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Construir a Educação do Poder Popular!
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Construir a Educação do Poder Popular!

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Os gritos de mais dinheiro para educação, melhores salários, contra as demissões em massa rotineiras entre trabalhadores da educação no ensino privado, por melhores condições de trabalho para os educadores e contra o “descaso” da educação no país fazem parte da indignação de amplos setores da sociedade brasileira bem antes da explosão social dos protestos de rua e aumento do número de greves pelo país. Também, nestes últimos anos, acompanhamos uma série de mudanças, projetos e debates sobre educação nas quais repercutem a correlação de forças da própria sociedade. O debate mais recente é a meta de investimento de 10 % do PIB para a educação.

Apesar de uma reivindicação justíssima e histórica dos mais distintos setores dos movimentos populares a luta por mais investimentos em políticas educacionais não é exclusividade dos trabalhadores. Principalmente, a partir dos anos 90, a educação cumpre também um importante papel para a dinâmica da acumulação capitalista. Se, por um lado, se mantém a necessidade de qualificação e disciplinarização da força de trabalho, por outro, a educação se transformou em mais uma mera mercadoria acompanhada pela lógica do capital financeiro.

Grandes grupos movidos pelo capital internacional, verdadeiros conglomerados monopolistas, progressivamente têm entrado no Brasil. Na década de 2000, a Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, foi uma das primeiras universidades a fornecer o modelo de constituição das sociedades anônimas no ensino superior, passando a ser controlada por um grupo de investimentos que, dentre outros negócios, controla comércio varejista de rede (Lojas Americanas), bancos e bebidas (AMBEV). A partir de São Paulo, com ramificações em vários estados, conglomerados como o Apollo Group, Kroton Pitágoras e Anhanguera Educacional, participam agressivamente do processo de concentração de capital – por meio de compra e venda de ações, fusões, investimentos – no setor educacional. O interesse econômico destas frações e grupos repercutem no alto grau de organização política do empresariado para o setor educacional: congressos de educação corporativa e empreendedora; espaço na grande mídia; ONG´s; “adoção”, por parte de empresas e bancos, de escolas públicas; cooptação de entidades e sindicatos historicamente associadas aos trabalhadores. Estes são alguns exemplos do poder de ação e de influência da burguesia brasileira associada ao capital internacional no debate educacional.

Contando com o processo de transformismo de entidades, sindicatos e movimentos historicamente vinculados ao campo popular, políticas como o FIES, PROUNI, REUNI e o direcionamento conservador dado ao projeto dos 10 % do PIB para a educação, recém-aprovado na câmara, sintetizam este processo de transformações sob direcionamento das classes empresariais. Mas não seria um exagero afirmar que estes projetos, de certa forma, dialogam com demandas históricas do movimento popular, em especial a de expansão do ensino superior no país?

A resposta pode parecer caricata, mas, para quem se direciona essa educação? Em um governo de pacto social pró acumulação capitalista e a “inclusão” dos trabalhadores na sociedade de consumo, as políticas educacionais são amplamente discutidas e atendidas pelos representantes da burguesia monopolista, basta vermos o verdadeiro “socorro” através de isenções e ajuda financeira do Estado brasileiro aos grandes empresários da educação.E para os movimentos populares e trabalhadores em geral¿ Suas demandas são filtradas! A luta por um ensino público de “qualidade” e universal pode ser atendida através da meritocracia e de parcerias público e privadas na adoção de escolas. A luta pela expansão da Universidade Pública pode ser atendida se esta for subordinada aos interesses do capital monopolista, podemos ter mais investimentos na educação, desde que estes investimentos também fortaleçam a iniciativa privada do setor e por ai vai.

Este é um projeto de educação orientado pelos padrões de acumulação capitalista internacional, que reproduz desigualdades e opressões, regula e nivela por baixo os salários dos trabalhadores, intensifica a alienação dentro e fora do processo de trabalho. Outro elemento dorsal, característico dessa educação em vigor, é a (quase) total ausência de visão nacional na integração das políticas educacionais. Dado semelhante àquelas pautadas pelas seculares classes dominantes brasileiras em suas relações com os capitais internacionais. Não é por acaso que o congresso quando aprova os 10 % do PIB considera gastos com isenção, bolsas, parcerias e financiamentos – parcerias com iniciativa privada como ProUni, Fies, Ciência sem Fronteiras, Pronatec e creches conveniadas, como também parte do cálculo dos 10 %!

As experiências atuais de lutas no presente ciclo nos remetem à necessidade de reflexão. Nas últimas décadas, as organizações populares e de esquerda no Brasil, por necessidades históricas de resistirem à ofensiva contrarrevolucionária (neoliberalismo), se nortearam por eixos práticos e estratégicos de ocuparem espaços na institucionalidade. O que se traduziu na luta contra o ataque de direitos historicamente assegurados juridicamente, ou seja resistir por dentro de estruturas de aparelhos privados de hegemonia da burguesia.

No entanto, o acirramento das lutas, as greves e manifestações terminam por questionar a efetividade destas estratégias, ainda que de maneira difusa, mas com grande didática. Fortalece-se a necessidade de vincular estes questionamentos a um projeto de poder autônomo das classes populares para fazer frente à densa organização das classes dominantes e o seu Estado. A luta por uma Universidade Popular e uma educação para os trabalhadores deve fazer parte deste novo ciclo que emerge. Para isso, gostaríamos de expor algumas questões.

A atualidade da luta por uma Educação para os Trabalhadores.

O debate acerca de um projeto de educação para os trabalhadores, em especial a luta por uma Universidade Popular, está umbilicalmente vinculado a um projeto de poder. Não é preciso retomar, nos limites deste texto, a história de como a burguesia, em seus embates contra as classes senhoriais do feudalismo, formulou uma nova visão de educação associada a uma nova visão, hegemônica de mundo. Ou mesmo como a visão de educação se amplia e nacionaliza dentro dos contextos das revoluções socialistas, nos países periféricos, durante o século XX. Sumariamente, a luta por uma educação, para além do status quo, se fortalece com o acirramento político e social das lutas de classe.

Neste sentido, no último ciclo hegemonizado pela cultura da cooptação e do apassivamento à ordem burguesa, falar de luta por uma educação para os trabalhadores e universidade popular parecia apenas uma bela bandeira de luta ou tema para seminários acadêmicos. Tendo em vista o desgaste deste ciclo, a insatisfação dos trabalhadores e a grande organização burguesa no país, lutar por um outro modelo de educação passa a ser uma necessidade impreterível para qualquer movimento político e social que realmente reivindique a construção de uma contra hegemonia dos trabalhadores na sociedade brasileira.

Necessidade que se articula com a luta anticapitalista no terreno da educação, e pode ir além de uma bandeira abstrata ao se converter em eixo unificador dos setores populares em luta neste terreno. Para tanto, este eixo precisa se articular dentro e fora da ordem burguesa: resistindo aos ataques privatizantes, lutando por condições de estudo e permanência dos estudantes de origem popular, ocupando espaços e fazendo ecoar as demandas populares dentro das instituições (escolas, universidades, etc.), participando dos movimentos, reivindicações e entidades de estudantes, técnicos e professores. Contudo, é fundamental que ampliemos socialmente esta luta para fora da órbita “democrática” burguesa. Devemos nos debruçar: a) na articulação da produção de ciência e tecnologia com as demandas da classe trabalhadora e seus movimentos; b) na constituição de espaços de formação crítica nos locais de trabalho e moradia; c) na luta pela democratização do acesso e produção cultural. Em suma, construir na luta prática o modelo de educação do poder popular.

Mas vejam bem, todas estas iniciativas e reflexões já existem na prática! Entretanto ainda se apresentam de maneira desarticulada e, muitas vezes, amansadas dentro da ordem democrática burguesa. Apenas a articulação das lutas, formulações e experiências no mais amplo terreno educacional poderá municiar a construção de um amplo movimento contra hegemônico. Movimento que vá além das fronteiras da emancipação política da sociedade de direitos, mas justamente, acumule para a própria emancipação humana. Feliz ou infelizmente, a sociedade mercantil possibilita a massificação do direito de consumir uma educação pública, gratuita, de alta qualidade e socialmente referenciada.

Por exemplo, diversos cursos oferecidos em universidades públicas são considerados de alta qualidade, públicos(todos podem teoricamente se candidatar, via vestibular), gratuitos, referenciado socialmente, na sociedade de mercadorias, formadora de força de trabalho altamente qualificada! A educação da democracia burguesa pode, no máximo, incluir setores historicamente marginalizados na sociedade de direitos, através de políticas focais afirmativas. Mas, em hipótese alguma, avança para uma modificação no seu conteúdo de dominação e reprodução de desigualdades.

Este é o desafio! Resistir à ofensiva do projeto do capital para a educação nos marcos das lutas locais e imediatas, ampliar o poder de articulação das resistências possibilitando a construção de uma contraofensiva política e cultural neste terreno, respeitando o tempo e debate de cada ativista, movimento e organização. Por isso, acreditamos que o Encontro Nacional de Movimentos por uma Universidade Popular a ser realizado em Fortaleza, entre os dias 14 e 17 de agosto, poderá contribuir para esta paciente e importante construção.

Afinal, não queremos que a educação seja mercadoria, nem apenas um direito em uma sociedade desigual, queremos que ela faça parte de um projeto maior de emancipação humana! Que realmente esteja a serviço da socialização das riquezas, do conhecimento e potencialize a superação da humanidade das amarras da exploração e das opressões. E é claro, esta luta pertence e vai além da educação, pois, necessariamente está associada ao projeto de poder e libertação das classes exploradas.

Luís Fernandes – Professor de História no ensino básico. Membro da Coordenação Nacional da UJC e do MUP-RJ.