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Por que a mobilização antifascista não impede a defesa do isolamento social?
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Por que a mobilização antifascista não impede a defesa do isolamento social?

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Uma janela se abre no contexto da conjuntura de lutas políticas no Brasil. Certa neblina de incertezas toma contornos mais precisos de ação pelo mundo. A contradição cai no nosso colo quando parecia fácil tomar posição. De um lado a pandemia do nosso tempo avança vertiginosamente, obrigando-nos ao isolamento social e à defesa de medidas de controle sanitário, cada vez mais restritas. De outro o avanço do fascismo no mundo, com cada vez mais liberdade, ante à impotência das democracias liberais em combatê-lo. Tratando-se assim, pode parecer uma contradição tomar a ação de “sair às ruas contra o Fascismo” e defender o “fique em casa”, mas não é. Examinemos a encruzilhada em que a história nos colocou.

I – O isolamento social: o desempenho dos diversos países frente ao avanço da pandemia desnudou uma infinidade de problemas de nosso mundo. Ficou claro, até o momento, que o combate mais efetivo à pandemia passou pelo planejamento centralizado, a organização de medidas adequadas e bem estruturadas de isolamento social e por um sistema de saúde público, de acesso universal e forte. Os dois países onde morrem mais pessoas por Covid-19 explicam isso.

Nos Estados Unidos da América, o acesso aos testes e serviços de saúde, regulados pelo mercado, colocaram o país mais rico do mundo na pior situação sanitária. O país da “liberdade” se viu incapaz diante de uma situação onde a resposta era necessariamente coletiva e planejada. Nem a ação manipulatória na economia, nem o sequestro de insumos de saúde, os salvou da incompetência daquilo que melhor se produziu no país, o capitalismo.

Aqui pelo Brasil, um governo que reuniu fascistas, ignorantes miseráveis e parasitas do capital vem irresponsavelmente nos colocando em uma das piores situações do planeta. O Brasil é sem dúvida nenhuma um dos países com pior desempenho no combate à pandemia, sem projeto de seguridade social, sem medidas econômicas de sustento ao isolamento social e sem uma política nacional minimamente organizada que viabilizasse a equalização de escassos recursos e a manutenção de vidas. Praticamente alheio à realidade, o que era para ser o líder máximo frente a uma das piores crises que passamos na história da humanidade, desfila em praça pública com um cavalo, em uma tentativa de insuflar um fascistóide sentimento em sua base popular, os “merdas batedores de bandeira”, em sua própria percepção.

No país inteiro, as medidas de isolamento não avançam e as mortes não param de aumentar. Sem política sanitária e econômica, afundamos em um contexto onde o isolamento parece ter caído no passado, esse é um ponto fundamental. Precisamos entender que isolamento social não é fruto de um raio mágico de consciência puritana, tampouco será produzido com Hashtags, por mais bem intencionadas que elas sejam. Isolamento social é política séria, planejada, que envolve medidas de controle de deslocamento de pessoas, salvaguardando necessidades mínimas básicas, como não morrer de fome. É constituído de condições concretas para que ocorra e, em nosso tempo, está intimamente ligado à ação estatal, oposto ao que se faz em nível nacional por aqui.

Estamos tratando isolamento social na ordem da consciência individual, quando deveria estar na ordem da política coletiva, econômica e sanitária. Um país com metade de sua população desempregada ou subempregada, que não colocar comida na porta das pessoas e salário público nos bolsos das pessoas, vai falhar terrivelmente. Por isso, entendendo os ensinamentos que os movimentos da história nos dão, a consciência é um processo, não um start. Não há consciência coletiva que surja em meio à sociedade da concorrência e do individualismo. Portanto, o que falhou não foi decorrente do “egoísmo das pessoas”, ele é intrínseco à subjetivação do indivíduo dentro do capitalismo. O que falhou foi a falta de ação pública, de política sanitária, o sistema em si.

Diante do epicentro de um sistema falido, no qual as políticas de lucros acima das vidas avançam na sua forma mais crua e que, durante o ápice das curvas de casos e óbitos confirmados, já se comemora a “reabertura” de atividades econômicas (que mal foram fechadas), podemos dizer que ocorreu de fato o isolamento social no Brasil? Estamos convencidos de que as políticas implementadas até agora, mesmo as mais bem intencionadas propostas pelos setores progressistas, se demonstraram incapazes de reverter a crise. Apenas através da firme organização e exigência da classe trabalhadora poderemos garantir o isolamento – e isso nos exigirá sair às ruas para conquistar nossos direitos.

II – O movimento antifascista – aqui as notas serão ainda mais iniciais que no capítulo anterior. No futuro veremos onde erramos e acertamos, mas o agora nos chama para o trabalho político. O Fascismo cresce no Brasil e no mundo de forma impressionantemente orgânica. Nossa parca democracia liberal e nossa “sagrada constituição” não têm sido capazes de barrar os movimentos pró Fascismo dentro e fora da institucionalidade. Pelo contrário, diversos setores da burguesia nacional se apoiaram ou ainda se apoiam no levante conservador-protofascista. Se a institucionalidade jurídica brasileira não tem servido para barrar o avanço do Fascismo, há pouco lhe serviu de anteparo e de escada de subida. Um capitalismo capenga viu no projeto que emergia uma real aposta para barrar transições sociais que não fossem a conservação do capitalismo.

Nesse sentido, vale destacar que aqui não usamos o termo Fascismo como mero sinônimo de autoritarismo e violência, mas como movimento que avança tomando posição na luta de classes, no sentido das classes dominantes, devolvendo os pequenos mecanismos de democracia existentes no curso da sociedade burguesa tradicional. Em alguma medida é o acirramento do ódio, sob a perspectiva da sociedade de dominação.

O Fascismo na figura de seus maiores entusiastas vem se expondo com tamanha liberdade, vista em poucos momentos da história recente. Ele figura em protestos, comunicados oficiais de governo, andando a cavalo, além de ocupar milhares de mentes esvaziadas de consciência política em uma espécie de dominação quase hipnótica. Avanço tamanho, que imobiliza respostas mais efetivas para qualquer crise social de maior porte como a pandemia que vivemos. Por mais difícil que pareça derrotar a pandemia, ela passará, com sucesso ou não, pela derrota do Fascismo. Mesmo um sistema político da tradicional forma de aglutinação de poder burguesa no Brasil não seria capaz de uma tão errática e terrivelmente mortal resposta, como a que vemos hoje. A comparação entre as ações de estados e governo federal apontam para isso. O pior espírito burguês que já tivemos governando esse país parece coerente diante da barbárie que assola o governo do Brasil.

No Brasil, quase semelhante aos movimentos de rua antirracistas que eclodem nos Estados Unidos, a grave situação política e por consequente sanitária praticamente vem empurrando no sentido da premência de movimentos que barrem a ação fascista de rua. Estavam quase se camuflando no cenário político brasileiro as manifestações “verde-amarelas”, empenhadas nas mais oscilantes pautas, tiradas do íntimo baú do Fascismo “canarinho”. O movimento fascista de rua não é contínuo, nem se preocupa com a coerência. É manifestação de dominação em si, seja nas ruas, seja na internet.

Ante a necessidade de barrar o Fascismo, como uma erva daninha que cresce, os movimentos intitulados Antifas engrossam pelo país inteiro, de forma quase espontânea. Aqui mora um ponto importante para nosso debate: pensar a direcionalidade política. A “marca” Antifa gira em torno de si uma unidade muito mais teórica que concreta. Lutar contra o Fascismo reúne em si – no momento político presente – desde liberais que até ontem estavam no colo do Fascismo, até espontaneístas de carreira. E por isso é importante que o movimento Antifa não surja em si como a ação, mas como movimento político. Todos estão disputando, inclusive a burguesia brasileira, que espera se reacomodar na condomínio de poder, em mais uma transição política conservadora, que nos leve de volta ao “normal”, sem plantar uma sequer semente progressista. Afinal é isso que queremos?

Também é preciso nesse momento analisar com perspicácia os próximos passo políticos que daremos. Sem negar o movimento espontâneo que insurge, avaliar a tática de posição do governo Bolsonaro que trabalha por uma brecha para acirrar suas mais violentas e autoritárias condutas. Os coturnos estão engraxados e o que sabemos é que, independentemente do que fizermos, o Fascismo avançará.

III – Nossa tarefa histórica – muito mais do que queremos fazer, a política é sobre o que tem que ser feito. Isso exige a análise atenta da história, dos ciclos de luta e das janelas que se abrem. O movimento Antifa tem potencial e deve ser construído com direcionalidade política. Construir os movimentos populares que surgem, fortalecer sua organização e garantir que a teoria revolucionária se aposse das massas são as dos que querem transformar a sociedade.

Sabemos que as primeiras manifestações que surgem na forma de contra-atos são apenas uma primeira reação popular ante a certeza de que o fascismo – de mãos dadas com a pandemia e a miséria – hora ou outra baterá nas portas de nossas casas. Essa primeira reação foi vitoriosa: foi provado que as manifestações de ruas dos bolsonaristas cresceram apenas em um estado de exceção no qual a esquerda não ocupava as ruas, que mesmo com apoio policial descarado podem ser dispersadas com relativa facilidade e que o fascismo não se constituiu ainda enquanto movimento de massas e de maioria.

Mas a vitória não pode ser encarada como fórmula a ser meramente repetida: a autodefesa contra o fascismo precisa ultrapassar os limites da demonstração de força. É necessário um movimento organizado que unifique iniciativas como brigadas de solidariedade e comitês populares de luta por direitos nessa nova etapa de manifestações de rua, para que estas não se esvaziem de sentido. A direcionalidade política que o movimento precisa é de ampla solidariedade de classe – que deve se constituir por todos os meios necessários, inclusive o do confronto.

No caso brasileiro, combater a pandemia passa por combater Bolsonaro, Mourão e o Fascismo. Empenhados em nossa tarefa histórica, é fundamental, nesse momento, cortar o mal do Fascismo pela raiz. Não para sempre, pois enquanto o resultado de nossas lutas não for uma sociedade radicalmente distinta, o embrião do Fascismo nela estará e – como as pandemias virais – se repetirá como ciclos desastrosos de nossa história.

Texto dos camaradas Rafael Melo, enfermeiro, sanitarista, comunista e Átila Ferreira Tresohlavy, fisioterapeuta, residente em Atenção Básica, comunista.