estudantil, mas também uma mudança estrutural que enfrente, de forma frontal, as desigualdades sociais e raciais que marcam a sociedade gaúcha.

Por Vitor, militante da UJC no Rio Grande do Sul