Prof. RICARDO DA GAMA ROSA COSTA (RICO)
A notícia do possível fechamento da Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia caiu como uma bomba nos meios educacionais, culturais, intelectuais e artísticos de Nova Friburgo e cidades vizinhas. Afinal, a Instituição é reconhecida pelo trabalho sério e competente desenvolvido há mais de cinquenta anos em toda a região centro-norte fluminense, dedicado principalmente à formação de professores, além de ser um verdadeiro centro cultural, promotor de inúmeras atividades no campo da educação e da cultura, seminários, palestras, debates políticos (foi a primeira instituição a promover debates eleitorais nos estertores da ditadura, em 1982), peças de teatro, shows musicais, etc.
O fechamento da FFSD seria mais um desastre anunciado num ano pródigo de tragédias na nossa cidade. Como muito bem já lembrou o colega, amigo e mestre João Raimundo, seria a tragédia cultural, depois do desastre climático de janeiro e da situação política extremamente instável vivida por Nova Friburgo a partir da eleição de Heródoto Bento de Mello, cuja vitória era inesperada até mesmo para seus correligionários. O governo, estruturado sobre bases políticas desconexas, reunindo antigos adversários, já havia representado o início do caos, que se instalou em definitivo com sua doença e a tragédia de janeiro.
Mas a cidade já vinha vivendo, há tempos, outra tragédia: a de ordem econômica e social, com o fechamento de indústrias, demissões, absurda rotatividade de trabalhadores nas empresas, desrespeito sistemático dos patrões aos direitos sociais e trabalhistas, redução de salários. É tristemente significativo que, no ano em que se comemora o centenário da indústria friburguense, justamente as três grandes fábricas que inauguraram o processo de industrialização na cidade viveram ou vivem situações de falência: Rendas Arp, Ypu e Filó. Sabemos que o setor industrial representa, ainda, além dos serviços e do comércio, parte fundamental da produção de riqueza no município, mas, com exceção do ramo metal-mecânico e das indústrias têxteis que restam (como a Hak e a Sinimbu), a imensa maioria dos empregos industriais – localizados no setor do vestuário – são precarizados, com baixos salários e sem garantias plenas de direitos.
A realidade de baixos salários e desrespeito aos direitos sociais também se verifica no setor público, no comércio e na prestação de serviços. Esta tragédia social tem muita relação com o quadro de crise experimentado pela Faculdade Santa Dorotéia, pois, nos últimos anos, verificou-se a redução do número de alunos ingressantes na nossa instituição. Além da conjuntura nacional, hoje francamente desfavorável à formação de professores, em função dos péssimos salários, das precárias condições de trabalho, do assédio moral nas escolas, da violência contra o professor – apesar da propaganda enganosa do governo federal – há o quadro local de acirramento da competição entre instituições privadas, de disseminação do ensino à distância nas licenciaturas, de redução do poder aquisitivo dos trabalhadores. É preciso lembrar que os alunos da FFSD são, na sua imensa maioria, trabalhadores: professores da educação básica nas redes pública e particular, comerciários, prestadores de serviços, empregados de confecções, etc.
Numa sociedade em que as relações capitalistas avançam cada vez mais celeremente, seria inevitável, mais cedo ou mais tarde, que uma faculdade isolada como a nossa passasse a viver dificuldades para se manter. A sociedade capitalista empurra para o gueto as pequenas instituições, principalmente aquelas cujos valores e princípios orientam-se para muito além do que determina o Deus Mercado. Nossa instituição não soube ou não quis se adaptar aos novos tempos. Resistiu enquanto pôde – graças inclusive à presença interna de um combativo grupo de professores – às imposições do capital: apesar de algumas medidas visando à diminuição de gastos (dentre as quais a mais impactante foi a mudança na grade curricular), não predominou a lógica – até agora, pelo menos – do desrespeito sistemático aos direitos dos profissionais da educação, a exemplo das “reengenharias”, “reestruturações produtivas” e ações “empreendedoras” tão comuns em tempos de globalização neoliberal. Talvez por manter-se fiel a princípios dedicados a uma educação humanista, solidária, de um amplo espectro científico e cultural, na contramão da formação tecnicista e imediatista, voltada a atender às necessidades mercadológicas, a FFSD esteja hoje nesta situação. Esperamos que a decisão da Congregação das Irmãs de Santa Dorotéia, de não mais continuar mantendo a Faculdade e passar a se dedicar quase que exclusivamente aos colégios e à educação básica, não represente uma rendição tardia aos imperativos do mercado. Seria o final inglório de uma bela história construída há 55 anos.
No ano de 1956, as freiras da Irmandade Santa Dorotéia – tendo à frente a Irmã Sania Cosmelli – deram início aos trabalhos da Faculdade Nossa Senhora Medianeira, que, mais tarde, seria transformada em Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia. No decorrer da década 1970, a FFSD experimentou um significativo aumento de demanda por seus cursos, sem dúvida, em virtude da criação da Lei 5.692, de 1971, que apontava para o enquadramento dos professores da rede pública por formação. De meados dos anos 1970 até a atualidade, já sob o comando da atual Diretora, Irmã Celma Calvão da Silva, a instituição tem sido responsável pela formação acadêmica da quase totalidade do professorado hoje atuante nas redes pública (municipal e estadual) e privada de Nova Friburgo e das cidades das regiões serrana e centro-norte fluminense. A qualidade de seu trabalho e o empenho de seu corpo docente têm sido avaliados de forma positiva nos últimos anos e, hoje, a FFSD ocupa o 76º lugar entre as melhores instituições de ensino superior em todo o país.
O encerramento das atividades da Faculdade representará, além da enorme carência na formação de professores e de profissionais da área de informática e de secretariado, uma perda de natureza cultural incalculável e, seguramente, comprometedora para o desenvolvimento da região. O Movimento “A FFSD NÃO PODE FECHAR”, liderado por professores, alunos e funcionários da Faculdade, pretende, em primeiro lugar, despertar a atenção de toda a sociedade friburguense para o problema. Queremos a continuidade dos cursos e a manutenção dos empregos de professores e funcionários, o que significa a garantia da qualidade até hoje ofertada pela instituição, mas sem que isso represente ataque aos direitos constituídos dos profissionais. Por isso, de todas as alternativas que vêm se apresentando a partir do momento em que extrapolamos os muros da Faculdade e botamos o bloco na rua, as mais interessantes, a meu ver, são as que apontam para a encampação da nossa faculdade pelo setor público (seja o Município, através da Autarquia Municipal de Ensino Superior, seja o Estado, por meio da UERJ). Tal solução seria, para toda a comunidade friburguense, uma grande conquista, pois ampliaria o acesso ao ensino superior público e gratuito na região. O nosso movimento é amplo e plural e tem tido o cuidado de buscar estabelecer conversações com todos os setores da nossa sociedade, com vistas à obtenção de apoio ativo à nossa luta. De uma coisa estou absolutamente certo: sem luta e sem mobilização nada conquistaremos.
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