A Greve da Educação na UFJF
I – Sobre o Contexto Geral da Greve
No dia a dia de nossa universidade, entendemos que os estudantes podem ainda ter dúvidas sobre o porquê apoiar a greve, sobre a sua real relevância e quais mudanças ela pode trazer para nossas vidas, que foram diretamente impactadas pelas mobilizações. Se hoje em dia temos acesso à educação superior pública, que se dedica ao ensino, pesquisa e extensão, em que conquistamos restaurantes universitários, cotas, ônibus circulares, moradias e creches estudantis, devemos à luta da classe trabalhadora e às suas formas de mobilização.
No entanto, nem todas as instituições federais de ensino do país possuem os elementos de infraestrutura necessários à permanência estudantil, tampouco possuem recursos materiais (orçamento) para garanti-los com qualidade e ampliá-los para que atinjam todos os estudantes. É evidente a pouca quantidade de bolsas de extensão, de pesquisa, e de demais programas vinculados às universidades, além de tantas outras mudanças que são urgentes para um projeto socialmente referenciado de universidade. Tudo isso passa por orçamento. O orçamento do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), considerado uma conquista parcial da greve, destinou 5,5 bilhões às universidades federais. Porém, além de mal alocados, como explicado pelo ANDES-SN, essa e as demais vitórias da greve sequer podem ser garantidas, graças ao arcabouço fiscal, medida econômica do governo Lula que limita investimentos do governo.
Deve ser evidenciado a todos que, apesar da derrota do governo Bolsonaro em 2022, o governo Lula vem aplicando em suas políticas rotas econômicas também neoliberais, como a privatização de presídios, a insistência em não revogar a contrarreforma da previdência, o Novo Ensino Médio, e a restrição dos gastos públicos e sociais.
Nesse sentido, a greve e as mobilizações que a tangem tiveram entre seus principais objetivos pressionar o governo federal a reestruturar a política de distribuição econômica, que atualmente proporciona um reajuste menor que a inflação para os trabalhadores da educação, bem como pressionar pela revogação das contrarreformas implementadas pelos governos Temer e Bolsonaro, que pioraram as condições de vida de toda a classe trabalhadora.
Por isso, a mobilização é mais que justa, é necessária! Nosso papel como discentes dentro desse contexto de mobilizações é fortalecer o movimento grevista, propagar o debate e a comunicação sobre as demandas das categorias, além de sistematizar e movimentar nossas próprias demandas enquanto classe estudantil, nos organizando em unidade para pressionar o governo e construir uma universidade verdadeiramente popular.
II – Movimento Estudantil da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Durante a Greve
Quando se inicia um movimento grevista, é natural que os estudantes se preocupem com sua formação e permanência na universidade, sendo absolutamente compreensível um descontentamento com a paralisação das atividades. Porém, precisamos ressaltar que vivemos um cenário em que muitas universidades não tinham orçamento para encerrar o ano de 2024 (inclusive a UFJF). A defasagem orçamentária que a educação vem vivendo é o verdadeiro comprometedor das atividades e da formação dos estudantes.
O papel daqueles que assumem o compromisso de classe é estar sempre ao lado da luta por direitos, dignidade e auto-organização dos trabalhadores. Embora em algumas instituições a mobilização estudantil tenha sido forte, inclusive com greves estudantis deflagradas e bem-sucedidas1, no geral, o Movimento Estudantil não participou de maneira central e decisiva nas mobilizações da Educação.
A gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFJF à época não assumiu esse compromisso e decidiu “abandonar o barco” para evitar desgastes, em vez de combater a desinformação, as posições reacionárias e individualistas que atacam e deslegitimam a greve. Não mobilizaram ações concretas de apoio à greve para além de posts em redes sociais e, mesmo na internet, a postura foi de um apoio tímido à greve dos técnicos administrativos em educação (TAEs). Mas essa não foi a postura de todo o Movimento Estudantil da UFJF. A pauta da greve estudantil como instrumento de organização e fortalecimento de luta foi majoritariamente agitada pelo Movimento por uma Universidade Popular (MUP) e pela União da Juventude Comunista (UJC) e, no geral, poucos foram aqueles que atentaram para a necessidade de organização estudantil nesse contexto de greve.
Neste contexto, cabe elogiar o Centro Acadêmico Murilo Mendes (CAMM), do curso de Letras, que foi vanguarda na mobilização em todo o período. Não só na construção coletiva junto aos demais Centros e Diretórios Acadêmicos, mas principalmente onde mais importa: com a base estudantil. O CAMM fez inúmeras reuniões e assembleias e mostrou, de fato, que “Greve não é férias” ao ocupar com atividades políticas e culturais a Faculdade de Letras durante toda a extensão da greve docente. Ao informar fielmente e se manter em contato constante com o corpo estudantil, ao dar resposta aos anseios dos estudantes e ao politizar sempre sua atuação e o próprio debate sobre a greve, a gestão “Ousar, Lutar, Criar” do CAMM iluminou o caminho e nos serve de exemplo sobre o significado de responsabilidade e organização para que conquistemos o que é nosso por direito e construamos uma outra universidade.
Enquanto isso, a gestão “Um Passo à Frente” e antiga chapa 1 nas eleições – composta pelas seguintes organizações: Afronte, Kizomba, Levante Popular da Juventude (LPJ), ParaTodos, União da Juventude Socialista (UJS) e Juventude Socialista do Partido Democrático Trabalhista (JS-PDT) – usou como subterfúgio a falta de mobilização e a necessidade de respaldo da base para negar qualquer ação concreta que organizasse o conjunto de estudantes da UFJF e suas demandas. Ora, se nossa base estudantil está inserida num contexto de incerteza, insegurança e desconfiança, atravessada por desinformação e ataques rasteiros aos grevistas, como esperar que os estudantes se convençam sozinhos da importância e necessidade da greve, para só então fazermos algo?
Em encaminhamento junto ao Conselho de CAs e DAs (CONCADA)2, foi realizada uma plenária estudantil no dia 4 de abril, que contou com a participação de cerca de 400 estudantes, número este que inúmeras reuniões do movimento estudantil não atingem há anos. Tal plenária, apesar de ser um espaço político de articulação, não apresentava poder deliberativo. Nesse contexto, mesmo diante da demonstração de interesse dos estudantes, a gestão “Um Passo à Frente” do DCE não convocou nenhuma assembleia, que seria o espaço de informar qualificadamente sua base, ouvir as demandas estudantis e construir uma estratégia forte e unificada de luta estudantil. A gestão se limitou a dar repasses e informes, não dando apoio ativo à greve dos docentes – que foi deflagrada por último – e descumprindo com as obrigações e com as deliberações tiradas no CONCADA3.
O único ato pela greve construído pela gestão foi propositalmente esvaziado, desde a convocatória que foi feita com um dia de antecedência e marcado para a manhã seguinte, num momento em que a maioria dos estudantes presentes na UFJF estava em aula ou em horário de trabalho. Durante o ato, vimos falas lamentáveis por parte do DCE (gestão “Um Passo à Frente”), no sentido de tirar a responsabilidade do governo federal pela intransigência nas negociações com os grevistas.
A máxima “Governe quem governar, direitos se defendem!” foi agitada pela União da Juventude Comunista e pelo Movimento por uma Universidade Popular, junto do lema “greve não é férias”, mas infelizmente não encontrou adesão das juventudes governistas. Durante a greve, nos somamos às mobilizações estudantis, dos docentes e dos TAEs, sempre colocando em nossas intervenções a necessidade de unidade das pautas das três categorias e avanço da camada estudantil na organização de suas demandas, não só aquelas que vieram em decorrência da greve, mas também aquelas que já eram demandas antigas da UFJF e que poderiam ser fortalecidas se tivéssemos um DCE preocupado em mobilizar e sem medo de fazer o enfrentamento necessário.
Após o encerramento dos trabalhos da gestão “Um Passo à Frente” do DCE, foi encaminhada no CONCADA a criação de uma gestão provisória para o DCE durante a greve, composta por 11 indicações de CAs e DAs. A UJC e o MUP estiveram presentes nesse processo e estão compondo a gestão provisória, juntamente com o LPJ, o Kizomba e estudantes independentes. Além de ser uma gestão pequena e tirada às pressas, não há uma carta programa ou carta de princípios acordada por todos os indicados, que permita a essa gestão assumir qualificadamente a função política de um DCE. Com erros e acertos, mas com empenho e compromisso com a base estudantil, dentro da gestão estamos buscando avançar com as reivindicações estudantis para o pós-greve.
III – Nosso Papel no Período Pós-Greve
Após o fim da greve dos professores e o possível fim da greve dos TAEs, o trabalho do movimento estudantil não deve parar! Apesar de os professores terem conseguido demandas como a aprovação da minuta de resoluções sobre o enfrentamento aos assédios e uma articulação maior entre a reitoria e a ANDIFES com o propósito de reivindicar a criação de grupos de trabalho para acompanhar as pautas locais, as demandas das categorias do ambiente universitário não cessaram!
Dito isso, é um absurdo o fim da greve dos professores ser imediatamente seguido de uma retomada das aulas sem levar em consideração as necessidades de readaptação pós-greve. Por isso, nos mobilizamos para levar ao Conselho de Graduação extraordinário – convocado para o dia 1º de julho 2024 – as demandas estudantis levantadas pela gestão provisória do DCE na última semana, e pautamos por uma reestruturação imediata do calendário acadêmico, de forma que sejam contempladas, em sua pluralidade, as reivindicações apresentadas pelos estudantes, tanto no campus de Juiz de Fora quanto em Governador Valadares.
Nesse momento de volta às aulas, é essencial que a mobilização estudantil se intensifique, tanto para assegurar um retorno digno para os estudantes, quanto para reorganizar o Movimento Estudantil e avançar nas nossas pautas dentro da UFJF – por mais intérpretes de libras, cotas trans, presença discente nas bancas de heteroidentificação, infraestrutura dos cursos noturnos, reivindicação de mais bolsas de assistência, pesquisa e de extensão, aumento da frota dos circulares, melhorias no RU, entre tantas outras.
Os CAs e DAs, organizados e atuando coletivamente, em contato com os estudantes de seus cursos, têm o potencial de avançar nessas pautas. Através do amplo debate democrático no espaço do CONCADA, temos capacidade de formular as ferramentas de luta e deliberar formas conjuntas de pressionar pelas nossas demandas. É importante que os estudantes se inteirem sobre os debates levantados pelo Movimento Estudantil, cobrem assembleias de seus CAs e DAs, para debater as demandas de seus institutos e formular propostas, e que participem ativamente das próximas movimentações.
Precisamos que, cada vez mais, os alunos se apoderem dos debates e se mobilizem, apresentando nossas demandas, entrando em contato com os CAs e DAs, com o DCE, participando dos CONCADAs – conselho aberto a todos os alunos, e estejam presentes também nas agitações convocadas para pressionar a reitoria, o conselho de graduação, o conselho superior e o governo federal.
Nesse sentido, o fim da greve dos professores não deve significar o fim da nossa luta enquanto estudantes e jovens trabalhadores, mas sim a intensificação dessa luta, para que ela esteja de acordo com nossos interesses para construção de uma universidade e um poder popular.
Lutemos por uma educação pública, gratuita e de qualidade, que aprecie o interesse dos estudantes, dos professores, dos TAEs e dos trabalhadores terceirizados!
Lutemos pela construção de uma Universidade Popular!
União da Juventude Comunista – Núcleo Universidade Federal de Juiz de Fora
9 de julho de 2024
- Com robusta mobilização em torno das demandas relacionadas à greve e às demandas históricas do movimento estudantil, algumas universidades articularam greves estudantis e até ocupações de reitorias. A greve estudantil da UFF, por exemplo, conquistou com a força da luta: mais 40 vagas para moradia estudantil, implementação imediata das cotas trans, abertura de editais para eventos e bolsa atleta, acompanhamento estudantil nas bancas de heteroidentificação, entre outros. ↩︎
- O Conselho de Centros Acadêmicos e Diretórios Acadêmicos (CONCADA) é uma instância superior do movimento estudantil (ME) da UFJF, estando submetido apenas à Assembleia Estudantil, que é a instância máxima. Este conselho, um espaço de unidade, se reúne periodicamente para deliberar sobre a atuação nos conselhos representativos gerais, sendo a ponte de contato oficial entre os CAs e DAs e entre estes e o DCE. É onde costuma-se organizar a luta conjunta do ME. ↩︎
- Neste semestre, com a greve dos TAEs em andamento e o tema da greve já sendo debatido nos corredores, o CONCADA discutiu a necessidade de informar devidamente a base estudantil e, mais do que isso, agir como ponta de lança de um movimento maior, já que os estudantes estavam desmobilizados enquanto outros setores já estavam lutando. O argumento era o de “pavimentar o caminho” para uma luta unificada e uma greve estudantil. Foi aprovada uma mobilização em unidade, com panfletagem e agitação nas redes, a fim de informar sobre a greve em andamento e convocar a organização estudantil. Também foi aprovada a construção de uma carta cobrando mobilização e apoio para ser enviada à UEE-MG e à UNE, que até aquele momento não tinham tomado nenhum posicionamento sobre a greve da educação federal. No entanto, nenhum desses encaminhamentos foi cumprido pela antiga gestão “Um Passo à Frente”. ↩︎